Eram quase dez horas quando Sophie chegara em casa. Estava demasiadamente exausta, perguntava-se como deveria estar Valquíria depois daquelas longas horas de trabalho. Ela acendeu as luzes e lá estava aquela estrutura vazia, sem ninguém para perguntar-lhe como havia sido o trabalho ou para abraçá-la dizendo o quanto sentira sua falta ou um jantar pronto. Era sempre a mesma coisa, a mesma casa vazia. Faziam cerca de cinco anos que Sophie havia se mudado para aquele bairro, não era um lugar tão longe do departamento, um dos motivos da mudança, mas também não era demasiadamente próximo. Localizava-se na zona sul, mas um tanto longe das casas mais ricas e majestosas, preferia algo mais simples e acolhedor.
Possuía uma grande camada de vizinhos, o qual sabia pouco deles. Ao lado esquerdo, sua vizinha era uma senhora de setenta e sete anos, um tanto fuxiqueira, Corina era seu nome. Em dias de folga em que Sophie passava em casa, ela teimava em bater em sua porta para falar coisas dos outros vizinhos (Sophie, você viu o que o cachorro dos Morgan fizeram com o seu jardim?, Sophie, a viatura que sempre passa na nossa rua, que contratamos, não passou mais, sabe informar o que aconteceu?,). Nos primeiros meses Sophie costumava abrir a porta, agora se privou de abrir a porta, somente, quando estivesse desocupada.
Quanto aos outros, seu vizinho do lado direito eram um casal de homossexuais, um era um arquiteto e o outro havia passado em um concurso público o qual ela desconhecia, mas sabia que as notícias logo chegariam pela sua vizinha da casa da esquerda. As ruas eram bem calçadas, um bairro frequentado por pessoas de classe média alta que sempre acordavam cedo de manhã para ligarem os regadores do seu jardim, exercitarem seus corpos ou passearem com seus cachorros. Eram um bairro fechado, quase semelhante a um condomínio, no qual eles passavam por uma portaria, por ser rua única.
Sophie não era do tipo que gostava de cuidar do jardim, não porque odiasse plantas ou algo do tipo, era mais por falta de tempo mesmo. Mas como só precisava rodar um registro, então o fazia. Não havia cães para passear, demandariam muito de sua atenção e tempo, e como podia ver, ela passou 24h fora de casa, não desejava ser uma tutora irresponsável, gostava de animais, porém, lhe faltava, novamente, tempo.
Ela só corria quando não vivia instalada vinte e quatro horas na sala de autopsia do departamento, fora isso, praticava exercícios ao ar livre. Não gostava de frequentar academias, havia muitas pessoas, muitos ruídos e música da qual ela não apreciava. Diferente da sala de autopsia, era patologista, estava acostumada com o silêncio e apreciava assim. Preferia yoga para se fortalecer corpo e mente. Embora, não lhe sobrasse tempo para tantas coisas, seu corpo era normal, não era magra demais ou estava acima do seu peso, tinha coxas grossas, uma cintura fina, graças a genética das mulheres de sua família.
Atravessou rapidamente a sala e foi em direção a cozinha, retirando de sua pequena adega um vinho branco chardonnay. Localizou uma taça logo acima, no armário de madeira branca. Suas mãos envolveram o cálice de cristal com a fina aste como também a garrafa, o líquido escorregou pelo gargalo esverdeado caindo perfeitamente no cálice, cada gota esbranquiçada daquele líquido exalavam átomos de aroma de uva verde adocicada que umedeceu sua boca instantaneamente.
Levou o aquele material de cristalino até a boca e o tomou, apreciando cada sabor do vinho, eram uvas mais amenas, com baixo tanino. Muitos anos atrás, quando ainda possuía tempo, Sophie fez um curso de imersão ao mundo dos vinhos na França, levou sua paixão para um outro nível mais profissional. Junto do curso, aprendeu o que era o terroir, o que fazia totalmente sentido para os franceses, pois aprender sobre o que de fato essa simples palavra significava e toda sua complexidade por trás daria trabalho. Porém, para facilitar aquela compreensão, o terroir estava ligada a toda qualidade de um bom vinho, incluindo o solo, sua variedade, ano, safra, clima, dentre tantos outros critérios que caracterizam um bom vinho.
Para aquele momento, Sophie queria algo apenas para relaxar, assim sentiu seus músculos caírem, havia sido um longo dia de trabalho e precisava relaxar. Preparou rapidamente uma comida e se alimentou. Ela se preparou para tomar um banho, fez todo o seu ritual para relaxar e as roupas já haviam sido guardadas no cesto de roupas para serem limpas. Preparava-se para começar seu ritual, quando o telefone tocou, uma melodia de Chopin era ouvida, marcha fúnebre para ser mais exato. Ela pegou o celular e disse rapidamente
- Seyfried. – respondeu.
Era do Departamento de Policia, o capitão, pediu desculpas por incomodá-la no seu momento de descanso. Sophie nada disse e escutou o que o homem tinha a dizer. Ele gostaria que fossem enviados, caso a doutora pudesse ainda naquela noite, os resultados dos exames feitos nos cadáveres. Sophie estava esgotada, mas acatou o pedido, desligou a ligação e foi até seu notebook fazer a varredura das últimas análises. Demorou mais ou menos quarenta minutos até finalizar totalmente. Quando enfim o fez, enviou para o DP e foi tomar um banho para relaxar, era o que mais desejava.
Cinco de fevereiro de 2018 - noite
*Taninos: são substancias quimicas da família dos polifenois, com notáveis propriedades anti-oxidantes. Em resumo, quando tomamos um vinho que sentimos aquele teor mais forte, embargando, quer dizer que tem maior tanino.
* Terroir: para quem ficou interessado por mais informações. O terroir, é o ambiente natural de uma região produtora de vinhos, não só engloba os elementos do meio ambiente, mas aqueles relativos a atuação humana. É um conjunto de fatores que influenciam o desempenho do vinhedo, a qualidade da uva colhida. Segundo a Organização Internacional do Vinho (OIV) o terroir: remete a um espaço no qual está se desenvolvendo um conhecimento coletivo das interações entre o ambiente físico e biológico e as práticas enológicas aplicadas, proporcionando características distintas aos produtores originários deste espaço".
Obs: Uvas brancas possuem, por razões geneticas, menor quantidade de taninos que as uvas tintas.
Vide artigo: "Afinal, o que é o terroir?" de Jorge Tonietto. Revista Embrapa.
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Segredos | Elliot Hells
RomanceApós passar alguns anos vivendo em Curitiba no Paraná, Vivienne Lamartine Hoffman volta para a sua terra natal. Um estado colonizado pelos antigos holandeses que mudaram seu nome de Natal para Nova Amsterdam. De volta a cidade em que nasceu fugindo...