Capítulo 29

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Anne

Afastar a Julieta por alguns dias foi a forma mais sensata que encontrei de administrar minhas emoções sem danos colaterais. Não foi tão difícil já que parcialmente os horários não estão batendo.

Sei que posso estar fazendo um vendaval num copo d'água, mas esse sentimento é novo para mim, sei que gosto dela, muito, e a proximidade dela com o Nathan esses dias só me fizeram pensar mais que não estou estreita nos campos da amizade, que vai além disso.

Fazem meses que nós tivemos aquele contato mais íntimo e acredito que ainda possa despertar algo nela.

Acho que quando você tira um tempo para pensar sobre suas emoções só consegue notar o quanto negligenciá-las pode intensificar tudo. Primeiro neguei o que aquele beijo me causou, depois neguei aos poucos o ciúme que sentia dela com Nathan e agora estou negando que posso estar me entregando a ela de forma amorosa.

Como Johna pode perceber isso antes de mim? Eu detesto quando as coisas fogem ao meu controle e estou tentando me manter neutra diante de tudo. Agora consigo lidar com clareza com o fato de que toda essa resistência com Nathan não passa do fato de que ele pode a vir ocupar um lugar que seria meu, claro que não deixo de me preocupar com que ele possa machucá-la, mas não é só isso.

Espero que não seja tarde o bastante para reividicar esse lugar. Eu e Julles passamos por muitas coisas juntas, ela foi um alicerce para mim, confio nela com a minha vida e pude perceber exatamente o que Johna disse a mim. Com ela eu quero compartilhar tudo, minhas experiências, as alegres e as tristes, minhas dores, que ela sempre trata com todo carinho do mundo, meus pensamentos e sonhos.

A conexão que tivemos desde o primeiro dia foi notável, eu sabia que sentia algo por ela, mas me neguei a acreditar nisso e acabei criando um abismo entre nós.

Com toda essa confusão aqui em casa eu acabei ficando mais sensível com as emoções alheias também, estou vendo meu pai decaindo cada vez mais e isso me preocupa muito. Tem uma parte de mim, que eu tento reprimir o tempo todo, que diz que eu realmente estou feliz por vê-lo assim, com dor, a dor que eu senti quando ele pensou que podia substituir a minha mãe, a dor que ele me causou sendo ausente.

Mesmo odiando admitir criei uma mágoa com ele, que de certa forma, está sendo dispersada com essa fase decadente, então estou deixando com que ele sinta a traição, a mesma sensação que ele causou anos atrás, com a madrasta e com meu envio para o reformatório.

Já faz alguns dias que só tenho visto o espaço da universidade e do meu quarto, minhas provas começaram e eu estou me dedicando ao máximo, sempre fui uma boa aluna e não será agora que deixarei a desejar, independente das circunstâncias.

Conversei pouco com a Julles nos últimos dias e afastei as demais pessoas, em consequência. Agora estou sozinha para lidar com meus próprios problemas, mas de certa forma, acho isso bom. Entender que nem sempre você vai ter alguém pra te ajudar a carregar um problema é o primeiro passo para aprender que você é capaz de lidar com ele sozinha. Afinal de contas, no fim do dia, se trata apenas de você com você, e mais ninguém.

Não nego que gostaria de ter a Julieta aqui, tenho reparado tanto nela nos últimos tempos que não deixo de encaixá-la em tudo, ambientes, músicas, cenas, até pequenos objetos.

Tirei tempo para me permitir sentir a saudade dela, do cheiro dela, do toque dela, da voz dela. Pude reparar em todas as pequenas manias que ela tem, de tirar o cabelo do rosto a apoiar a palma no pescoço quando presta atenção no que você diz, seguido de afirmações constantes com a cabeça, para mostrar que está interessada.

Ela anda sintilante, emanando a luz que só ela tem por todos os cantos. Fui algumas vezes à padaria em que costumamos comer e pedi o doce preferido dela, é delicioso mesmo, mas eu nunca tinha aceitado quando ela me ofereceu. Agora a enxergo sentada na grama, lendo um livro, ou encostada na minha sacada, me encarando, a sinto me abraçando de lado enquanto ri.

Tudo por tiOnde histórias criam vida. Descubra agora