A morte de Alessandro

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    Teresinha andava de um lado a outro da sala de espera do hospital onde Alessandro estava sendo operado. Suas trêmulas mãos denunciavam o seu nervosismo. Ao encontrar uma enfermeira, desabafou:
    _ Das outras vezes que eles operaram ele, não demorou tanto...  Dessa vez, parece que eles tão levando o dobro do tempo pra operar...
    A enfermeira, em sua voz calma, tentou explicar:
    _ Essas cirurgias são todas delicadas... E depende muito da reação do paciente na sala de recuperação. O paciente só é liberado ao leito do quarto quando está realmente fora de perigo.
    As palavras da enfermeira caíram feito pedras no coração de Teresinha. Em sua cabeça passou, como um lampejo, o sonho que tivera ao cochilar... O arrepio que percorreu todo seu corpo não passou desapercebido pela enfermeira.
    _ A senhora está se sentindo bem?
    Teresinha limitou-se a balbuciar:
    _ Não... Sinto que alguma coisa tá errada com meu nenê... Ele tá sendo operado... E...
    Teresinha não terminou a frase e caiu no choro. A enfermeira notou o curativo no braço da mulher:
    _Machucou-se, senhora? Quer que chame um médico?
    Teresinha não respondeu e limitou-se a perguntar sobre Alessandro:
    _Meu filho tá sendo operado... Faz horas que eu tô esperando eles me chamarem, e, até agora, nada...
    A enfermeira, com a calma que a profissão lhe axige, tenta acalmar Teresinha:
    _ Calma, mãezinha... Vou lá no bloco cirúrgico e trago notícias do teu nenê... Respira e te acalma... Certamente está tudo bem.
    A profissional da saúde adentrou no bloco cirúrgico. Teresinha ficou ali, andando de um lado a outro, impaciente... Cada minuto parecia uma eternidade... O braço enfaixado latejava feito tambor, e parecia que cada fibra do pulso estava por explodir... Uma voz estranha chamava seu nome:
    _ Dona Terezinha Neves...
    Teresinha olhou imediatamente na direção de onde vinha a voz. Sua voz saiu por um fio:
    _ Sou eu...
    _ Sou o Dr Carlos. Estive na equipe que operou seu filho...
    Teresinha estava como em um turbilhão... Mal sentiu a própria respiração...
    _ Como... Como ele tá?
    A fisionomia do médico já mostrava que algo estava errado.
    _ Infelizmente, seu filho teve uma reação negativa à anestesia... Parece até que teve alguma infecção recente, mas as informações que obtivemos por parte da senhora sobre a saúde do menino na hora da baixa hospitalar, juntamente com os exames pré-operatórios, dizem o contrário... Não entendemos o motivo da reação no momento da anestesia...
    _ Reação negativa? O que aconteceu com o meu nenê?
    Àquelas alturas, Teresinha já estava aos prantos. O médico colocou a mão em seu ombro:
    _ Dona Terezinha... Perdemos seu filho... Ele faleceu devido a essa grave reação à anestesia da qual lhe falei. Ela normalmente ocorre quando o organismo do paciente ainda tem vestígios de infecção recente. A senhora informou a equipe médica sobre a saúde do menino nas duas últimas semanas? Ele teve febre nesse período?
    Teresinha, ao ouvir as palavras do médico, sentiu o chão faltar aos pés... O torpor tomou conta do seu corpo...  Parecia que a vida dela se esvaíra de seu corpo...
    _ Dona Terezinha! Acorde...
    Teresinha não sabe quanto tempo estovera desmaiada. Entreabriu os olhos e vislumbrou o rosto de uma enfermeira.
    _ Onde eu tô? Onde tá meu nenê?
    _ Calma, senhora... Logo, o doutor virá! Ele vai lhe informar sobre o que verdadeiramente aconteceu ao menino.
    Teresinha tenta sentar-se, porém as forças lhe faltam. Tentou manter a calma, mas estava difícil.
    _ Enfermeira... Eu não sei se sonhei... Ou se foi real... Ouvi uma voz dizendo que meu nenê faleceu...
    Com os olhos marejados, a pobre mãe pressentia que não fora sonho... Segurou com força o braço da profissional da saúde.
    _ Fala a verdade pra mim, enfermeira... Por favor! O que aconteceu com o meu gurizinho? Eu sinto que alguma coisa tá errada!
    Naquele justo momento, a fisionomia do médico que entrara no recinto já declarava o que acontecera.
    _ Doutor... Diga que não é verdade... Diga que o Alessandro tá bem...
    O médico baixou os olhos, tristemente. Parecia procurar as palavras certas para dar a má notícia...
    _ Infelizmente... Dona Terezinha... O Alessandro já não está entre nós... Fizemos tudo o que foi possível...A equipe médica da emergência tentou ajudar também, mas sem sucesso... Seu menino faleceu devido a uma grave reação à anestesia.
    Teresinha sentiu como se o sangue se esvaisse de suas veias. Um vazio no pensamento apoderou-se dela... Procurou, sem sucesso, encontrar algo para justificar o triste desfecho de um simples procedimento médico.
    _ Foi culpa minha...
    Aos prantos, a mãe buscava e rebuscava motivos para que Deus tivesse levado seu nenê.
    _Se eu tivesse cumprido minha promessa, eu não teria levado a picada daquela aranha horrorosa... Aí eu ainda poderia ter como amamentar meu nenê... E ele não teria ficado doente...
    A enfermeira, pasma diante das palavras de Teresinha, ficou em silêncio.
    _Foi culpa minha... Ele tava com febre sábado... E eu não contei ao médico... Eu não pensei que isso fosse importante...
    O choro copioso de Teresinha não permitiu que ela concluísse a frase. O médico, diante das palavras que a mãe proferira, no momento, deixou-se levar pela emoção:
    _ Foi uma fatalidade, Dona Terezinha... Estava nos planos de Deus, tudo acontecer dessa maneira.
    Teresinha ergueu o rosto, banhado em lágrimas:
    _ Não, doutor... Não foi Deus... Fui eu que errei... Eu poderia ter cumprido o que prometi. Jamais tinha deixado de cumprir o que prometi...
    Sem compreender o que Teresinha queria dizer, o médico e a enfermeira entreolharam-se. A pobre mãe continuou seu desabafo:
    _Errei desde o começo... Quando Juvenal estava entre a vida e a morte, deixei minha profissão em primeiro lugar, e não honrei a promessa que fiz a Deus no altar; que na saúde e na doença, estaria com ele... Depois, quando prometi que sairia de Caxias pra facilitar a recuperação de Juvenal , voltei atrás...
    Teresinha, entre um soluço e outro, segurava com força a mão do médico e da enfermeira. Eles estavam atônitos diante das revelações.
    _Prometi também que deixaria o Francisco, meu guri... Que sofre de autismo... Dançar no CTG... E depois, voltei atrás...
    _ Mas, por que voltou atrás?
    _ Porque... É uma dança de brancos... E os brancos, no passado, escravizaram nosso povo...
    _ Mas senhora... Isso foi no passado.. A muitos séculos...
    _ Eu sei... Agora sei que errei...
     Teresinha sentiu as lágrimas queimarem o rosto. O médico, ao ver o braço dela, com curativo, ficou curioso:
    _ O que foi isso, senhora? Parece que está saindo uma secreção forte dessa lesão.
    _ Foi uma aranha que me picou, no dia que quebrei a promessa de deixar o Francisco dançar...
    _ Venha comigo, senhora... Vamos dar uma olhada nesse braço.
    O Dr fez sinal para que a enfermeira os acompanhasse. Abriram o curativo e ficaram pasmos diante da proporção de gravidade que a lesão tomara.
    _ Dói muito, Dr...
    _ Eu imagino... Infelizmente, a toxina da aranha espalhou-se na corrente sanguínea, e em função disso,nenhum medicamento que fizer uso será eficaz. Se tivesse feito o soro anti-aracnídeo nas primeiras horas, qualquer tratamento resolveria...
    _ Isso quer dizer o que, Dr?
    _ Que a senhora certamente perderá esse braço, pois somente amputando o braço conseguiremos reter a infecção.
    _ Nãããão!!!
    O grito de Teresinha foi tão alto que cortou o ar, hospital afora...
    _ Não vou deixar mexer no meu braço, Dr! Agora, que perdi meu nenê, nada mais me importa! 
    _ Pense, senhora... É a única saída!
    _Meu marido já perdeu uma perna e um olho... Agora, eu serei a perna e o olho que ele perdeu!  Já errei demais, pensando apenas em mim mesma! E ele só tem mais a mim e ao Francisco, que tem só 9 anos!
    Diante da expressão decidida de Teresinha, o médico, meio contrariado, concluiu:
    _ Bom, senhora... Não posso obrigar ninguém a fazer um tratamento ou procedimento... Vou preencher os formulários do caso do Alessandro, e a senhora está liberada pra encaminhar os serviços fúnebres. O hospital lhe dará o suporte necessário, caso precise. 
    Teresinha olhou, ainda sem entender, para os documentos em suas mãos, ao sair do hospital. Como ela poderia dar uma notícia tão triste para Juvenal e Francisco?
    _ Foi tudo culpa minha...
    Teresinha sentia como se seus pés não tocassem o chão, tamanha a dor que sentia, diante dos fatos ocorridos e do braço, que parecia arder em brasa. Porém, precisou reunir toda coragem que tinha para entrar em casa, e dar a triste notícia a Juvenal e Francisco. Encontrou-os na cozinha, ao lado do fogão à lenha. Francisco brincava com seu caminhãozinho e Juvenal tomava mate. O homem ergueu o rosto, surpreso.
    _ O que aconteceu, Teresinha? Tu não iria ficar com o nenê no hospital? Não operaram ele?
    Teresinha mal conseguiu falar. Sua voz saía por um fio:
    _ Operaram, sim...
    Teresinha explodiu em lágrimas... Juvenal pressentiu o ocorrido.
    _ Não diga que...
    _ Sim... Infelizmente... Aquela febre que ele tinha no fim de semana deu reação negativa com a anestesia do Alessandro...
    Juvenal estava pasmo diante da revelação da esposa.
    _ E...? Ele tá mal?
    O choro copioso de Teresinha já revelara a Juvenal e Francisco o que acontecera.
    _ Ele... Faleceu...
    Francisco, que até aquele momento, não tinha se desligado da brincadeira com o caminhãozinho, pereceu despertar diante das palavras da mãe.
    _ Quem faleceu, mãe?
    Teresinha olhou para o filho e não conseguiu responder. Juvenal fez sinal para que a esposa os deixassem a sós.
    _ Venha cá, meu filho. Senta aqui...
    Francisco parecia não compreender, porém, obedeceu.
    _Lembra quando o papai sofreu o acidente? Deus poderia ter me levado, mas não era minha hora... É Deus quem escolhe quando as pessoas morrem.
    Francisco arregalou os olhos diante da seriedade do assunto, porém, ficou em silêncio.
    _ Todos nós temos nossa hora... E hoje Deus escolheu a hora de alguém muito especial pra nós, infelizmente...
    O tom cada vez mais triste e pesado da voz de Juvenal revelava o esforço que ele estava fazendo para, ao mesmo tempo, aceitar o destino, e convencer o filho de aceitá-lo. A inocência na pergunta de Francisco fez Juvenal desabar.
    _ Quem morreu, pai? É alguém que conheço?
    Juvenal abraçou o filho, sem conseguir segurar as lágrimas. Francisco parecia adivinhar:
    _Pai... Foi o mano que morreu, não é? Eu sei que foi ele...
    _ Como...? Como sabe???
    _ Eu tive um sonho essa noite, pai... Eu tava no colo de Deus, falando com Ele, no meu sonho...
    A incredulidade tomou conta do rosto de Juvenal. Francisco continuou:
    _ Papai do Céu disse pra mim que tinha mandado um anjinho dele pra nossa casa por um tempo, pra proteger o senhor, meu pai, enquanto estivesse doente... E cuidar pra que minha mãe ficasse bem, e não desistisse de lutar... E que hoje seria o dia do anjinho dele voltar pra casa... E eu vi que o anjinho que ele mandou era o mano... Deus me mostrou no sonho!
     Juvenal estava mais pasmo com as palavras de Francisco que com as palavras de Teresinha... Agora compreendera o motivo de cada coisa que acontecera durante todo o tempo que Alessandro estivera presente em suas vidas. Aquele pequeno ser indefeso, lutando pela vida, através da limitação física que fora motivo de várias intervenções cirúrgicas, era, na verdade, um anjo de luz e bondade, destinado a trazer esperança, união e fé àquela família.
    _ Deus... O Senhor escolheu nossa família...
    Juvenal ergueu o rosto em oração, com os olhos rasos d'água:
    _Deus... Deus... O anjo que nos destinou cumpriu sua missão... Peço apenas que nos conforte, nesse momento... Nós amávamos o Alessandro...

   

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