80 - O primeiro amor

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O sábado encontrou Miguel sentado à mesa do café, com a mão sob o queixo, o olhar perdido no nada.
_ Ô, pai... Posso fazer uma pergunta?
Arnaldo olhou para Miguel com o canto do olho.
_ Tô te estranhando, filho... Essa cara de sonhador é novidade pra mim... Mas pode perguntar.
_ É que... É um pouco pessoal... E o senhor deve tá com pressa...
_ É justamente porque é pessoal que deve perguntar. Pra ti, meu filho, sempre vou ter tempo!
Arnaldo pegou uma cadeira e sentou-se diante do filho, segurando-lhe as mãos.
_ Lembra que a gente sempre fazia isso quando tu era pequenininho, depois que saía da cadeira do castigo? Pode falar, filho... Teu pai sempre vai ter tempo pra te ouvir.
Miguel olhou para Arnaldo, encabulado.
_ É que... Eu tô...
O menino corou e baixou os olhos.
_ Calma, filho... Respira fundo e começa de novo... Tu tá o quê?
_ Não vai rir de mim, pai?
_ Bem capaz! E por que eu iria rir? Tu tá sério demais!
Miguel criou coragem e falou, parecendo esperar uma gozação da parte de Arnaldo.
_ Eu tô gostando de uma menina, pai...
Arnaldo olhou para o filho, surpreso.
_ Então era só isso que tava te incomodando? Nossa! Eu pensei que tu ia dizer que o mundo ia terminar amanhã!
_Mas parece que vai, pai... Eu tô com medo...
_ Isso é ótimo!
_ Como assim? O que é ótimo?
_ Tudo... O fato de tu gostar de uma menina, de respeitar ela.
_ Como sabe, pai?
_ Não esquece que eu já fui adolescente... Lembra daquela foto, na qual eu parecia um sabugo de milho com a palha? Eu já fui adolescente...
_ E gostava de alguma menina?
_ Muito...
_ Posso... Perguntar...
Arnaldo perdeu-se num olhar longínquo.
_ Eu gostava muito dela... Mas...
Miguel olhou para o pai, curioso.
_ Era a mamãe?
Arnaldo pareceu despertar de um sonho mau...
_ Não... Era outra menina...
_ Tá, pai... E por que não casou com aquela menina?
Arnaldo pousou a mão no ombro do filho.
_ Eu era muito tímido... Ela nem fazia ideia de que eu gostava dela.
Os olhos de Miguel brilharam de curiosidade.
_ Conta mais...
Arnaldo sentou-se novamente.
_ Infelizmente, eu nunca tive coragem de dizer pra ela que eu gostava dela...
Miguel pousou o dedo indicador sobre a própria bochecha, pensativo.
_ Mas... Se gostava dela, por que casou com a minha mãe?
_ Porque ela começou a namorar um amigo meu... E eu não quis estragar a felicidade dela.
_ Mas se o senhor gostava muito dela, por que não falou pra ela, antes que ela casasse?
Arnaldo olhou sério para o filho.
_ Porque ela tava muito feliz com o casamento dela... E eu jamais iria querer ver ela triste.
_ Mas... Se o senhor ficou triste quando ela casou... Deveria ter falado.
_Filho... Aprenda uma coisa: quando a gente ama de verdade, a gente quer ver a pessoa feliz, mesmo que não seja com a gente.
_ Mmmm... Tá bom... Mas se tivesse casado com ela, eu e a mana íamos ter uma família completa... O senhor, uma boa mãe... A mamãe nunca gostou de mim...
Duas grossas lágrimas desceram pelo rosto de Miguel. Arnaldo olhou para o filho, pousou a mão no ombro dele e mudou de assunto.
_Mas me diga uma coisa, filho... Eu conheço a menina sortuda que fisgou teu coração de adolescente?
Miguel enxugou os olhos com as costas da mão.
_ Claro, pai... Aquela menina nova que se mudou pra pertinho do cemitério... Ela é craque no vôlei... Joga como ninguém!
Arnaldo ergueu-se.
_Ahhh... Entendi... Então é por isso que tu tá falando que vai usar só roupa preta...
_ Ahh, pai... Mas usar roupa preta é muito legal!
_ E o que tu tá pensando em fazer?
_ Ahh, pai... Eu não vou ficar triste como o senhor... Eu vou falar com ela... Quem sabe, se ela também gosta de mim...
_ Mas... Como tu descobriu que gosta dela?
_ É que eu emprestei o meu casaco pra ela naquele dia que choveu...
Miguel olhou para o teto, com ar sonhador.
_ E quando ela devolveu, tinha o cheiro dela... Ela tem um cheirinho gostoso... E eu gostei...
_ Mmmm... Mas eu quero que tu me prometa uma coisa!
_ Prometer o quê?
Arnaldo olhou sério para o filho.
_ Quero que me prometa que nunca vai faltar com o respeito com uma menina. Nunca!
_ Calma, pai... Ela é bem mais forte que eu... Se eu faltar com o respeito com ela, eu apanho!
_ Se destratar qualquer menina que seja, vai apanhar é de mim! Filho meu vai ter que honrar as calças que veste!
Arnaldo olhou para o filho de um jeito que jamais tinha olhado.
_ Calma, pai! Eu gosto mesmo da Sueli! Pena que ela só me considera um bom amigo.
_ Pois foi exatamente isso que aconteceu comigo... Eu gostava muito dela... Só que, quando eu fui pra dizer pra ela que gostava dela, ela declarou que tava namorando um amigo meu...
_ Mas... Depois de tantos anos... Ainda não esqueceu ela? Então era amor mesmo...
Arnaldo sorriu carinhosamente.
_ Não posso esquecer... Tentei, casando com tua mãe... Mas não consegui...
Arnaldo sentou-se levemente desconfortável por abrir seu coração ao filho. Miguel, no alto dos seus quase treze anos, respondeu com maturidade:
_ Por isso que o senhor não foi feliz com a minha mãe! Papai do Céu tinha escolhido outra pessoa para o senhor! Tinha que ter seguido o caminho do coração!
_Um dia vai compreender, filho... Há encruzilhadas na vida em que as escolhas não são fáceis...
Arnaldo olhou para o céu.
_ Quem sabe, na minha próxima encruzilhada da vida, eu...
Parou de falar de repente, pois Miguel olhou para o pai e compreendeu:
_ Pai! A guria que o senhor sempre amou foi a tia Tina, não é?
Arnaldo sentiu-se como se o coração fosse saltar pela boca. Ao responder, sua voz parecia um fio:
_ Sim... Mas eu jurei pra Deus que eu nunca iria fazer ela sofrer. E ela amava muito o Claudio. Eles foram feitos um para o outro.
_ Mas pai... O Papai do Céu já levou o tio Claudio! E a tia Tina tá sozinha...
_ Eu quero respeitar o tempo dela, filho... Se o bondoso Deus tiver colocado a gente no mesmo caminho, um dia ficaremos juntos... Mas, a princípio, ela tá ouriçada com todos... Talvez seja por causa do tratamento que ela tá fazendo...
Arnaldo calou-se de repente. Notou que abriu seu coração para uma criança. Com a voz embargada, pediu ao filho:
_ Olha, filho... Eu gostaria que isso ficaria entre nós...
Miguel olhou o pai com cumplicidade.
_ Claro, pai! E eu peço a mesma coisa pro senhor... Não conta pra ninguém que eu gosto da Sueli... Como diz o senhor... Se o bondoso Deus colocou a Sueli pra ficar no meu caminho e quiser que a gente fique juntos quando formos grandes, eu vou ficar muito feliz!
Arnaldo olhou com seriedade para o filho.
_ Pois não, marujo! Mas se tu contar pra Tina ou pras manas o meu segredo, eu juro que vou ser o maior fofoqueiro da paróquia e vou jogar teu segredo no ventilador! Capixe?
Miguel bateu continência.
_ Sim, senhor capitão! Vai ser um segredo de Estado!
_ Olha... Parece um militar de verdade! Espero ter muito orgulho de ti um dia, meu guri!
_ E vai ter, paizão! Escreve aí que eu assino embaixo!
_ E nunca esqueça de agradecer a Deus por tu e tua irmã existirem na minha vida... Tudo tem seu propósito.

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora