Capítulo 23

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Anne

Mal consigo encarar a ruiva, mal consigo encarar qualquer pessoa. Tem dezenas de ligações dela e de Johna no meu telefone, mas não quero falar com ninguém.

Depois que deixei a ruiva em casa uns dias atrás, vim embora o mais rápido possível, sem sequer olhar para trás, não falei com meu pai sobre a Thabita, e mesmo que quisesse não poderia, ele me olha da mesma forma com que me olhou no dia em que me largou no reformatório.

Eu a machuquei, eu não queria, mas quando a vi ela estava no chão, com o nariz sangrando. Eu acabei estragando tudo. Talvez meu pai tenha razão e eh sou só uma bomba relógio esperando a hora de detonar, machucando tudo ao meu redor.

Eu a machuquei e não consigo me encarar no espelho. Eu jurei a mim que nunca sequer tocaria nela para algo que não fosse fazer carinho. Nem nela nem em ninguém, mas agora Thabita tem hematomas e mesmo que ela diga ao meu pai que foi atacada pelo cachorro da vizinha, ele sabe o que houve. Sabe que fui eu.

Tem uma festa esse fim de semana e o grupinho vai, mas não sei se é uma boa eu ir. Sei que posso estar exagerando, afinal de contas foi um acidente, mas situações assim tem um peso emocional gigantesco para mim.

É um gatilho com o qual eu não estava preparada para lidar, fazia muito tempo que eu não machucava alguém que eu amo...

Ouço um toque na porta e murmuro um "entre" quase inaudível. Vejo Elloá trazer uma bandeja com o jantar, mas nem me dou ao trabalho de levantar. A última bandeja ainda está ali, o que a faz mudar o semblante para um bem triste.

Elloá: Minha menina, você precisa comer..

Anne: Não estou com fome, Lô, mas obrigada

Elloá: Me dói ver você assim...

Anne: Thabita é uma vadia, manipuladora e oportunista, Lô. E eu sou esse explosivo que não pode ficar sem supervisão. Eu só queria ajudar. Mas deu errado... Eu não queria machucar ela, nunca quis. Minha mãe teria tanta vergonha de mim - digo começando a chorar e Elloá vem até mim, me colocando no colo

Elloá: Shhhh, menina, eu sei que não queria. Você nunca mais vai ser a menina que eu vi anos atrás, Anne. Não foi o reformatório que te mudou, foi você mesma. Faz meses que tenho visto você interagir com essa garota e sei que ela tem sido uma âncora para você. Foi apenas um acidente... ela ficou chateada com você? - balanco a cabeça negativamente - então olha, só. Se até mesmo ela, que tomou uma tabacada na cara te perdoou, por que você não pode perdoar a si mesma?

Começo a rir com o que ela acabou de dizer e ela me acompanha, sempre caçoei do jeito que ela fala algumas coisinhas. Me sento na cama, me sentindo um pouco melhor e a olho com ternura.

Elloa: E sua mãe também não era fácil. Comecei a trabalhar com ela quando tinha a sua idade e posso dizer que você herdou isso dela, não do seu pai. Ela nunca ficou calada com injustiças, era brigona, pavio curto, muito estouradinha. Foi isso que atraiu seu pai nela.

Elloa: No primeiro encontro deles, ela o acertou com um gancho de direita e ele apagou - arregalo meus olhos - dias depois ele estava nos pés dela, mandando flores, bombons. Eles nunca mais se separaram depois disso.

Elloa sabe me animar. Isso ela nunca tinha me contado, mas deixou para contar no momento certo, ela sabe sempre o que dizer. E saber que me pareço não só fisicamente com minha mãe me deixa tão feliz...

Anne: Vou ligar pra ela...

Elloá: Acho que nem vai precisar

Ela diz apontando para o meu telefone, que está em cima da mesinha ao lado da cama. É ela. Sorrio com a ligação e pego o telefone, atendendo, enquanto Elloá se retira do quarto, me dando privacidade.

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