Irene comete aborto

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Arnaldo não quis acreditar nas palavras do Dr Nelson:
_ Sim, Sr Arnaldo. O Miguel teve uma lesão séria no pâncreas, devido à queda sofrida. Espero estar enganado, porém, tudo leva a crer que terá um problema sério na produção de insulina, que é um hormônio que regula os níveis de açúcar no sangue. E isso vai ser para a vida toda.
_ Isso quer dizer o quê, Dr?
_ Isso quer que o Miguel terá um problema que não tem cura, que chamamos de diabetes.
_ E porque ele não anda? Afetou as pernas também?
_ Calma, ele vai andar... É só uma questão de tempo. Está com um tipo de bloqueio emocional. Deve ter sofrido algum trauma...
Arnaldo relatou ao médico o ocorrido.
_ Pois bem, Sr Arnaldo... Vou tentar ajudar; deixarei o Miguel internado, em observação... Algumas sessões de fisioterapia e o acompanhamento de um profissional da psicologia o recuperarão. Tens como ficar com ele no hospital?
_ Eu não trouxe roupa para mudar. Quanto tempo ele vai ter que ficar internado?
_ Dependerá do quadro evolutivo do Miguel. A princípio, sete a dez dias...O Sr poderá fazer as refeições no refeitório do hospital. Falarei com o setor de assistência social do hospital.
_ Tenho que voltar e buscar umas roupas...
Arnaldo pareceu encabulado diante da ideia, então o doutor logo emendou:
_ O setor de assistência social também providenciará roupas para troca. Peço que o Sr não deixe Miguel aqui sozinho. Providenciarei também que sua esposa seja avisada sobre a situação. Faremos mais alguns exames, isso será imprescindível para o tratamento do Miguel.
Arnaldo não tinha como dizer não diante da maneira como o Dr Nelson demonstrou preocupação com Miguel. Só temia por Mary ficar sozinha com Irene... E por tantos dias...

*
_ O véio e aquela cria do diabo nem precisam voltar pra cá!!! Tá tudo ótimo sem eles! E se aquela cria do diabo ficou aleijado, não vamos ter trabalho com ele, temos a casa inteira pra nós e a despensa cheia!!
Irene sentou no degrau da porta, acendeu um cigarro e apoiou o queixo com a mão, pensativa...
_ O véio poderia ter morrido... Aí eu ficaria livre dele sem divórcio mesmo!
_ O meu paizinho queria morrer, mãe... Tentou se enforcar, mas o Miguel cortou a corda e caiu!
_ Já sei! Vou ficar com a casa inteira pra mim. Vou tirar as coisas daquele véio e daquela peste que cortou a corda!
Irene dirigiu-se até o guarda-roupas de Miguel, retirando todas as roupas do menino. Em seguida, foi até onde Arnaldo guardava suas roupas, junto com as roupas de Miguel e saiu porta afora, carregando tudo para longe da casa.
_ Não vai sobrar nada deles! Nada mesmo!
Dirigiu-se até o galpão dos combustíveis, pegando o primeiro galão de gasolina que encontrou. Jogou o conteúdo sobre as roupas e jogou o cigarro aceso sobre elas. As labaredas consumiam tudo rapidamente, dando lugar a uma densa fumaça escura que dançava até o céu.
_ Mas mãe... O paizinho e o Miguel não vão ter roupa quando voltar!
Mary chorava ao ver as roupas do pai e do irmão queimando à sua frente. Baixou os olhos chorosos, tentando se manter forte.
_ Eles não vão voltar, a casa agora é minha! Se aquele véio quiser voltar, boto a polícia atrás dele... Digo que ele me bateu e boto ele na cadeia! E aquela cria do diabo não perde por esperar!

