Irene perde o bebê

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     Ao retornar do escritório do advogado, Lili estranhou quando não encontrou Irene  pela casa.
    _ Ué... Onde tá aquela biscate? Aquela fingida ainda não acabou com os faniquitos dela?
    Fernando, o mordomo, explicou:
    _ Ela estava muito mal e saiu, senhora. A cozinheira chamou outro carro de aluguel e acompanhou ela ao Hospital Pompéia, que tem maternidade.
     _ Mas o que aconteceu? Ela não acordou do faniquito dela?
    _Acordou, sim senhora. Ela começou a perder sangue e a sentir as dores do parto... Acho até que o nenê...
    _ Se aquela biscate matou o meu neto com o cigarro, ela vai pro olho da rua! Logo agora que o Valderez não tá aqui... Chama outro carro de aluguel, Fernando. Quero ir até o hospital, pra ver se meu neto tá bem. Pouco me importa aquelazinha!
    Lili chegou ao Hospital Pompéia e encontrou a cozinheira aos prantos na sala de espera do setor de obstetria.
    _ O que foi que aconteceu, Elisa?
    _ O nenê...
    Elisa desatou em choro.
    _ A senhora Irene passou muito mal. O nenê dela...
    Lili estava pronta para pedir explicações para Elisa, porém o médico obstetra entrou na sala de espera.
    _ Familiar de dona Irene?
    _ Sim. Sou sogra dela.
    _ Felizmente, dona Irene está fora de perigo.
    Lili encarou o médico com seriedade:
    _ E o meu neto? O nenê...???
    _ Infelizmente, não conseguimos salvar o bebê... A maturação do feto ainda não estava completa... Sem contar que a má formação congênita também contribuiu para o óbito da criança.
    Lili arregalou os olhos:
    _ Maturação? Má formação congênita? O que quer dizer com isso?
    O Dr explicou em detalhes:
    _  A senhora Irene teve um descolamento de placenta, e a gestação dela era apenas de cinco meses... O bebê apresentou uma má formação congênita que chamamos de hidrocefalia... Nasceu prematuro e foi a óbito em 30 minutos após o nascimento.
    _ Hidrocefalia?
    _ Alguns médicos chamam de cabeça d'água.
    _ Isso quer dizer que o nenê...
    _ Sim, senhora. Levarei a senhora pra ver o corpo. A equipe médica solicitou autorização para ficar com ele, para fins de pesquisa do setor de genética e obstetrícia.  Será que a senhora Irene autoriza?
    Lili estava visivelmente abatida com o fato de Irene perder a criança. Porém, passou-lhe pela cabeça as longas tragadas do cigarro de Irene e tomou a decisão:
    _ Olha, Dr... Quem vai pagar a conta do hospital sou eu. E sou eu que vou decidir a autorização...
    O médico mostrou-se apreensivo:
    _ Então?
    _ Quero primeiro ver o corpo do nenê falecido!
    _ Pois não, senhora. Tem todo direito! Por aqui, por favor!
    Lili foi conduzida até uma sala especial, onde eram destinados os fetos inanimados, cujo óbitos são originados em má formação congênita.
    _ Ali está, dona Lili.
    _ Obrigada, Dr.
    Lili aproximou-se do corpinho do neto com lágrimas nos olhos.
    _ É pequeno demais... Cabe na minha mão...
    Lili não conseguiu segurar o choro. O Dr sentiu como se estivesse diante da mãe do bebê falecido.
    _  Tinha só 5 meses... E certamente a mãe não se alimentava corretamente, porque o feto bem nutrido normalmente já está bem maior nessa fase da gestação.
    Lili voltou- se para o médico, decidida:
    _ Era só o que eu queria saber, Dr. Obrigada. Eu autorizo a doação dó corpo do nenê para o hospital!
    Lili voltou à sala de espera. Chamou a cozinheira:
    _ A senhora vai voltar comigo agora. Amanhã vou ver se volto aqui pra ver quando a biscate vai sair daqui, porque ainda vou pagar a conta do hospital... Depois, é o olho da rua pra ela!
   

                      *  

    Juvenal estava eufórico. A prótese da perna estava se ajustando perfeitamente pela primeira vez. Seus treinos de marcha nas terapias o ajudaram à adaptação, a ponto dele sair caminhando sem o uso de muletas.
    _ Tô feliz feito guri, Claudio! Hoje posso levar a prótese pra casa, pra usar no dia a dia.
    _ Viu como Deus é bom, Juvenal? Ele te deu uma nova chance de andar e de fazer uma porção de coisas em pé, ou caminhando.
    _ Aaaa, eu quero é sair pedalando por aí... Agora, o mundo vai ser visto de cima de novo. Nada mais de muletas ou cadeira de rodas!
    _Sei que, infelizmente, a visão do teu olho não vai se recuperar, mas tu tem um jeito todo especial pra locutor.
    _ E vou fazer pedido especial pra Deus. Se Ele me permitir, aínda vou ser um locutor dos melhores!
    _Vou te levar pra fazer o curso. Uma rádio comunitária de Igrejinha tá precisando de um cara que fale algum dialeto. Tem muito ouvinte que fala pouco o português em casa, e prefere escutar algum programa no dialeto local. Se tu quiser fazer o teste, te levo lá... E não te preocupa, que o pessoal da rádio é bem parceiro!
    _ É só falar que dia é pra ser esse teste, que eu vou!
    _ Combinado! Vou ver com o pessoal da rádio e te levo lá no dia do teste!
    O longo silêncio que se seguiu foi quebrado por Juvenal:
    _ Eu tô é preocupado com o resultado dos teus exames do estômago, meu amigo! Parece que não vai ser fácil aguentar!
    _ Calma,! Vou fazer os tratamentos direitinho e me cuidar, que não quero morrer tão cedo... Ainda não terminei minha missão.
    _ Não fala em morte, Claudio! Tu tem duas meninas e uma esposa, que precisam de ti.
    _ Pois eu quero é fazer muita coisa ainda, se Deus me permitir. Não almejo riqueza nenhuma.
    _ Por isso que tu ajudou tanto a gente... É um homem muito bom.
    _ E não é isso que Jesus pediu pro povo quando esteve aqui na terra? Sozinhos, não somos nada!
    _ Com certeza! E tu ajudou muito a nossa família! Penso na alegria do Francisco agora, que ele tá em contato com a natureza e tem amigos de verdade.
     _ E se vocês precisarem de mais ajuda minha, dá o grito!
    _ Obrigado, Claudio. Espero poder retribuir um dia!
    _Agradeça somente a Deus, Juvenal... Só a Ele!
    Chegandol em casa, Claudio saiu da caminhonete em direção à baia.
    _ Hoje não vou te ajudar a pular da caminhonete, Juvenal! Vai treinando tua prótese... Vou ver se tá tudo certo com o Geleia. Ele tá começando a comer pasto!
    _ Pois eu vou junto! Se precisar de ajuda, tô inteiro agora!  Tenho braço forte, e eu sei que tu não vai poder mais fazer muita força... Ordens do médico!
    Claudio e Juvenal entraram na baia, e deixaram o pasto ao alcance do Geleia.
    _A Faísca e o Canela estão pastando no piquete ainda. Eles vêm depois, com o bucho cheinho, cheinho!
    Juvenal colocou a mão no ombro do amigo:
    _ Meu amigo! Tu não faz ideia de quanto eu tô feliz que tu conseguiu trazer a Teresinha e o Francisco pra morar nesse paraíso. E pode ter certeza que, se depender de nós, vamos ajudar vocês, assim como ajudaram a gente!

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