Claudio entra em óbito

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    _ Pode deixar que eu vou ficar até amanhã de manhã, Tina. Vou esperar até a hora que tu puder vir, por causa das meninas. Deus não me deu filhos ainda, mas sei como é...
    _ É, compadre... Vocês já estão tanto tempo casados... Lembro que o Claudio uma vez disse pra mim, que se ele fosse anjo ia te mandar gêmeos também, assim como nós... Só pra tu ver como dá trabalho...
    Alceu sorriu:
    _ Então, vou continuar sem filhos. Pois o Claudio nunca vai virar anjo, e vai sair daquele hospital logo, logo!
    _ Quanto à filhos, confia em Deus, compadre! Confia em Deus, que um dia Ele ainda há de encher tua casa de crianças.
    _ Até de manhã, comadre!
    Alceu adentrou o hospital. Ao aproximar-se do leito de Claudio, notou que o amigo movimentara a mão com sua proximidade...
    _ Olá, meu guri! Já tá acenando quando eu chego! Que notícia maravilhosa!
    Um ímpeto o fez segurar a mão que Claudio movimentara ...
    _ Quer me contar alguma coisa, meu amigo?
    Como se fosse uma resposta à pergunta do compadre, Claudio apertou-lhe duas vezes a mão. Porém, o seu rosto permanecia inexpressivo e imóvel.
    _ Estranho... Como ele conseguiu apertar minha mão, se tá inconsciente? E por que, por duas vezes?
    Alceu acabou não dando muita importância ao fato, pois sabia que espasmos e reflexos involuntários poderiam ocorrer no estado clínico em que Claudio se encontrava.
    _ Vai ver que ele tá melhorando... Que bom...
    Alceu sorriu e sentou-se na poltrona em frente ao leito de Claudio. Pegou um livro e passou a ler. Porém, aquele fato estranho dos apertos de mão não lhe saía da cabeça.
    _ Deve ser imaginação minha! Eu tô precisando descansar um pouquinho mais...
    Tentou ler novamente, mas parecia que algo não estava certo. Fechou o livro e ficou observando Claudio  inconsciente. Fechou os olhos por alguns momentos, e sentiu-se em um vasto gramado, rodeando por dois meninos loirinhos e sorridentes, correndo pela grama, perseguindo duas ovelhas branquinhas.
    _ Ajuda nóis a pegá eles, pai! Paiê!!!
    Parecia apenas uma fração de segundo... A luz do dia adentrou a janela do quarto. Alceu esfregou os olhos e olhou ao redor. Um ruído estranho e diferente na respiração de Claudio  o fez  apertar a campainha de emergência imediatamente.
    _ Bahhh... Eu cochilei... Eu não deveria ter dormido... Vim aqui pra cuidar dele, e o cansaço me dominou...
    Alceu estava desesperado:
    _ Dr... Parece que ele não tá respirando direito... O ar entra nos pulmões, mas parece que não vai sair mais... A sonda de oxigênio não tá fora do lugar?
    O médico, ao examinar o paciente, esclareceu:
    _ O paciente está entrando no estertor da morte... Será questão de horas, e entrará em óbito....
    Alceu não sabia se correria para fugir daquelas palavras do médico ou se pediria explicações.
    _ Es... Estertor da morte???
    _ Sim... Os músculos da garganta estão sendo relaxados pela proximidade do óbito...  O diafragma tá fraco e relaxado demais para expirar o ar. Normalmente, em 24 horas, o paciente entra em óbito.
    Alceu empalideceu diante da explicação do médico. Como ele explicaria isso para Tina? Como dizer a ela que Claudio estava em seus últimos momentos de vida? Pensou na maneira menos dolorosa para contar.
    _ Antes que eu volte pra casa, preciso conversar contigo, comadre.
    _ Aconteceu alguma coisa?
    Alceu não sabia como começar... Ficou em silêncio por um momento... Tina olhou para Claudio e notou o barulho estranho na sua respiração...
    _ É o Claudio, não? Ele não tava respirando assim ontem...
    Alceu explicou tudo o que o médico lhe falara sobre o estertor da morte. O desespero tomou conta da mulher.
    _ Não... Não pode ser...
     Tina, ao ver Claudio naquele estado, segurou a mão do marido e sentiu uma reação estranha... Pareceu-lhe que Claudio apertara levemente seus dedos.
    _ Não pode ser... Ele acabou de apertar minha mão... Ele não tá morrendo... Ele tá voltando a si...
    _ Ele apertou minha mão por duas vezes essa madrugada... Mas foi antes dele começar a respirar assim.
    _ Então... Pensa... Se ele tá conseguindo mexer a mão, sinal que tá voltando a si!
    _ Não sei, comadre... O médico disse que cada reflexo ou espasmo nesse estado é normal.
    _ Se tu quiser ir agora... E obrigada por ficar com ele essa noite.
    _Eu vou voltar sim, pois prometi ajudar o Antônio a arrumar uma cerca. Se precisar de alguma coisa, só me chama.
    Tina estendeu a mão para se despedir do compadre, porém, as forças lhe fugiram. Alceu ainda tentou ampará-la, para que não caísse, mas Tina acabou desabando ao chão .
    _ Enfermeira! Ajuda aqui. Ela desmaiou...
    Duas enfermeiras que estavam próximas ao quarto de Claudio vieram acudir Tina.
    _ Ela deve estar esgotada... Deve ser difícil pra ela... O senhor pode ficar um pouco mais?
