Tina no hospital

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Em Florença, na Itália... Mary estava pensativa. Albertina, em tom carinhoso, procurou saber o motivo de tanta preocupação:
_ Calma, menina! Se continuar assim, preocupada, vai acabar tendo um colapso... Ainda bem que tu é jovem, que não corre esse risco...
_ Eu não consigo deixar de me preocupar, Albertina.
A velha senhora pousou suavemente a mão no braço de Mary.
_Filha... Pode se abrir comigo. Deus e eu estamos aqui pra te ouvir, e te ajudar...
Após olhar hesitante para Albertina, Mary começou:
_ Consegui marcar com um dos melhores neurologistas da Itália pra Dona Francesca. Ele virá à domicílio para avaliar o estado dela. Depois, qualquer procedimento ou tratamento que ela precise, vamos encaminhar ela para o hospital, e fazer! Ela merece se recuperar! Não é justo que ela tenha me salvado a vida e agora fique presa numa cadeira de rodas.
Mary estava determinada. Suas palavras fluíam na certeza e fé da cura da anfitriã. Com tom firme e decidido, continuou, olhando com carinho para Francesca:
_ Depois de se recuperar, Dona Francesca pode fazer o que quiser. Se ela quiser voltar para o Brasil, prometo que levo ela.
Os olhos de Francesca brilharam intensamente quando Mary falou no Brasil.
_ Viu, Albertina? Ela tá feliz por ter alguém que lute por ela. E eu vou lutar! Vou fazer a minha parte, custe o que custar! Dona Francesca vai ficar boa!

*

Em Igrejinha ...
_Vou até o centro, Teresinha. O Sr Gerson, do sindicato rural, me trouxe alguns sacos de milho segunda-feira e eu não paguei ainda. Tambèm tenho que fazer umas compras no supermercado, e trazer um remédio para o Claudino.
Teresinha ergueu os olhos.
_ Vai voltar com o ônibus das três horas?
_ Sim, Teresinha. As manas podem te ajudar a cuidar do Claudino e da Valéria. Aqueles dois estão numa fase que precisamos de um batalhão pra vigiar eles.
Teresinha sorriu:
_ Não é pra tanto, amada. São apenas crianças... Elas são "criativas", só isso...
_ E bota criatividade nisso! Depois que carnearam aquelas rãs, eu tô preparada pra qualquer travessura deles!
Teresinha ergueu as sobrancelhas.
_ Mas como a senhora vai descer, Dona Tina? O ônibus já desceu de manhã...
_ Vou descendo à pé. Se o bondoso Deus quiser, eu vou conseguir carona de alguma pessoa conhecida e de confiança, até a cidade. Assim chego mais cedo pra fazer tudo que preciso e fico pronta até o ônibus subir.
_ Mas almoça primeiro. Não é bom ficar sem comer. Pode passar mal no caminho.
Tina pôs a mão sobre a região do estômago.
_Estou com o estômago embrulhado, já faz dias. Deve ser algum problema na vesícula.
Teresinha olhou para a amiga com carinho.
_ Precisa procurar um médico. A senhora tem o Claudino pra criar. Não pode se descuidar.
_ Minha prioridade são meus filhos e o dinheiro que devo para o sindicato, Teresinha. Quando meus filhos não precisarem mais de mim, vou me tratar.
_ Aí, ai, ai,.. Deveria comer antes de descer.
_ Não consigo, Teresinha. Às três horas vou subir com o ônibus e almoço em casa.
Tina pegou a bolsa e saiu estrada afora, em direção ao centro de Igrejinha. Ela caminhava assoviando, para tentar esquecer a distância que a separava do centro. Um quilômetro de caminhada e um carro branco pára ao seu lado. A voz conhecida do padrinho de Lenir a fez parar:
_Aí, comadre! Tá indo pra cidade? Aceita carona?
Tina olhou maravilhada para o céu, e em silêncio:
_ Obrigada, meu Deus. Obrigada, meu Pai!
Em seguida, olhou para o homem que lhe falara.
_ Mas foi Deus quem lhe colocou no meu caminho hoje, compadre Jeferson! Claro que aceito a carona!
Tina acomodou-se ao lado do motorista.
_ E como vai o pequeno Antônio, compadre?
_ Tá crescendo muito rápido, comadre! O ruim é que a gente tem que tá sempre de olho, porque ele tá numa idade que põe tudo na boca. No outro dia, tava "comendo brita"!
Tina, com a mesma calma de sempre, comentou:
_ Isso toda criança pequena faz nos primeiros dois a três anos de idade. Daqui a pouco, ele entende que coisas de comer são diferentes de outros objetos.
_ Verdade... A Luiza parou de colocar objetos na boca com dois anos. A senhora vai até onde?
_ Primeiro vou até o sindicato rural. Tenho uma dívida de milho pra pagar lá. Depois, vou à farmácia e ao supermercado e volto no ônibus das três da tarde.
Jeferson parou o carro na esquina próxima ao sindicato rural. Tina abriu a porta do carro e saltou.
_Obrigada, compadre! Que Deus te abençoe em dobro!
_ Deus já me abençoou, com a cura da minha esposa, que descobriu um câncer... E com a saúde dos meus filhos. Até mais, comadre!
Um breve aceno ao compadre, e Tina caminhou os cinco metros que a separavam do sindicato rural . Adentrou no estabelecimento, com a mesma cordialidade de sempre:
_ Boa tarde, Sr Gerson! Oi, minha linda Lizi! Vim aqui deixar um pouquinho do meu rico dinheirinho..
Lizandra sorriu:
_ Sempre de bom humor, Dona Tina! Eu gostaria de ser otimista como tu!
Tina sorriu:
_ Vim pagar o milho que trouxeram no outro dia. E também colocar as minhas mensalidades de associado em dia.
Gerson prontificou-se:
_ Claro, Dona Tina. Precisa de alguma coisa hoje?
Tina olhou pensativa...
_ Mmmm... Quero um par de luvas, pra trabalhar na roça... uma lima de motosserra, fina... E... Um pneu para carrinho de mão.
Gerson providenciou os produtos pedidos pela associada.
_Vou ver a conta e somar as mensalidades atrasadas.
Tina olhou para Lizandra , preocupada.
_ E tu, minha flor... Já foi chamada pra fazer a cirurgia do quadril que encaminhou no ano passado?
Lizandra olhou tristemente.
_ Ainda não. Eu tô na fila da espera ainda... Acho que eles vão esperar eu morrer pra me chamar pra colocar o enxerto no quadril. Aí sim...
Tina sorriu.
_ Lizi, Lizi... Se eu fosse um anjo, eu pediria pra Deus tocar o coração dos responsáveis pela tua cirurgia, e pedir pra fazer o mais rápido possível!
Lizandra esboçou um sorriso largo, esperançoso.
_ Tu não existe, Tina! O carinho com o qual tu trata todo mundo é único.
Tina sorriu novamente.
_ Claro ... Eu não existo... Sou um ser abstrato... Deixa eu pensar... Uma fada... Um duende... E porque eu não trataria a todos com carinho? Se Deus ordenou que amássemos o nosso próximo como a nós mesmos?
A brincadeira de Tina foi interrompida pela voz de Gerson:
_Aqui, Dona Tina... Os milhos deram cento e cinquenta reais e as mensalidades atrasadas sessenta e cinco reais e cinquenta centavos. As compras de hoje deram cinquenta e cinco reais e cinquenta e cinco centavos.Ao todo, deu duzentos e setenta e um reais e cinco centavos.
Tina abriu a bolsa e tirou duas notas de cem, uma de cinquenta e uma de vinte reais. Gerson sorriu:
_ Tá bom assim, Dona Tina. Não precisa pagar o trocadinho.
Tina sorriu, procurando o porta-niquel:
_ Não, Sr Gerson! Quero pagar o que devo, igual a qualquer associado... Vai, que eu morra amanhã... Aí eu vou ficar em dívida com o sindicato! Aí não seria justo com os outros associados!
Tina inclinou-se, para pegar a niqueleira, no interior da bolsa. Uma tontura a fez segurar-se no balcão do sindicato. Gerson preocupou-se:
_ Está tudo bem, Dona Tina?
Para Tina, a voz do atendente do sindicato parecia vir de muito longe, lenta e longínqua demais para conseguir responder... Tentou erguer-se, porém uma segunda tontura e a sensação de embrulho no estômago a fez segurar-se mais uma vez. Olhou para o balcão e caiu desmaiada, batendo violentamente a cabeça na quina de uma estante expositora. Os atendentes do sindicato rural ficaram chocados diante da situação.
_ Lizi... Ela desmaiou... Rápido...
Com as mãos trêmulas, Lizandra segurava o telefone:
_ Os bombeiros... Vou chamar os bombeiros... Ela bateu a cabeça... Pega água... Vamos molhar o rosto dela...
Alguns minutos... A ambulância e os bombeiros já estavam nas dependências do sindicato rural, prestando os primeiros socorros.
_ O que aconteceu com ela?
_ Não sei. Desmaiou e bateu a cabeça.
Os socorristas não perderam tempo. Após ajeitar Tina na maca...
_ Pode ter tido traumatismo craniano. Ela vai ser levada ao hospital, onde vão fazer tomografia e outros exames pra saber o que houve. Tem como avisar algum familiar pra acompanhar ela?
Lizandra olhou para os bombeiros voluntários.
_ A Dona Tina é nossa associada e minha amiga. Conheço toda a família e a história dela... Vou avisar as filhas dela, mas por enquanto, eu mesma vou acompanhar ela até o hospital, até que uma das filhas possa vir e ficar com ela. Não quero que ela deixe de receber atendimento por não ter quem a acompanhe.
O resgate imediato foi efetivado. Lizandra conseguiu avisar Lenice e Lenir.
_ Uma de vocês poderia acompanhar a mãe aqui no hospital? Ela precisa de algum familiar pra encaminhar os procedimentos aqui no hospital, e, se preciso for, em outro hospital.
Lenice atendeu:
_Sim eu vou. Só não sei como vou até aí agora.
Lizandra olhou para Tina com carinho, e respondeu:
_ Eu vou deixar tua mãe aos cuidados dos profissionais daqui do hospital e vou aí te buscar! Tenho aqui a bolsa dela com os documentos e vou te entregar tudo certo pra que você consiga fazer todos os encaminhamentos necessários. Fica pronta que já venho te pegar aí!
Lizandra desligou o telefone e informou:
_ Vou até a casa dela buscar a filha dela pra acompanhar ela aos próximos atendimentos.
Em seguida, Lizandra saiu em direção à residência de Tina, com o objetivo de buscar Lenice.
_ Tua mãe precisa muito de vocês agora, Lenice. Aqui está a bolsa dela, exatamente como ela estava. Só peguei o documento dela pra encaminhar o primeiro socorro da ambulância. Os bombeiros precisam identificação do socorrido pra que ele entre no hospital já com a ficha pronta.
Lenice olhou com os olhos marejados, e gaguejou:
_ Mas... Mas eu... Eu nunca precisei acompanhar minha mãe no médico... Ela nunca ficou doente...
A mão carinhosa e a resposta de Lizandra a fizeram estremecer:
_ Amada... Ela é um ser humano como qualquer outro. Não é imortal... Tudo que Deus permite a vida, Deus poderá permitir a morte...

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora