O casamento do ano

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    _Essa é minha filha, Irene. A Eliane é um amor de moça... Quando não pisam nos calos dela...
    A moça nem esperou ser convidada. Mascando seu chiclete, foi entrando, olhando com desdém para os móveis simples da casa. Enquanto Edelvina preparava o látex de aveloz para o curativo, Irene resolveu arriscar-se a puxar conversa:
    _ Então, tu tá gostando daqui do sul?
    Eliane continuou observando a casa, tocando os móveis com as mãos, reparando  a poeira acumulada:
    _Gosto não! Já fui pra outros lugares muito mais interessantes! Isso aqui é um chiqueiro! Tá tudo cheio de pó... A senhora não tem empregada não?
    _ Mmmm...  Não tenho não, e não consigo limpar sempre... Mas me diga... Pra onde já viajou?
    _ O meu grande sonho sempre foi viajar pela Europa, mas eu tenho que me contentar com as viagens pro Rio, São Paulo, Bahia... Lá na Bahia tem uns terreiros da hora!
    _ Terreiros? Aqui na minha casa, no terreiro tem umas dálias lindas. Odeio rosas... Cortei todas!
    Eliane continuou observando tudo, parando os olhos em Irene.
    _ Credo! Não tem manicure aqui não, dona? Tuas unhas tão um caco...
    Edelvina interrompeu:
    _ Vamos ao curativo? Já prosearam um pouco. Gostou da Irene, filha?
    A moça fez um muxoxo.
    _ Gostei não! Ela tem cara de possuída! Precisa de um "despacho"!
    Para amenizar o clima pesado, Edelvina sugeriu:
    _ Filha...  Quem sabe, tu vai dar uma volta no jardim, olha as flores, os bichinhos... Eu termino o curativo e tomamos um mate. Depois vamo pra casa!
    _ Vou sim. Essa dona é cheia de energia negativa... Vou ver se consigo achar alguma coisa interessante pra fazer lá fora, porque aqui dentro me dá ânsia!
    A moça saiu a caminhar. Curiosa, foi andando em meio às dálias, chegando aos galpões. Abriu a porta de um deles,  entrando lentamente.
    _ Mmmm... Aqui tem material de "despacho"... Gostei!
    Ao se dar conta do quanto tempo passara desde a saída da filha, preocupada, Edelvina resolveu procurá-la. Abriu a porta e deu de cara com a moça.
    _ Ahh... Olha ela aqui.  A caminhada foi boa, filha?
    Eliane empurrou o chiclete para o canto da boca.
    _ Gostei não! Quero ir pra casa!
    À tardinha, quando Irene adentrou no galinheiro, para recolher os ovos, uma cena inusitada. Um enorme sapo com as patas amarradas e a boca costurada tentava em vão soltar-se das amarras.
    _ O que é isso? Deve ser sinal de que eu não posso comer a carne dessas galinhas nem os ovos. Vou jogar esses ovos fora e vender as galinhas também. Deus me livre de comer esses bichos carregados de macumba!
    Irene nem sequer pensou em ajudar o pobre batráquio. Fez uma cova funda e enterrou-o vivo.
    _ Pronto! Se for macumba do véio, tá enterrada! Nada nem ninguém vai atrapalhar meus planos!
    Uma sonora gargalhada cortou o ar do galinheiro.
    _ Tudo isso ainda vai ser meu!  Só meu!
    Na madrugada seguinte, turbulentos pesadelos infernizaram o sono de Irene. Os primeiros raios de Sol adentraram no quarto e ela parecia não ter descansado ainda. Uma estranha falta de ar e uma dor aguda nas costas, aumentando a cada minuto...
    _ Não tô conseguindo respirar... Socorro...
    Por mais que tentasse, a dor aguda nas costas não lhe permitia a respiração normal.  Tentou levantar-se, porém, cambaleou.
    Edelvina e a filha encontraram Irene voltando a si do desmaio.
    _Preciso de ar... Um médico! Me leva pro hospital! Não quero morrer...
    _ A minha filha tem carteira de motorista! Vamo no teu carro mesmo. Cadê a chave?
    Apontando para a chave do carro, costumeiramente pendurada por Arnaldo no porta-chaves da parede da cozinha, Irene gemeu:
    _ Por favor... Me salvem... Eu preciso respirar...
    No hospital, após ministrada a medicação para amenizar a dor e a falta de ar, Irene reclamou, aos berros:
   _ Não vão me internar não? Eu tô muito mal! Vocês precisam fazer minha baixa! Tenho medo de morrer!
    _ A senhora não vai morrer não, Dona Irene. Apenas não podemos fazer a baixa porque temos pacientes em estado muito mais crítico que a senhora.
    _ Pois eu exijo que me atendam melhor! Só querem atender primeiro essa ralé! Dá pra ver que são tudo uns fingido!
    _ Olha, senhora... Peço que meça suas palavras e abaixe seu tom de voz, ou teremos que chamar a segurança e encaminhá-la ao setor psiquiátrico do hospital.
    Diante dos argumentos da recepcionista do hospital, Irene olhou-a com desdém, ainda reclamando:
    _ Se fosse o hospital de Caxias, eu já taria baixada! Isso aqui é um pulguedo, isso sim!
    Na volta, a filha de Edelvina demonstrou um interesse especial pelo automóvel.
    _ Que nave! Isso que é carro! Não aquelas carangas de Goiânia! Tu tem carta de motorista, dona?
    _ Não. Ainda não. Mas quando eu conseguir vender o trator do véio, vou fazer voar as tranças!
    A moça trocou o chiclete e apressou-se em completar:
    _ Dona... Eu quero é essa nave pra mim. A dona nunca vai conseguir vender aquela jafurca velha de trator! Vai ter que liberar ela pra mim ir até Goiânia semana que vem! Tô farta de viajar de ônibus!
    _E... E se eu não liberar?
    Edelvina interrompeu, batendo no ombro da amiga:
    _ Olha, "amiguinha"... Se tu não liberar esse carro pra minha filha, Igrejinha inteira vai saber quem traiu o marido com o advogado, engravidou e provocou aquele asqueroso aborto!
    _ Mas isso... Isso é chantagem!
    _ Não é chantagem não, dona... Chantagem seria se a gente falasse que a dona vai acabar com a boca cheia de formiga!

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora