Aquele exame de mamografia parecia queimar as mãos de Tina. A Dra Mirian não tinha dúvidas:
_ As alterações nas glândulas mamárias da senhora estão muito além do normal, pelo que mostra aqui.
_ Tem certeza, Dra?
_ Bom... Temos que considerar o teu estado de gestação também, pois nessa fase todas as alterações parecem muito mais evidentes.
_Mas... O que posso fazer agora?
_ Em primeiro lugar, vamos priorizar o que é mais importante. Vou pedir um exame mais detalhado, pra saber como podemos fazer um tratamento eficaz sem prejudicar o bebê. Enquanto isso, uma alimentação extremamente saudável vai te ajudar.
_ Dra. Eu tenho diabetes... Como vou fazer? Sempre fui muito de controlar o que eu como, mas nessa fase é difícil. Sei que na gravidez das manas eu quase morria de vontade de comer alguma besteira, e acabava"escorregando"...
_Vou pedir que consulte um nutricionista, que vai te orientar. E vou encaminhar você pra consultar com um oncologista , pra acompanhar essas alterações nas mamas mais de perto. Sei que durante a gestação não poderá fazer nenhum tratamento oncológico, mas é bom ter um especialista na área já a par da situação. Assim que nascer o bebê, logo você poderá dar início ao tratamento...
_ Mas, se não posso fazer nada agora, pra que consultar o oncologista agora?
_ Minha senhora... Estamos no Brasil. Uma consulta no oncologista, de emergência, não existe... Então, já vamos encaminhar seu caso agora, que assim que seu bebê nascer, deverá ser feito o tratamento, ou será tarde demais! Acredito que não será necessário fazer quimioterapia, mas não poderá deixar de fazer as sessões de radioterapia. Ela é menos... Digamos que ela tem menos efeitos colaterais.
_ Dra... Eu confesso que agora eu me assustei com a sua franqueza, mas preferi que tenha sido assim.
_ É necessário que sejamos sinceros com nossos pacientes, senhora. Juramos salvar vidas ao receber nosso diploma.
Pensativa, Tina voltou para casa, sentindo o chão faltar sob seus pés. Se contasse para as filhas sobre os resultados dos exames, sabia que elas também ficariam sem chão. Decidiu abrir seu coração apenas para Teresinha, que já sabia das alterações no autoexame.
_ Pela sua cara de preocupação, já sei o resultado da mamografia, Tina.
_ Infelizmente... Mas eu vou esperar o nenê nascer pra começar o tratamento. A Dra Mirian falou que vou fazer as radioterapias assim que o nenê nascer.
_ Em parte, fico feliz, porque Deus te fez descobrir essas alterações em tempo.
_ Imagino se eu não tivesse feito o autoexame. Graças a Deus, temos essa maneira de descobrir em tempo qualquer problema.
_ E pensar que tem muita mulher que nem sabe o que é um autoexame de mama...
_ Tão simples de fazer, e extremamente importante.
_ Como tu vai fazer com as encomendas, quando teu nenê nascer? Pelas minhas contas, os nossos nenês vão vir a nascer praticamente na mesma época...
_ Pois é... Eu tava planejando fazer um pé de meia antes, pra ver se dá pra gente viver sem as encomendas da padaria por um tempinho,mas acho que não vai dar... Ainda mais que vou ter que fazer as radioterapias logo depois. As colheitas da lavoura mal vão dar pra dar de comer pros bichinhos do sítio e pra nós...
_Confia em Deus, Tina... Vai dar tudo certo!
_ Num momento como esse, a única certeza que tenho, é que Deus vai tá comigo, Teresinha... O resto, não tenho certeza de mais nada...
Teresinha baixou a voz, em tom de segredo:
_ As crianças estão vindo da escola, Tina. Vai contar pra elas?
_ Não... Elas estão tão felizes com esse nenê... Prefiro "esquecer o resultado do exame", por enquanto.Alguns meses depois ...
_ Não te preocupa, Teresinha! Vou fazer a ecografia e já volto... Não precisa se preocupar, porque depois vamos terminar as bolachas juntas!
_ Que Deus te acompanhe!
Ao entrar no Centro de Diagnósticos, Tina sentiu um aperto no coração. Era como se algo fosse estar errado, mas não conseguia descobrir o que era.
_ O Claudio deveria estar comigo nesse momento tão importante... Ele ficaria tão feliz...
As paredes brancas da sala de espera pareciam vir para mais perto de Tina toda vez que olhava... Sentia-se sufocada, de alguma forma. Massageou a nuca com a mão, respirando fundo, tentando afastar aquele sentimento tão estranho.
_ Preciso me manter calma... Tudo vai dar certo...
Ao ser conduzida até a sala de exames, novamente aquela sensação de sufoco apertava-lhe e peito.
_ Está tudo bem, senhora?
_ Espero que sim, Dr... Sinto um sufoco estranho...
_ Respira fundo, mãezinha! Teu nenê precisa de oxigênio!
Ao ouvir as palavras do médico, Tina tentou acalmar-se, respirando fundo. Porém, a fisionomia do médico que estava fazendo a ecografia a fizeram notar que algo não estava certo.
_ Alguma coisa errada, Dr?
_ Espero que eu esteja enganado... Vou refazer a ecografia...
Repetidas vezes o médico fez o exame. A seriedade com o qual acompanhava o monitor juntava-se a um silêncio que deixou Tina com o coração mais apertado ainda.
_ O que tem, Dr? Seja sincero...
_ Infelizmente... Eu repeti várias vezes, porque achei que eu estivesse enganado... Não há mais batimentos cardíacos no seu bebê...
Um tremor de desespero tomou conta do corpo de Tina. Aquilo não poderia estar acontecendo com ela.
_ Não! Não! Meu nenê não tá morto... Senti ele mexer hoje de manhã...
_ Mas não tem batimento cardiaco nenhum... Isso só indica o óbito do bebê... A sensação de sentir o bebê mexer pode ser dos movimentos dos intestinos, em função do pouco espaço na sua região abdominal...
_ Deus não me deixaria sem a única coisa que ainda me resta do Claudio! Eu sei que Deus não levou meu nenê!
Tina sentia as lágrimas queimando seu rosto, enquanto o médico que fizera a ecografia orientava:
_ Pois procure o médico obstetra do hospital hoje mesmo e leve esta ecografia. Como seu bebê foi a óbito, ele vai marcar um procedimento cesáreo de emergência, pra amanhã, pra não dar sequelas pra senhora.
Tina saiu do Centro de Diagnósticos apertando o exame nas mãos. Parecia que tinha caído o mundo aos seus pés... Passou no hospital, marcando o procedimento cesáreo para o dia seguinte.
_ Meu Deus... Não vou conseguir contar a verdade pras meninas...
Quando Tina entrou na padaria, Teresinha estava segurando o ventre, curvando-se a cada contração.
_ Aaaaai... Acho que meu nenê resolveu chegar hoje! Vou ver se acho o Juvenal pra chamar o Arnaldo...
Apesar de seus passos ainda fraquejar, pelo desespero do momento, Tina resolveu não contar para Teresinha sobre o resultado da ecografia.
_ Eu vi ele entrar na casa de vocês agorinha. Acho que ele tava tirando pasto.
Ao entrar em casa, Teresinha mal conseguia caminhar.
_ Juvenal... Acho que chegou a hora... Acho que dessa vez não é alarme falso! O nenê vai nascer...
Juvenal, mesmo não sendo pai de primeira viagem, estava nervoso...
_ Vou chamar o Arnaldo, pra te levar pro hospital! Tenta tomar um banho e ficar tranquila!
No hospital Bom Pastor, a sala de espera foi palco de voltas e voltas dos passos de Juvenal. Arnaldo olhou para o amigo e tocou-lhe o ombro.
_ Calma, meu guri! Logo, logo, o nenê vai tá aí.
Como se fosse prenúncio, o médico obstetra do hospital entrou na sala:
_ Quem é marido de Teresinha Neves?
_ Eu, Dr... Tá tudo bem?
_ Parabéns, papai! É uma linda menina! Sua esposa logo irá pro quarto, onde poderá receber o senhor. O bebê ficará no berçário por um tempinho, até que sejam feitos os procedimentos de praxe.
Juvenal olhou para o médico por um momento, e depois que abraçou Arnaldo, olhando para o alto:
_ Deus seja louvado, Arnaldo!
_ Parabéns, Juvenal! O Francisco vai ficar muito feliz com a chegada da maninha!
_ Valéria... Eu e a Teresinha escolhemos esse nome pro caso de nascer menina!
Juvenal não cabia em si de felicidade. Sua expressão de alegria parecia iluminar a sala inteira.
O dia seguinte poderia ter iniciado de maneira mais tranquila, caso Tina não tivesse em mãos o resultado da ecografia que fizera no dia anterior. Com as mãos suadas, apertava o resultado, que parecia queimar entre seus dedos. A oração silenciosa rodava em seu pensamento:
_ Deus meu... Sei que estás sempre comigo. Parece que senti o nenê mexendo durante a noite, e acho que esse exame tá errado... Mas se tua vontade é outra, que se cumpra...
Estava tão absorta em sua oração que não notou a presença da enfermeira.
_ Senhora Tina... Vamos até a "sala de preparo".
Tina seguiu-a, sentindo o torpor tomar conta de seus pensamentos. De acordo com a ecografia, a única coisa que ainda lhe restava de Claudio, além das meninas, estava ali, inanimado.
_ Enfermeira... Eu ainda não acredito que meu nenê tá morto... Não consigo acreditar...
_ Eu sei como é, senhora. Mas pra manter a vida, só Deus. Nós fazemos o possível, mas é sempre Deus que escolhe o momento.
Tina foi conduzida ä sala de parto, onde o anestesista e o obstetra a aguardavam.
_ Tente ficar tranquila, senhora. Precisa relaxar pra que eu consiga fazer a anestesia.
_ Eu não consigo, Dr...
Duas lágrimas desceram pelo rosto de Tina, que olhou para o alto.
_ Que seja feita a vontade de Deus, Dr...
Após anestesiada, a equipe da obstetrícia deu início ao procedimento cesáreo. Em determinado momento, contrariando o resultado da ecografia, uma exclamação:
_ Aqui! O bebê está vivo! E é um menino!
Não se sabe dizer se a emoção do momento atingiu mais a equipe obstétrica ou a mãe do bebê. O choro do bebê quebrou o instante de silêncio que se formara.
_ Mãezinha! Teu filho tá vivo, com a graça de Deus... Ele tá vivo! E é um baita de um guri!
_ Parabéns, mãe... O paí dele tá na sala de espera?
A resposta em voz baixa de Tina deixou a equipe médica em silêncio:
_ Não, Dr... Ele faleceu a alguns meses...
A equipe médica ficou ali, olhando para aquela mulher, cuja fé em seu Deus parecia ser inabalável.
_ Sem dúvida... Deus pôs a mão nesse bebê...
_ Claudino... Um pedacinho do Claudio que ficou comigo... Deus te devolveu pra mim!
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INFÂNCIA ROUBADA
RandomHistória baseada em fatos reais. ALERTA DE GATILHOS: contém violência, abusos, suicídio e morte. Não indicado para menores de 18 (dezoito) anos e/ou pessoas sensíveis aos assuntos abordados. Miguel e Mary são duas crianças, irmãos... Após a tenta...