    _ Claro...
    _ Vamos levar ela pra emergência do hospital. Ali descobriremos o motivo desse mal estar.
    Quando as enfermeiras retornaram com Tina, Alceu preocupou-se:
    _ Se quiser voltar pra casa, eu fico até a hora que precisar...
    _ Não, compadre! Já tô melhor! 
    _ Achamos que ela não está se alimentando direito. Está muito branca... Recomendo que procure um médico.
    _ Primeiro vamos cuidar do Claudio. Quando ele estiver melhor, vou a um médico.
    _ Já tem alguém pra ficar no teu lugar quando tu voltar pra casa, hoje?
    _ Tina olhou preocupada para Claudio.
    _ Não, Alceu. A mãe do Claudio vai visitar ele hoje de tarde, mas não vai ficar.
    _ Então, se não tiver ninguém, eu vou ficar com ele essa noite de novo. Depois do que o médico me falou, eu não deveria nem sair daqui...
    Alceu deixou o hospital. Tina não tirava o olhar do marido, cuja respiração travava de vez em quando, gerando no coração dela uma dor profunda. Tinha vontade de colocar a mão dentro do próprio peito e arrancar a dor que sentia. Sentiu vontade de conversar com Deus, e passou a orar... Estava tão absorta em suas orações que não notou a proximidade da mãe de Claudio.
    _ Como tá o meu filho?
    Tina não conseguiu segurar o choro diante da sogra.
    _ Nada bem, vó Lúcia...
    A mãe de Claudio não se conformava com o estado de saúde do filho.
    _ Isso me dói tanto, ver o homem forte que ele era, ficar assim... Tem que existir recursos pra ele melhorar...
    _ Ele... Ele apertou minha mão hoje...
    _ Então, ele pode melhorar logo...
    _ Espero que sim... Mas o médico falou que essa respiração é...
    Dona Lúcia estava aos prantos:
    _ Eu sei... Já perdi uma irmã exatamente como eu tô perdendo ele... Mas ele não tá conseguindo se libertar pra partir... Tem alguma coisa segurando ele na dor e no sofrimento...
    _ Alguma coisa segurando ele?
    _ Essa respiração é o chamado de Deus... Mas ele não tá conseguindo atender...
    Com lágrimas nos olhos, as duas mulheres ficaram olhando para Claudio por um longo tempo.
    _ Vai descansar tranquila, vó... Se acontecer qualquer coisa, eu mando avisar a senhora.
    _ Como posso ficar tranquila, se eu vejo meu filho morrendo, e não posso fazer nada? Ele era o único filho que ainda se preocupava comigo...
    Dona Lúcia saiu chorando do hospital. Tina ficou ali, olhando para o homem que tanto amava, sem conseguir fazer nada por ele... Num lampejo, lembrou-se das palavras da sogra...
    "_ Essa respiração é o chamado de Deus... Mas ele não tá conseguindo atender..."
    Tina inclinou-se próximo ao ouvido de Claudio, com os olhos cheios de lágrimas, murmurou:
    _ Tu sempre foi um grande guerreiro... E agora Deus te chama pra uma nova missão... Não sei o que fazer, nem o que pensar... Só sei que  te prometo, meu amor, que vou guardar a vida das nossas filhas e a da tua mãe com a minha vida!
    Tina não fazia ideia que aquelas eram as palavras que Claudio queria ouvir... Num repente, ele inspirou profundamente... Sua face ficou serena, como se fosse sorrir... Porém, a expiração não aconteceu...
    _ Nãããão!!! Claudio! Volta! Volta! Nós precisamos de ti!
    As enfermeiras vieram correndo ao ouvir o grito de Tina, que chorava abraçada ao marido.
    _ Venha, senhora... Não há mais nada a fazer...
    _ Quero ficar com ele! Quero ficar com ele aqui!!! Não vou deixar ele sozinho!
    _ Senhora... Agora precisamos fazer um procedimento que não será muito agradável para a senhora assistir...
    _ Não... Quero ver... Quero ficar aqui!
    Enquanto os soluços sacudiam seu corpo, Tina assistia uma das enfermeiras abrir o zíper de um enorme saco verde, onde acomodaram o corpo de Claudio.
    _ Ele vai ser conduzido ao necrotério do hospital... Depois, os serviços fúnebres buscarão o corpo...
    Uma das enfermeiras amparou Tina, que estava sem chão.
    _ Ele já não está entre nós, senhora... Deus deu uma nova missão pra ele agora. Sugiro que volte pra casa e avise o restante da família e amigos. Na recepção do hospital deixaremos à disposição o atestado de óbito e outros documentos referentes à internação do paciente.
    Tina estava andando nos corredores do hospital como se estivesse anestesiada. Não sabia como dar a notícia às filhas... Tampouco à mãe de Claudio....
    _ E agora?
    As lágrimas pareciam ofuscar sua visão. Avistou Alceu e a esposa à frente. Débora andava segurando a barriga, contorcendo-se de dor.
    _ O Claudio acabou de...
    _ Não diga! Então o médico disse a verdade...
       _ Mas... O que houve?
    _A Débora teve uma crise de dor muito forte... Achamos que é apendicite... Ela tá indo pra sala de ecografia, pra sabermos o que é que tá causando essa dor.
    _ Tomara que não seja grave...
    _ Deus te ouça, comadre! Deus te ouça!
   
   

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora