Estrada sem pedras nem buracos, tampouco barrancos ou ribanceiras... Asfalto sem sinalização, sem acostamento, tampouco meio fio...
Juvenal sentia seu caminhão deslizar por entre aquele caminho tão diferente de tantos outros que já rodou. Notou seu caminhão ser o único veículo a percorrer aquele caminho tão diferente e sentia a velocidade aumentando, mas misteriosamente, não sentia seu pé acelerando.
Na beira do caminho, apenas brancas nuvens, parecendo amontoados de flocos de algodão... A frescura do ar trazia uma paz nunca antes sentida. Ao apertar os olhos para reconhecer o destino, apenas um facho de luz no reflexo do retrovisor, e apenas escuridão ficando para trás.
_ Onde estou?
Seu pé procurou o pedal do freio, porém não o encontrou. Sua mão procurou a caixa de câmbio, mas também não o sentiu ali.
_ Tô perdido! Meu Deus, me ajuda!!!
Imediatamente, o caminhão parou. Juvenal sentiu seus pés dormentes, talvez pelo susto do momento.
Em sua mente ele pareceu sonhar que descia do caminhão, mas não sentia seus pés tocando o chão. Foi andando lentamente na direção do facho de luz. Cobriu a fronte com uma das mãos, a luz forte embaçando sua visão.
_ Que lugar é esse? Por que tô aqui?
_ Você não pertence a esse lugar. Tua jornada ainda não terminou...
_ Mas é claro que não!Tenho uma carga de vinho para entregar!
_ Na tua jornada, tens apenas uma carga, e muito especial... O amor de Teresinha, de seu filho Francisco, e de um pequeno ser que acabou de vir aos braços do mundo. Volta ao caminho de onde viestes, e cumpra sua missão! Teresinha salvará você, Francisco e o pequeno Alessandro com uma promessa cumprida...
Juvenal tentou dar mais um passo na direção da luz, porém, sentiu que alguém segurava seus ombros, e algo travava seus pés. Ouviu seu nome ecoar em algum lugar perto de si:
_ Seu Juvenal! Seu Juvenal! Reage, homem!!
Arnaldo e Claudio levaram Juvenal às pressas ao hospital da cidade. Ele se esvaía em sangue, pois sofrera uma fratura exposta na perna esquerda e um traumatismo craniano. Era a corrida pela vida de um cidadão que lutava de maneira honesta para sustentar sua família.
_ Rápido! Ele está perdendo muito sangue!
Claudio parecia voar com a caminhonete na direção do hospital. Arnaldo ergueu os olhos e pediu:
_ Deus! Confiamos no Senhor!
Os médicos do hospital correram para estancar o sangue de Juvenal. A equipe da emergência estava inteira mobilizada para tentar salvar mais uma vida.
*
Teresinha observava o pequeno Alessandro como a um barquinho de papel diante de um temporal. Não sabia como aquele bebê tão indefeso cresceria num mundo onde a luta pela vida quase sempre está perdida.
_ Daqui a dois dias terá alta, senhora! Mas quero ser sincero... O bebê terá que ficar por tempo indeterminado... Ele chegou um mês antes do tempo programado e tem uma má formação congênita, chamada lábio leporino. Isso limita a respiração e a alimentação do bebê... E se a gente fizer uma intervenção cirúrgica o mais rápido possível, teremos grandes chances de salvar ele. É importante também que o pai da criança esteja a par da situação...
_ Meu marido é caminhoneiro, e está fazendo umas entregas na região metropolitana. Ele não pôde estar aqui, mas assim que ele fizer as entregas, vai voltar.
_ Peço que, dentro do possível, a senhora vá deixando o pai do menino informado da real situação. Já vou encaminhar a documentação para a primeira cirurgia que ele terá que passar.
Teresinha sentiu-se como dentro de um turbilhão... Era muitas coisas ao mesmo tempo. O bebê não estava em tempo de nascer ainda, o trabalho de merendeira na escola ficaria agora em segundo plano, e Francisco...
_ Vou receitar um leite especial para o bebê, para que o organismo dele não fique debilitado... O hospital não dispõe desse leite, então deverá comprar em alguma farmácia e trazer. A senhora tem alguém que possa fazer isso para a senhora?
_ Não, Dr.
_ Então alguém do hospital fará isso para a senhora no momento, e a senhora poderá ressarcir o hospital no momento da alta.
Teresinha observava com preocupação o trabalho de preparo do leite do pequeno Alessandro. Com o auxílio de um conta-gotas, Alessandro conseguia ser alimentado aos pouquinhos...
_ A princípio, apenas durante o dia será permitida a visita da senhora e do pai de bebê. À noite ele ficará aos cuidados dos profissionais do hospital.
Andando pelo corredor do hospital, Teresinha encontra uma pequena capelinha, onde a imagem de Cristo estampa a parede. Apenas uma cruz dourada, em um pequeno altar, fazia a decoração.
Seu coração disparou, e seus joelhos dobraram... Olhou o rosto de Cristo, com a fisionomia serena e a tranquilidade tomou conta do seu coração. Sentiu uma promessa no Cristo ali presente, o que fez fazer uma silenciosa promessa por Alessandro, Francisco e Juvenal:
_ Cada criança daquela escola há de ter o livro da vida... E cumprirei essa missão! E começarei por Mary!
No dia da alta hospital, Teresinha entrou na livraria próxima ao hospital:
_ Seu Severino! Ontem fiz um momento de graças à Cristo por minha família, e prometi dar um livro da vida pra cada criança da escola onde trabalho. E uma menina especial chamada Mary vai ganhar a primeira bíblia.*
Mary andava de um lado a outro, inquieta... Irene estaria fazendo a sua primeira cirurgia plástica.
_ Mamãe!!!*
Turbulentas vozes entrecortam e confundem luz com escuridão... Mãos inquietas, abertas, implorando um toque, puxam as vestes de Irene. Barulhos que pareciam cascos troteando sobre pedras cortaram o silêncio, e o tilintar de correntes e amarras torturavam os ouvidos de Irene. Um pedido de socorro diante de uma porta feita de nuvens brancas, fechada...
_ Quem chama?
_ Irene...
_ Acaso tens aí tua "caixinha de vida"?
_ Caixinha de quê?
_ Cada ser que nasce, recebe do nosso Pai Maior uma caixinha de vida, vazia. Cada ato realizado entra na caixinha de vida, e esse é o momento da devolução da tua caixa a Deus.
_ Nããããão!!!
Irene sentia a falta do ar para respirar, a falta do pulso fazendo seu desespero aumentar... Aumentar... E aumentar...
_ Não cumpristes a missão à qual fostes confiada. É muito triste, minha senhora, tivestes várias chances...
_ Não c c c consigo respirar... Que-ro ar...
O ar infelizmente evitava entrar nos pulmões de Irene, o pulsar do coração cessando...
_ Terás o ar... Também terás novamente o pulsar, porque deves procurar e trazer a caixinha de vida que te foi confiada... E o teu destino dependerá do conteúdo dela!*
_ Desfibrilador! Rápido! Parada cardíaca! Emergência no bloco B!
Uma corrente elétrica reverteu o estado de Irene. Ela sentia o ar entrar novamente em seus pulmões, o coração no peito voltando outra vez a pulsar.
_ Quase a perdemos!
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INFÂNCIA ROUBADA
RandomHistória baseada em fatos reais. ALERTA DE GATILHOS: contém violência, abusos, suicídio e morte. Não indicado para menores de 18 (dezoito) anos e/ou pessoas sensíveis aos assuntos abordados. Miguel e Mary são duas crianças, irmãos... Após a tenta...