INFÂNCIA ROUBADA

Um anjo de Paz

     Ainda com o caminhãozinho nas mãos, Francisco olhou para Claudino e Valéria com ar pensativo. De repente, estalou os dedos...
    _ Aaaaa, gurizada!!! Então vocês gostam de brincar com um belo caminhão, né?
    Claudino , cabisbaixo, já com lágrimas nos olhos, temendo uma repreensão maior, apenas murmurou:
    _ Ssss... Sim...
    Quase que propositalmente, Francisco ficou alguns minutos em silêncio, apoiando o queixo com a mão, olhando o teto... Após batucar os dedos no próprio maxilar por alguns momentos, ameaçou um tom grave na voz, que foi mudando à medida que olhava as fisionomias assustadas das crianças.
    _ Pois então... Se realmente esses dois destruidores de coleções alheias gostam de caminhões, quando eu tiver tempo, vou fazer um caminhão só pra vocês dois! E incrivelmente diferente de todos os outros caminhões que vocês já viram!
    As duas crianças ficaram estáticas, com os olhinhos ainda cheias de lágrimas... Francisco, sem se dar por vencido, foi emendando:
    _ Mas... Eu quero uma coisa em troca...
    Valéria , após engolir seco, sentiu um soluço subir à garganta.
    _ Pode... Pode falar, Chico...
    _ Pois nunca mais quero ver vocês dois brincando com qualquer dos caminhões da minha coleção sem minha autorização! Eles são meus tesouros!
    O ar decidido de Francisco surpreendeu as duas crianças, que entreolharam-se. Em seguida, estenderam as mãozinhas na direção de Francisco.
    _ Nós prometemos, Chico!
    _ Então, agora, que saibam onde podem e onde não podem colocar essas mãozinhas "demolidoras ", vamos fazer um pacto! Ao trabalho! Vamos aproveitar aquele toco da figueira lá dp pátio e construir um caminhão em cima dele. Vai ser hilário!
    Dois rostinhos inocentes, molhados por lágrimas, agora de alegria.... Valéria estendeu os braços na direção do irmão.
    _ Disculpa, Chico...  Tu é o melhor irmão do mundo! A gente promete que nunca vai mais pegar teus caminhões!
    Juvenal interrompeu a voz da filha, dirigindo-se a Francisco:
    _ Desculpa por interromper essa declaração de amor de irmãos! Mas eu já conversei com o Arnaldo. Vamos deixar a rádio fora do ar enquanto a Teresinha e a dona Tina estiverem no hospital, pra vocês darem conta de tudo aqui. Ele vai ficar com o serviço do gado e do pasto, e tu e a Lenir vão cuidar dessas duas ferinhas e das casas.
    Valéria, após um novo soluço, olhou para o pai interrogativamente, sem conseguir terminar a frase:
    _ Paiê... Onde...
    Juvenal interrompeu Valéria, pegando-a ao colo:
    _ Filha... A mamãe e a tia Tina estão muito doentes. A Lenice foi ficar com a tia Tina no hospital, e eu vou cuidar da mamãe. O Francisco ainda não tem dezoito anos...
    Claudino, em sua infantil inocência, não compreendeu:
    _ Mas, tio Juvenal... Não são os médicos que cuidam das pessoas com dodói, no hospital?
    Juvenal sorriu ao ouvir a pergunta inocente do menino.
    _ Mas é claro, meu guri! Nós só vamos ficar lá com as mamães pra elas se sentir seguras e não ter medo de injeção.
    As duas crianças suspiraram de alívio.

   
                      *

  
    Naquele ambiente de Luz e Paz, ao longe, uma silhueta conhecida apareceu ao olhar de Tina, abraçando uma criança.
    _ Teresinha!
    Tentou aproximar-se da amiga, porém, parecia que algo a segurava ao chão. Procurou o que prendia seus passos... Sentiu-se paralisada...
    _  Commmmo ? Onde estão meus pés? E minhas pernas? Como posso ver tudo à minha frente, e não vejo a mim mesma?
    Apertou os olhos para ver melhor, mas uma Luz muito forte à sua direção ofuscava-lhe a visão... Uma voz longínqua parecia ecoar profundamente:
    _ Ernestina... Aqui, teu corpo não existe... Apenas teu espírito... É só o que precisas...
    _ Senhor... Por que não consigo me aproximar da Teresinha? E qual é o motivo que ela abraça tanto aquela criança?
    _A Teresinha está em processo de purificação. E aquele menino fez parte da missão dela, em vida.
    _ Mas, ela parece tão branca... Ela nunca foi assim.
    _ Logo compreenderás tudo, Ernestina. Aqui tudo tem um motivo...
    Maravilhada diante daquela Luz tão intensa e Voz tão marcante, Tina, em um piscar de olhos, viu surgir junto à figura de Teresinha, um par de asas tão brancas quanto a sua pele, agora, alva como neve.
    _ Um anjo? Ela é um anjo?
    _ Sim... Ela teve várias missões em vida no mundo material. Primeiro, ela teve um menino especial, que inspirava muito cuidado e amor até crescer. Francisco , mesmo autista, hoje tem um caráter impecável... Depois, ela foi incumbida de levar a "Minha Palavra"aos "pequenos", e cumpriu com louvor. Ela deu de presente uma Bíblia a cada criança da escola onde trabalhava... Quase não cumpriu sua terceira missão, que era amar a todos igualmente, sem distinção de cor e raça...
    Tina apenas escutava, surpresa com as revelações daquela Voz:
    _ Teresinha não aceitar o filho dançar com brancos, fez colocar à prova sua missão, e quase não a cumpriu. Aquele aracnídeo que picou ela no pulso não foi castigo. Foi apenas um lembrete para tomar a decisão certa ...
   Tina sentia-se estupefata diante da imponência da Voz. Teresinha tinha- lhe comentado sobre a picada da aranha, e sobre sua cura quase imediata após "entregar sua vida a Deus".
    _ E... Aquele menino?
    Naquele momento, uma voz feminina, suave feito a brisa, à sua esquerda, fez-se ouvir:
    _ Alessandro foi apenas um anjinho que saiu da "Casa do Grande Pai", pra ajudar a Teresinha a tomar a decisão certa.
    Tina tentou olhar quem era a dona daquela voz tão doce, porém, a Luz que emanava não lhe permitiu. Porém, sentiu no coração que conhecia aquela voz:
    _ Ma... Maria? Meu coração conhece essa Voz... A mãe de Cristo... Não sou católica... Mas, como consigo reconhecer sua Voz ??
    A doçura da Voz de Maria intensificou-se ainda mais, ao responder:
    _ Filha ... Se Deus incumbiu-me de ser a mãe do Salvador, Ele me permitiu ser a mãe celestial de todo aquele que nEle crê.
    _ Mas ... Se a Teresinha agora é um anjo de Paz, como ela vai voltar ao mundo material?
    A resposta veio de outra Luz intensa, à direita de Tina:
    _ A missão dela no mundo material está cumprida! O espírito dela agora é puro. Ela não retornará! Ela já não está ligada ao mundo material. Nem lembra que ele existe.
    Tina sentiu um misto de tristeza por saber que Teresinha não voltaria para o mundo material, e um misto de alegria, por seu coração reconhecer a Voz à sua direita.
    _ Jesus!!! O Salvador! Meu coração se regozija diante do Pai, do Filho e de Maria, Mãe de Cristo...
    Tina, pasma diante da situação, lembrou de Valéria.  
    _ Mas, isso quer dizer que Teresinha "partiu do mundo material"? E Valéria???
    _ Ainda não... Deus decidirá o momento em que a purificação do seu novo Anjo de Paz se completará! E o Grande Deus proverá para que Valéria vá crescer em tamanho, espírito e caráter.
     Naquele momento, Tina sentiu-se flutuando através daquele plano de Luz e Paz. Sentiu-se cada vez mais distante de Teresinha. À distância, apenas pôde ver que a amiga permanecia abraçada à criança, enquanto sua aura ia se intensificando. No hospital Bom Pastor...
    _ Um novo infarto na paciente! Rápido! Encaminhar pra angioplastia e revascularização urgente!