Mary de frente com a verdade

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    _ Juvenal! Domingo faremos a festinha de aniversário do Miguel! Combinamos de buscar hoje a Teresinha e os teus piás. Quer ir comigo? O Arnaldo e o Miguel vão ficar aqui, já organizando as coisas no CTG. Assim, domingo não vai dar muito trabalho.
    _ Vão fazer no CTG? Que maravilha!
    _ Sim. Como o Miguel e a Lenice já estão ensaiando lá com o grupo de dança, vamos fazer lá. A Lenir ainda tá no resguardo médico pra dança, por causa da queda do cavalo.
    _ É, meu amigo... Eu sei o que são ordens médicas!
    _Até porque o Arnaldo e o Miguel são sozinhos... No CTG já sempre juntamos todos os amigos, como uma família! Vai junto?
    _ E precisa perguntar? Quanto mais tempo eu passo ao lado da minha prenda e dos meus piás, mais eu amo eles! O Francisco vai amar vir pra cá, ter esse contato com a natureza... Sabia que nunca levamos ele pra visitar um sítio?
    Claudio encarou Juvenal com uma certa incredulidade.
    _ É sério isso? Então, o Francisco nunca teve esse contato maravilhoso com a natureza? Aaaa, mas então, ele vai amar isso aqui! E Dona Teresinha também...
    Juvenal baixou o olhar, tristemente:
    _ Acho que ela não vai gostar tanto, não. No outro dia...
    O amigo não deixou Juvenal terminar:
    _ Eeepa, meu amigo! Vamos primeiro trazer tua prenda pra conhecer esses lados e essas belezas todas! Aí conversamos!
    _ Olha, meu irmão... Te juro que, se eu tivesse uma chance de poder me virar sem a prótese da perna que perdi no acidente, eu iria jogar essas terapias pro alto e voltar pra Caxias... Mas Deus sabe o que faz...
   B_ Venha! Vou te ajudar a subir na caminhonete! Caxias não é longe e logo já voltaremos, trazendo tua prenda e teus piás...
    O assunto "família" predominou durante o percurso até Caxias. Ao chegar, Juvenal estranhou:
    _ Estranho... As janelas estão fechadas... Normalmente Teresinha não fecha a casa tão cedo...
    _ Pode ser que ela saiu com os meninos depois de voltar da escola.
    _ Teresinha não sairia no fim da tarde com o nenê, porque o Alessandro tava doente semana passada. A não ser...
    Àquelas alturas, Juvenal já se encontrava tremendo de preocupação. Claudio tentou amenizar:
    _ Calma, homem! Eu já desconfio que eles estão lá dentro, com o friozinho que esse outono tá fazendo! Vamos?
    Claudio ajudou Juvenal a saltar da caminhonete.
    _ Não vejo a hora daquela prótese definitiva ficar pronta! Assim eu não dependeria tanto dos outros e poderia cuidar da minha família!
   B_ Se dona Teresinha concordasse em vir, tudo se encaixaria... Mas daremos o tempo que ela precisa pra decidir. Meu objetivo é unir a família, e não separar, meu amigo!
    Juvenal bate à porta, e Teresinha abre-a, segurando Alessandro ao colo.
    _ Esqueci que viria hoje, Juvenal... Tive uma semana horrível!
    Juvenal pousou o olhar sobre o pulso enfaixado de Teresinha:
    _ Santo Deus! O que foi isso?
    _ Infelizmente, a picada da aranha...
    _ Aranha???
    _ Sim. No começo não deu nada... Nem bolha... Depois, piorou da noite pro dia, deu uma bolha enorme, que eu abri... E onde escorreu cada filete da secreção, deu ferida... Não imagina a dor que estou passando!
    Juvenal desabou diante da explicação da esposa:
    _E eu nem pude ajudar... E como eu poderia ser útil, com um olho só e uma perna só? Só daria mais trabalho ainda pra ti...
O pobre homem, diante da situação, sentiu um vácuo no pensamento...
    _ E os meninos? Como tu tá conseguindo cuidar deles, com o braço assim?
    _ Tive que parar de amamentar o Alessandro, por causa da toxina da aranha. Minha mãe me ajuda com ele durante o dia. O francisco...
    Juvenal olhou com o rabo do olho para o filho:
    _ O que o Francisco aprontou?
    _ Ele ficou muito triste porque uma coleguinha dele... A única que conversava com ele... Ela desapareceu...
    _ E???
    _ Falou que iria procurar ela, e sumiu...
    Diante das expressões de espanto dos dois homens, Teresinha narrou o episódio do registro de água da escola. Claudio interveio:
    _ Bom... O que fazer? De que modo poderíamos ajudar o Francisco? E ajudar você e o Alessandro?
    _ Eu já não sei mais nada, seu Claudio! Só sei que o nenê não pode mais mamar no peito, tem cirurgia marcada e vai fazer!
    _E como vai fazer?
   _ Seu Claudio... Outra coisa que me preocupa é esse braço, que tá praticamente apodrecendo vivo...  Não me permite trabalhar, nem sair... Tenho receio de que, de um minuto pro outro, a veia do pulso vá romper. Tá tudo necrosado e latejando cada vez mais...
    Juvenal olhou tristemente para Teresinha:
    _ Mas o Francisco iria gostar tanto de ir ao aniversário do Miguel... A não ser que...
    Claudio parecia ter lido o pensamento de Juvenal:
    _ Isso! Vc fica aqui até domingo de tardinha e o Francisco vem comigo! Assim dona Teresinha terá tua ajuda e Francisco terá nossa ajuda! E, de quebra, tu mata a saudade dela e o Francisco vai no aniversário do Miguel!
    Teresina ainda tentou argumentar:
    _ Mas o Francisco...
    _ A senhora pode ter certeza que o Francisco será bem cuidado, como cuido das minhas filhas!
    _ Então...
    Teresinha olhou interrogativa para Francisco:
    _ Podemos confiar que vc vai se comportar?
    Os olhos negros do menino brilharam repentinamente:
    _ Pode sim, mãe... Eu lhe prometo!
    Ao ouvir o filho falar em promessa, Teresinha baixou os olhos tristemente, pois vieram-lhe à cabeça as palavras do diretor Julio.
    _ Promessas são sagradas, meu filho... Venha... Vamos arrumar umas roupas pra você levar.
    Teresinha retirou-se da presença dos dois homens, para que não notassem suas lágrimas de arrependimento. Aquela fora a primeira promessa que quebrara... E a ira de Deus fora muito dolorosa... A ferida do braço, todo inchado pela infecção, tomava proporções preocupantes.
    _ Filho... Quero te pedir uma coisa: cumpra sempre o que você promete... Eu sinto que lá tu vai se sentir bem e vai tá protegido, ou eu não o deixaria ir!
    _ Posso levar meu caminhãozinho?
    _ Claro que pode!
    Os olhos negros de Francisco brilhavam feito duas jaboticabas maduras, ao vislumbrar a paisagem dos campos próximos à casa de Cláudio.
    _Lenice e Lenir vão ficar faceiras de ver que tu veio junto.
    Ao passar por um potreiro onde diversos potros e cavalos pastavam, Francisco ficou eufórico. Claudio notou o olhar do menino:
    _ Gosta de cavalos?
    Francisco acenou afirmativamente, pois estava tão maravilhado pela paisagem que não tinha tempo para conversar.
   _ Então vai gostar lá de casa! Temos o Canela e a Faísca. Ela tá prenha pra esses dias...
    _ Prenha? O que é isso, tio?
    _ A Faísca vai ganhar um filhotinho... Um potrinho...
    Os olhos de Francisco brilharam ainda mais:
    _ Um cavalinho???
    _ Sim.
    _ Eu gosto de cavalos! Eles parecem com caminhões!
    Claudio olhou de relance para Francisco...
    _ Como? Cavalo parece caminhão? Como assim? Me explica, guri!
    Claudio não conseguia compreender a relação de comparação de Francisco. O maninho começou a explicação lentamente:
    _ Assim, tio: cavalo vai de um lugar pra outro, né?
    _ Sim... E???
    _Caminhão também... Cavalo carrega coisas... Caminhão também...
    Claudio ergueu a sombrancelha:
    _ Taí uma relação que eu não tinha pensado... Parabéns, guri!
    Francisco ainda emendou:
    _Cavalos são muito bonitos... E caminhões, também!
    _Já estamos chegando...
    Francisco mal teve tempo de abrir a porta da caminhonete, e as meninas já chegaram correndo, atropelando as palavras:
    _ Paiê! Paiê! A Faísca tá ganhando potrinho!
    _ Não diga! Hoje?
    _ Agora! A mãe tá lá na baia dela... Ela tá preocupada!
    Francisco mal tinha tempo de sentir o pensamento processar a informação, de que estava prestes a ver o nascimento de um potrinho.
    _ Ela... Vai ter um cavalinho??
    _ Vai... Tá nascendo, já!
    Claudio dirigiu-se até a baia de Faísca, onde Tina observava o nascimento do pequeno animal.
    _ É um potrinho! Podem escolher um nome pra ele!
    Os olhos das três crianças faiscavam diante da cena.
    _ Ele não consegue ficar em pé... Parece uma geleia...
    _ Claro... Ele acabou de nascer!
     Francisco colocou a mão no queixo:
    _Se ele parece geleia... Que tal o nome de Geleia?
    Claudio olhou para o bichinho recém nascido, que tentava sem sucesso ficar em pé:
    _ Nome escolhido! Caiu como uma luva! Parabéns, Francisco! Agora tu é padrinho do Geleia!

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora