Irene mostra sua falta de caráter

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Arnaldo voltou a si atordoado, sem compreender quem o salvara. Apenas ouvia o choro de Mary, abraçada ao irmão, imóvel, ainda sobre a pedra que caíra, no momento de cortar a corda onde tentara suicídio. Ficou estático por um momento, pálido... Tinha que buscar forças para erguer-se e ajudar Miguel.
Dona Lúcia e o Sr Dorvalino olharam surpresos a reação de Irene , ao ler a carta em suas mãos. Irene chorava copiosamente, enquanto lia e relia a carta do Dr Carlito.

" Prezada senhora Irene,

Venho por desta comunicar que vosso desejo de relacionamento estará encerrado a partir dessa missiva. Após avaliação de ambas as partes, não vejo vantagem pessoal ou profissional de relacionar-me com uma mulher simples e rural. Acrescento que em meus planos não se encontra a constituição de família ou filhos, pois necessito uma mulher fina e elegante, de hábitos polidos e situação financeira que se equipare à minha para que acompanhe a minha trajetória profissional.
Conforme comunicado acima, estou encerrando relações pessoais com vossa senhoria. Apenas dirija-se à minha pessoa por Dr. Reinke, profissional em Direito.
Sem mais para o momento,
Dr Carlito Reinke"

_ A senhora está bem, dona Irene?
Irene limitava-se a tragar uma baforada após outra do cigarro entre seus dedos. Seus olhos arregalados tornaram-se frios de repente.
_ É tudo culpa daquele véio, e daquelas crias do diabo!!!
Irene pagou as compras que fizera ao Sr Dorvalino, saindo estrada afora, praguejando:
_ Aquele véio e aquelas crias do diabo!!! Estragaram meus planos!!!
Com uma mão segurava as compras e com a outra segurava a barriga.
_ E essa "porcariazinha", agora... Mais essa!!! Uma cria daquele doutorzinho que me fez acreditar numa vida melhor!
Começou a bater freneticamente a própria barriga.
_ Vou acabar contigo também! Não vou te criar sozinha, sua porcariazinha!
Ao chegar no local onde tinha armado as barracas, Irene deu por falta de Miguel e Mary. Logo deduziu o destino deles.
_ Se aquelas crias do diabo foram falar com o véio, eu acabo com elas também!
Dirigiu-se até a casa, porém não encontrou ninguém. Parou na soleira da porta e, com a mão no queixo, olhou para os dois lados... Seu olhar parou na cozinha.
_ Vou dividir a casa! Eu vou morar na parte da cozinha, os dois quartos pegados na cozinha e a despensa será minha e daquelas crias do diabo. A sala e os dois outros quartos o véio vai poder usar. E tá decidido!
Nesse momento, Arnaldo entrou trôpego na casa, ainda atordoado segurando nos braços Miguel, ainda desacordado.
_ Ele caiu do balanço...
Arnaldo estava pálido, com as marcas da corda pelo pescoço... Decidiu não falar nada sobre a tentativas de suicídio, pois viu que Irene voltara para casa, mesmo grávida de outro homem. Pensou em Miguel e Mary, em como viveriam sem o pai. Um turbilhão passava em sua cabeça. E Miguel estava ali, em seus braços, desacordado, devido à queda, salvando-o do suicídio.
_ Nem vem! Vou voltar pra casa, mas vou morar num lado da casa e tu no outro!!! E essas crias do diabo ficam comigo! Não quero ver tu colocar as mãos neles!
Irene começou a bufar, empurrando alguns móveis, fazendo a divisão. Reparou Miguel desacordado, nos braços do pai.
_E larga esse guri aí. Ele deve tá se fingindo de doente, pra não ir pra escola!
_ Ele caiu do balanço, Irene! Ajuda aqui, por favor!
_ Larga essa cria do diabo aí! É tudo fingimento! Dá pra notar!
_Não!!! Não é fingimento! Ele caiu da árvore do balanço! Está desmaiado a um tempão! Me ajuda, por favor!!! Ele também é teu filho!
_ Se ele caiu daquele cinamomo, ele merece tá desmaiado! Ninguém disse que o guri poderia subir lá!
_ Ele salvou minha vida, Irene! Ajuda!!!
_Se ele salvou tua vida ou não, não importa! Só quero me separar de ti agora! E vou!!!
_Ajuda aqui, Irene! Ele pode ficar com sequelas se não acordar!
_ Ahhhh, sim... Sequelas... Não vai me dizer que esse filho do diabo vai ficar aleijado como aquela filha da professora Sirley, na cadeira de rodas! Aí, quem vai cuidar dele é tu! Não quero um filho aleijado!
Irene continuava a separar os móveis da casa. Sua preocupação, no momento, não era Miguel. Arnaldo levou o menino até o quarto dele e colocou-o cuidadosamente na cama. A palidez do menino começou a preocupar.
_Foi tudo culpa minha, meu filho... Não nos deixe...
Duas grossas lágrimas desceram pela face de Arnaldo. Ergueu os olhos e, pela primeira vez, falou com o coração:
_Deus!!! Perdão... Mas cuida dos meus filhos, se eu não puder cuidar... Sinto que meu caminho está traçado longe das minhas crianças, mas te rogo, meu pai... Cuide deles...
Arnaldo explodiu em lágrimas... Abraçava o filho, como se fosse se a última vez, pois temia que o garoto fosse morrer.
_Deus! Leve a mim, mas não a meu filho!!! Ele tem uma vida pela frente! E eu já vivi tanto... Leve a mim!!!
Mary presenciava o choro copioso do pai, desesperado, "conversando com Deus"...
_Paizinho... O papai do céu não vai levar meu mano... Ele não precisa de outro anjo lá no céu. Já tem tantos...
Arnaldo silenciou os soluços, olhando o rosto inocente de Mary... Aquela frase ecoou no seu coração e ele sentiu que Miguel voltava a si...
_ Paiê!!! Você tá aqui! E tá vivo!!!
A expressão aliviada de Miguel demonstrava o quanto estava feliz pelo pai estar ali, e vivo. Tentou abraçar o pai, porém, uma dor aguda cortou a região do estômago de Miguel. Uma careta de dor o fez levar a mãozinha à região dolorida. Arnaldo notou que o filho não estava bem.
_Precisamos levar o Miguel ao médico!
_Eu não tenho dinheiro pra gastar com essa cria do diabo! A culpa foi dele! Não era pra ter subido ali!
_Ele subiu porque foi me salvar... Meu guri...
_Ahhh, então a culpa foi tua, como sempre!
Irene dirigiu-lhe o olhar mais gelado e acusador de todos os tempos. Mas notava-se que sua preocupação não era o filho, e sim a divisão dos móveis. Arnaldo saiu porta afora.
_Vou chamar o Geraldo, pra levar o Miguel até o hospital. Te arruma e vai junto. Eu fico cuidando da Mary...
_Tu quer é abusar dela, isso sim!!! Comigo longe faz o que bem quiser!!! Não vou não!!! E vai ficar com a casa inteira pra ti, e eu já dividi tudo! Vai tu, ou o Miguel fica! Ele tá bem agora!
_Ele não está nada bem... Eu conheço meu filho! Se estivesse bem, já estaria correndo por aí... Consegue levantar, Miguel? Dê-me a mãozinha...
Miguel estendeu a mão esquerda, pois com a direita segurava a região dolorida do abdômen. Tentou ficar em pé, porém suas pernas não abedeciam...
_Não consigo, paiê... Não consigo...
_Agora sim! O cria do diabo tá parecendo que também ficou aleijado!!! Não me falta mais nada mesmo! O que vou fazer com alguém aleijado?
_Ireeeene!!! Agora vc passou dos limites!!! Por Deus!!! Miguel também é teu filho!!! E não cria do diabo!!!
Irene acendeu um cigarro, saindo porta afora.
_Pois pode ficar com esse aleijado aí pra ti!!! Ele só vai me dar despesa do mesmo!!! E eu, que pensei que seria uma mulher rica, mulher de um doutor!!! Eu vou ficar com a Mary! Ela não vai me dar tanta despesa pra cuidar, e, quem sabe, mais tarde, eu possa casar ela com um homem podre de rico!!!
_Você está louca, Irene!!! Pensar em"vender a própria filha", em troca de luxo e riqueza pra ti...
Arnaldo olhou incrédulo para irene...
_Vem, Mary!Vem me ajudar a trazer as coisas do mato pra casa... Tu vai morar comigo, na metade da casa, e aquele cria do diabo do teu irmão pode ficar com o véio!!!/
Em parte Mary estava feliz, pois voltariam à casa. Não sentiria mais as gotas geladas de chuva que lhe deixavam molhada e com frio, enquanto dormiam no mato... Também por ver/ Miguel acordado... Pálido, com dor e sem conseguir andar, mas acordado....
Arnaldo dirigiu-se até a casa do vizinho Geraldo, que prontamente levou Miguel e Arnaldo para o socorro médico...
_E aí, meu guri? O que houve com esse homenzinho?
Miguel olhou surpreso para aquele jovem médico, pois jamais ousara imaginar que um médico poderia ser tão gentil. Irene sempre metia na cabeça das crianças que os doentes que iam a hospitais eram amarrados em leitos isolados, levando injeções enormes...






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