*
Arnaldo desconhecia o que estava ocorrendo em casa. Acompanhou Miguel a uma bateria de exames hospitalares. Sua preocupação do momento era a cura de Miguel... Somente se afastava do filho para fazer as refeições no refeitório do hospital.
_ Ainda bem que o Dr Nelson me ajudou a poupar meu dinheirinho... Se eu tivesse que comprar tudo que como enquanto estiver aqui, acabaria passando fome.
Vinte e oito dias entre um exame e outro, sessões de fisioterapia e acompanhamento de vários profissionais...
_ Vamos, Miguel... Esse andador não é pra ficar parado ao lado da cama!
Era a voz doce alegre da fisioterapeuta Renata...
_ Está tudo bem?
Era a pergunta de praxe de Renata, dita em voz baixa na tentativa de animar Miguel.
_Vamos lá?Vamos trabalhar, meu guerreiro?
Miguel amava o jeito doce que Renata usava para canalizar o tratamento fisioterápico... Em sua imaginação, via a fisioterapeuta como a uma fada, cujas mãos tocavam repetidamente os pontos certos que o curavam.
_ Doutora, você tem filhos?
_ Tenho sim, Miguel. Uma garotinha, chamada Gabriela... E um menino que, casualmente também tem o nome de Miguel, mas o meu Miguelzinho tem só 2 anos.
Miguel imaginou-se no lugar do xará... Como seria bom ter uma mamãe doce e amável feito Renata?
Seus olhos se encheram de lágrimas ao lembrar do jeito agressivo e raivoso de Irene... A tremedeira tomou conta de suas pernas, ao lembrar dos gritos da mãe, e das lembranças na cabana de lençóis, em uma fria e chuvosa noite.
_ Não pode tremer assim, Miguel... Tente se manter firme no andador. Se não conseguir andar, não podemos te dar alta.
Miguel olhou Renata, sem compreender o que ela quis dizer. Seus olhinhos, já marejados pelas lembranças de frio e fome passados no mato, ficaram confusos.
_ Me dar alta?Quem é a grandona que vão me dar? Ela é braba como minha mãe?
Renata não segurou uma risadinha. Esqueceu que crianças levam a linguagem ao pé da letra.
_ Não, Miguel... Alta é quando você conseguir andar e ir para casa com teu pai.
_ Não quero ir para casa, Doutora, quero morar aqui! Aqui tenho comida todos os dias, não passo frio nem fome, não preciso dormir no mato...
Renata não se conteve e saiu do quarto... Foi até o posto de enfermagem e explodiu em lágrimas. Não imaginava que uma criança tão pequena fosse tão sofrida.
Imaginou os próprios filhos em uma situação como a de Miguel... Tirou o jaleco e saiu. Aquele menino, apesar de pequeno, ensinara-lhe como o amor de mãe é importante para uma criança.
Irene, por sua vez, não perdeu tempo... Sua maior preocupação era disfarçar a barriga, que já mostrava uma pequena saliência da gravidez. Apertava todos os dias um largo cinturão sob a roupa.
_ Essa porcariazinha, cria daquele doutorzinho, não vai vingar não... Vou arrumar uns chás com a dona Rosa, ela conhece umas ervas que acabam com as crias que a gente não quer criar!
Rosa, a parteira, que morava a dois quilômetros dali, estava surpresa com o pedido de Irene... Por isso negou-se a fornecer informações sobre plantas abortivas...
_ Não quer, não precisa!Eu faço isso sozinha!! Aquela véia desgraçada me paga! Mas a cinta já tá me ajudando... Tenho que parecer bonita e elegante, e não de barriga.
Perto da casa de Arnaldo e Irene tinha uma paineira, planta que, segundo informações conseguidas por Irene, é altamente abortiva, podendo levar à esterilidade.
Conseguiu quebrar um galho da árvore, tirou as folhas, macerou e fez uma grande dose de chá, bebendo avidamente.
_ Não vai me incomodar mais, essa porcariazinha!
Passou três dias seguidos bebendo somente o chá das folhas da paineira. O cinto era sempre apertado mais e mais por Irene... Até que, na tardinha do terceiro dia, uma enorme mancha de sangue despontava nas saias de Irene. Ela olhou com desdém para a tal mancha.
_ Te falei que ia acabar contigo! Agora, só tomar mais umas ervas, pra limpar tudo!
Mary viu a mancha de sangue nas roupas de Irene e se preocupou com a mãe.
_ Mãe... Tá machucada?!
_ Não, Mary.... Agora mamãe vai ficar bonita de novo! Lembra daquele tio que vende adubo? Ele quer casar comigo... Ele tem um menino de doze anos, e a mulher dele morreu. Agora que consegui me livrar dessa porcariazinha posso casar com ele, e tu vai ter um irmão que presta, e não aquela cria do diabo!!!
_ E o meu paizinho? Meu mano Miguel?
_ Aquele véio nos abandonou, não vai voltar mais!
Mary não aguentou e correu até o porão, chorando. Não suportava a ideia de nunca mais ver o pai, que tanto amava...




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