Anne Elizabete Fontanele

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Voltar para casa é um processo complexo...

Enquanto o carro se move pela estrada, tive tempo o suficiente para praguejar e me sentir um pouco grata por estar me distanciando do meu antigo destino.

Após três anos na Inglaterra, tive tempo para pensar em tudo que me levou a estar lá. O reformatório não era um bom lugar para se estar, era um ambiente sem vida, com um portão de entrada que se estendia do chão até o céu, os uniformes padronizados esmagavam a essência dos alunos, a comida sem gosto só tornava tudo mais asqueroso, haviam punições físicas e pessoas sem almas; era um lugarzinho desagradável e todo tipo de gente que tivesse um problema com o qual os pais não conseguiam resolver, eram despejados lá. E bom, eu estava lá, não era mais uma pessoa, era um problema.

A medida em que o carro avançava pelo trajeto, flashes do rosto dela aparecem em minha mente e tento afastá-los o mais rápido possível, me recuso a derramar uma lágrima sequer na frente desse homem. Eu sei, as relações pai e filha deveriam ser melhores, mas há famílias diferentes em toda parte do mundo, e a minha, eu perdi no dia em que minha mãe morreu. Ela era belíssima, madeixas loiras se acomodavam em cachos que caíam até a altura de seus ombros, um sorriso enorme, com uma pequena covinha acomodada na bochecha esquerda, uma altura média, traços delicados, e claro enormes olhos tom verde folha, que quando direcionados a você, podiam solucionar qualquer enigma sem quaisquer palavras pronunciadas. Ela era gentil... iluminava a casa com sua energia e acima de tudo tratava todos com respeito. Pelo menos é o que a Elloá, nossa governanta, diz.

Eu não pude conhecer minha mãe, infelizmente, ela morreu após me dar à luz, me deixando as traças com esse velho, que obviamente, não demorou muito para me dar uma nova "mãe". Detesto admitir mas acabei pegando essa personalidade asquerosa dele, embora tenha muito da minha mãe, o que eu acredito, que seja o motivo pelo qual ele me odeia, não gosta de olhar para mim, nem ter que lidar comigo e ver a sombra da mulher que ele matou dentro dele antes de estar morta de verdade, o assombra todos os dias.

Afasto os pensamentos quando passamos pelo centro de Paris, o dia está bonito e por um segundo esqueço de que terei de conviver naquela casa com minha madrasta. A casa é a mesma da minha infância, no entanto, nunca senti que pertencia aquele lugar. Ao menos estou voltando à minha cidade natal, iniciarei a universidade de letras em uma das melhores universidades e poderei retomar as aulas de francês que ministrava antes de ser trancafiada naquele buraco.

William me olha pelo retrovisor, se certificando de que não estou empunhando uma faca para golpeá-lo e solta um sorriso de canto ao me ver olhar pela janela. Torço o rosto por instinto, o que o faz retornar com a carranca. Agora sim, isso combina bem mais com ele. Não me entendam mal, meu pai não é de tudo ruim, é um homem bonito, alto, com seus 50 anos recém completados, é atlético e saudável, muito bem-sucedido, um cirurgião plástico renomado no mundo, participa constantemente de conferências e congressos e sempre procura inovar em suas práticas. É um excelente profissional e não é de tudo um mal pai, me proporcionou tudo que tenho, o melhor da educação e nunca me deixou faltar nada, no entanto, quando criança, ele insistiu que eu precisava de uma figura feminina na casa, então conheceu a Thabita, logo se casaram e ela rapidamente cravou as unhas nele.

Só que eu não precisava de uma nova mãe, eu só precisava do meu antigo pai...

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