Juvenal na Rádio Comunitária

3 0 0
                                    

    A vegetação densa impedia Irene de ver de onde vinha o barulho. Só sabia que tinha que prosseguir, pois estava com muita fome. Porém, os cipós e os espinhos pareciam agarrar seus braços e suas pernas.
    _ Tenho que achar comida!!!
    O corpo fraco e magro de Irene parecia estar sendo engolido por aquelas estranhas plantas.
    _ Ali... Ali tem uma luz...
    Irene reuniu todas as suas forças e tentou alcançar a luz.  Porém, os atrozes espinhos que rasgavam sua pele deixavam verdadeiros sulcos em sua carne.
    _ Eu preciso chegar naquela luz! Lá deve ter comida!
    O estrondo do tiro de um fuzil rasgou o ar. Penas negras flutuaram sobre a cabeça de Irene. Seus olhos procuraram a origem do tiro... Encontraram somente o corpo de um urubu, destruído pelo projétil. Logo lembrou-se da fome que assolava seu corpo.
    _ Preciso comer...
    No desespero, tentou ir na direção do pássaro abatido, porém, o urubu parecia remontar os pedaços do corpo,  voltou à vida e saiu voando.
    _ Nãããão!!!!!
    Outro tiro atingiu a pobre ave novamente. Novamente, as plumas negras caíram sobre sua cabeça. Nesse momento, os olhos de Irene presenciaram a origem do tiro. Um jovem militar, em seu fardamento de treino de campo, empunhava o fuzil. Irene olhou para o corpo do urubu, caído sob seus pés, depois, seus olhos encontraram os olhos azuis do jovem militar que abatera a pobre ave. Um sorriso abriu-se no rosto do jovem soldado. Um lampejo trouxe-lhe a lembrança de conhecer aquele olhar, de já ter visto aquele sorriso...
    _ Miguel! Sou eu, tua mãe... Tu veio me ajudar! Eu tô com fome! Me ajuda!
    As mãos magras e feridas de Irene estenderam- se na direção do rapaz. Porém, tão repentinamente como a imagem do jovem militar aparecera em seu campo de visão, seu sumiço foi de uma fração de segundo.
    _ Miguel! Miguel! Não me deixa aqui! Eu sou tua mãe!
    Irene despertou do pesadelo coberta de suor. Sentou-se na cama, olhando ao redor. Parecia que procurava na parede branca da maternidade o rosto daquele jovem militar.
    _ Elisa! Venha me ajudar a fazer a mala da biscate.
    A cozinheira estranhou:
    _ Ué, dona Lili... Ela vai viajar? Acabou de perder o nenê...
    _ Então... Eu ainda vou ser boazinha com ela, e vou levar as roupas dela pra ela. Depois do que ela fez com meu neto, acha que ela merece coisa melhor?
    Os olhos da cozinheira encheram-se de lágrimas.
    _ Não, senhora...
    Lili e Elisa foram até o quarto de Irene, pegaram uma mala e nela puseram todas as roupas da nora.
    _ Chame um carro de aluguel pra mim, Fernando! Vou voltar pro hospital, e tu vai comigo. Sei que a biscate vai ganhar alta hoje e alguém precisa pagar a conta do hospital.
    _ Pois não, senhora Lili.
    _ Vou levar uma quantia extra de dinheiro, pra dar pra biscate, pra ela se virar enquanto estiver de resguardo.
    O mordomo palpitou:
    _ Perdão me intrometer... Mas a senhora acha que ela merece esse dinheiro, depois do que fez?
    _ Eu não sou um monstro, Fernando... Vou fazer a minha parte!  Se ela aproveitar esse dinheiro de uma maneira digna, poderá viver até bem por um bom tempo. Não quero mais ver essa mulher na minha casa!
    _ E como a senhora vai levar essa mala até o hospital?
    _ Tu vai me ajudar, Fernando... Primeiro vamos até o outro lado de Caxias, bem longe daqui...
    O mordomo estranhou:
    _ Outro lado de Caxias? Pra quê, senhora?
    Lili explicou:
    _Não sou tão ruim quanto ela foi, matando meu neto... Mas vou alugar um quartinho de uma pensão que eu conheço, por dois meses, que será o tempo que ela precisará pro resguardo.
    _ E depois de dois meses?
    _ Vai ser por conta dela! Vai depender do modo que usar o dinheiro que vou lhe deixar! Se ela for digna de merecer se reerguer, ela o fará por si mesma. E se ela continuar assim como é, vai afundar na própria lama que produz!
    Fernando e Lili entraram no carro de aluguel e foram até o lado oposto da cidade de Caxias.
    _ Vamos deixar o carro de aluguel esperando. Primeiro vou deixar dois meses acertado com a dona da pensão, depois vamos ao hospital.
    O silêncio imperou no trajeto entre a pensão e o hospital. Lili  foi até o setor de tesouraria do hospital, a fim de pagar os dividendos durante a estadia de Irene.
    _ Agora vamos entregar o dinheiro e esses trapos pra ela e acabar com isso!
    Lili e o mordomo adentraram o quarto onde a nora baixara. Irene, sentada sobre a cama, gaguejou:
    _ D... Dona Lili... Meu nenê...
    Lili começou a falar com calma, porém, foi taxativa:
    _ Sim, senhora! Teu nenê morreu... Tu destruiu ele com esse maldito cigarro...   Eu pedi tanto, pra tu não fumar feito uma chaminé!
    _ Mas eu...
    Lili, com o dedo em riste, já não controlava nem as palavras, tampouco o tom de voz:
    _ Tu sim! Tu vai ficar sem teu nenê e não vai mais voltar pra minha casa! Agora foi a gota d'água!
    Irene arregalou os olhos diante da última determinação de Lili.
    _ Mas, se eu não voltar, o Valderez...
    _ Olha aqui... Em primeiro lugar, a casa é minha... Não do Valderez! Em segundo lugar, não posso conviver com alguém que matou meu neto! Em terceiro lugar, o Valderez tá na cadeia por tua causa!
    Fernando, que a tudo presenciava, apenas olhava para as duas mulheres. Irene estava desesperada.
    _ Dona  Lili... Eu lhe suplico...
    _ Aqui está... Esse dinheiro vai dar pra ti ficar bem longe de mim e do meu filho! Se souber usar, vai dar pra um bom tempo! Paguei um quarto de pensão por dois meses pra ti e vamos te deixar lá. Depois disso, vai ser por tua conta!
    Por todo o trajeto entre o hospital e a pensão, Irene ficou pensativa. Suas mãos trêmulas denunciavam seu nervosismo.
    _ Aqui tu pode ficar por dois meses, até se ajeitar na vida. Esse dinheiro que te deixei vai te ajudar enquanto estiver sem condições de trabalhar. Depois, será Deus e tu!
    Lili e Fernando voltaram ao interior do carro de aluguel.
    _ Ainda vamos passar no escritório do advogado do Valderez, pra ver se ele levou o dinheiro pro meu filho na cadeia.
    Ao chegar lá, o advogado, transtornado, acabara de chegar do presídio.
    _ Dona Lili... Dona Lili... Não tenho boas notícias...
    A tremedeira das mãos do bacharel em direito denunciavam que algo muito grave acontecera. Lili não esperou:
    _ Mas fala logo, Dr! O que aconteceu, de tão grave? Machucaram o meu filho de novo?
    O advogado parecia escolher as palavras que melhor explicariam a situação:
    _ Dona Lili... Aqueles colegas de cárcere do seu filho não perdoaram...
    Lili pôs a mão à boca e um grito escapou-lhe:
    _ Nããããão!!!! Meu filho não!!!

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora