Carta para papai

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    O professor Ernani, de Português, anunciou:
    _Hoje vamos aprimorar nossas habilidades de língua portuguesa nas comunicações. Como estamos nas vésperas do dia dos pais, acredito que muitos de vocês estão com muita vontade de retribuir ao seu pai o carinho que ele dispensa à toda família...
    O docente virou-se para a lousa, registrando a tarefa por escrito:
   " Carta para papai"
    _ A tarefa deverá ter um mínimo de quinze linhas. Cada aluno deverá desenvolver o assunto a ser comunicado, com coerência de assunto e ortografia. Bem como as regras de ortografia e pontuação corretas. Façam primeiramente em um rascunho. Depois, releiam o que registraram, descartem os erros e palavras desnecessárias, e em seguida, passem a limpo na folha a ser entregue.
    Após um certo tempo, algumas crianças foram entregando a tarefa cumprida. Lenir, com uma fisionomia triste, ainda escrevendo, de vez em quando parecia procurar as palavras certas no teto da sala de aula.
   _Algum problema, Lenir?
   _ Não, professor...  Desculpa...
    O professor voltou-se para a classe, ironizando:
    _ Não precisam procurar as palavras nas paredes ou no teto! Elas devem fluir de dentro de cada um de vocês.
    _ Lenir olhou para o docente e falou tristemente:
   _Eu tava... Meu coração tava conversando com meu pai...
    O professor Ernani não compreendeu o verdadeiro sentido das palavras da aluna.
    _ Quem deve escolher as palavras pra fazer sua tarefa é você, não seu pai!
    Após o término do tempo estipulado para a realização da tarefa, Lenir entregou-lhe a carta, com lágrimas nos olhos e a voz embargada.
    _ Aqui, professor... Desculpa a demora.
    Ao pegar a carta de Lenir, o professor Ernani mais uma vez usou de ironia:
    _ Conseguiu terminar, menina? Vi que tava só olhando para as paredes e o teto... Imagino que tenhas redigido um texto maravilhoso, com palavras vazias e sem sentido...
    O docente correu os olhos pela carta da aluna e sentiu um tremor nas mãos.
   
   " Igrejinha, 07 de agosto de 1999.
   
     Querido paizinho!!!
     Já se foi um ano da tua passagem pra uma vida que eu acredito que seja sem dor e de reencontros, de uma felicidade plena. Mas aqui a saudade de ti faz o coração doer. Sinto que ficaram tantas conversas atrasadas entre nós, tantos assuntos  pendentes, tantas brincadeiras por fazer...
    Pai... Aqui aconteceu tanta coisa depois que o senhor partiu,  que eu gostaria de te contar... O Claudino tá crescendo forte e sapeca... Parece até um foguetinho! Se parece tanto com o senhor... Deveria ver como ele nos faz felizes... Eu gostaria tanto de dividir contigo as nossas vitórias e alegrias... Também gostaria de pedir tua opinião sobre o que podemos fazer em uma hora difícil, como quando tentamos fazer bolachas e queimamos a padaria... Mas sei que isso não é possível, pois ali onde o senhor está agora, o senhor deve tá esperando a gente chegar... Sei que o tempo aí é outro, papai... Mas sei também que eu ainda tenho uma missão a cumprir aqui antes de encontrar o senhor aí...
    Pai... Às vezes eu, a mana, o mano, a mamãe e o senhor nos encontramos nos meus sonhos. Lá somos tão felizes... Sim...  Felizes como já fomos um dia...  Eu sinto tanta falta  daqueles dias que o senhor era nosso melhor amigo, que nos ajudava no dever de casa...  Dos teus causos que faziam a gente rir no sábado de contação de histórias, das tuas gargalhadas... Sinto falta até das suas broncas comigo e com a mana.
    Pai... Hoje eu sinto como fomos felizes com você, meu paizinho!!! Hoje tenho só que agradecer a Deus por tudo que vivemos com o senhor...Te amo pra sempre...
    Até logo, paizinho... Quem sabe, sonharei essa noite com o senhor de novo...
    Da tua sempre 'bizunga', Lenir."

    O professor concluiu a leitura silenciosa da carta de Lenir com lágrimas nos olhos.
   _ Eu... Tenho que lhe pedir desculpas, Lenir! Eu posso pedir que leia sua carta para os colegas de turma?
    A menina ergueu os olhos banhados em lágrimas.
    _ Claro, professor...
    Após a leitura da carta de Lenir, os colegas entreolharam-se, tristemente. A expressão no olhar de todos denunciava que Claudio era querido por todos. O professor voltou para a sua mesa e concluiu:
    _ Após essa leitura da carta da colega de vocês, só posso  dizer que eu nunca dei nota máxima em redação a nenhum dos meus alunos, em toda a minha carreira de professor...
    Lenir, trêmula, apenas balbuciou:
    _ Tudo bem, professor... Eu só escrevi o que eu senti...
    _ E era esse o objetivo, Lenir! E você conseguiu atingir o máximo o objetivo proposto! E por isso mesmo te darei um dez... Nota máxima!

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora