Capítulo 1

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Anne

Me apresso para sair, antes que William apareça com planos, só de pensar em viver novamente ao lado dele me dá ascor.

A minha infancia inteira eu tive que lidar com um pai que não era um pai, com quem eu brigava 50% do tempo e nos outros 50% ignorava a existência. Ja com Thabita eu apenas fingia que nao existia. Elloa era a unica que me compreendia, cantava todas as noites, me levava à escola e sempre me acudia quando tinha algum problema, fosse ele qual for.

A criação masculinizada que tive, de certo modo, contribuiu para que eu desenvolvesse uma personalidade um tanto quanto bruta, não gosto de contato físico, salvo de uma pessoa específica: Elloa, detesto abraços e sinto que qualquer toque me causa erupções na pele. Acho que é só uma forma de dizer que a única pessoa que tem direito de me tocar é aquela que me deu carinho uma vida toda, um jeito triste de confirmar que sempre fui carente de atenção e que agora criei uma muralha pra não ser despedaçada por um carinho que eu posso ou não ter.

Esses pensamentos sempre pairam durante o banho. Acho que a água traz o meu lado mais cruel, sempre tenho pensamento maldosos quando venho pra cá. Desligo o chuveiro espalhando os pensamentos e me troco com agilidade, pegando um sobretudo no armário.

Desço sem fazer barulho e atravesso a porta com rapidez. Caminho devagar pela cidade, aproveitando o cheiro de croissant recém assado das padarias, observo um casal de idosos sentados numa mesinha tomando chá. Queria que estivesse aqui, mãe, você gostaria desse lugar. O lugar que eu conheço bem e ao mesmo tempo não.

Acabei de acostumando tanto com tons pastéis e uma paleta cinza que quando cores invadem meu campo de visão me sobrecarregam com uma energia que não sei explicar direito, não é como se me incomodasse, mas também não faz bem. O reformatório acabou tirando de mim o restante da paciência que eu tentava cultivar, agora sobrou só essa casca oca, esse nada. E francamente não tenho forças pra ser diferente disso.

Sinto o estômago reclamar ao sentir cheiro de massa. Giro os calcanhares para retomar a caminhada quando sinto um impacto no peito, me jogando para trás, em seguida sinto minhas costas baterem e um peso sobre meu corpo.

Mas que porra!! Ao olhar para frente fuzilo o causador da dor, que provavelmente vai me atormentar mais tarde.

Julles

Eu amava sacadas e a sensação de estar alto o suficiente para sentir frios na barriga me traziam coisas boas.

Os dias passaram rápido e pude resolver tudo que queria da universidade, aproveitando depois para caminhar na cidade. Conheci uma senhora gentil chamada Olivia, que me deu uma oportunidade de emprego, como entregadora da sua padaria, que era muito famosa na cidade.

Quem não gostou da notícia foram meus pais. Sei de tudo que me ocorreu, mas não sou um vaso de flores, preciso me sentir autossuficiente e mesmo sabendo que não preciso trabalhar, eu quero.
Depois de minutos torturantes de conversa, em que eu repeti o mesmo discurso centenas de vezes, chegamos ao acordo de que eu poderia trabalhar meio período, contanto que focasse também na universidade. Perfeito. No entanto, esse restante dessa semana eu iria integralmente.

A preocupação dos meus pais é natural, eu tive tantos problemas de saúde que poderia ir para o Guiness book, meus momentos de equilíbrio eram instáveis e eu causei, por diversas vezes, sustos significativos não só a eles, como a Noah também. Mesmo que agora Noah não se importe tanto comigo, ele foi um irmão atencioso e peça fundamental para que eu sobrevivesse, bom, a mim. Uma pessoa que não quer ser salva é perigosa e digamos que foi ele que me lembrou que eu deveria querer ser salva, até que permiti que ele o fizesse.

Meu primeiro dia estava me causando borboletas no estômago, não pelo medo de falhar, mas pela ansiedade de tentar. É delivery sobre rodas e como eu sou habilidosa com os patins me saí muito bem.

Tudo por tiOnde histórias criam vida. Descubra agora