O Reencontro

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Mary tentava equilibrar-se sobre as pedras pontiagudas à sua frente, enquanto os espinhos furavam seus pés descalços. Por mais que ela tentasse, seus passos não conseguiam desviar deles. A cada novo passo que dava, as pedras pareciam querer rolar debaixo de seus pés, mas sentia que não poderia parar.
A escuridão da noite trazia-lhe o pipilar sofrido de uma ave, mas a dificuldade em enxergar e chegar até o pequeno animalzinho era enorme... Quanto mais se apressava em socorrer a ave, mais longe parecia que o som estava. Respirou fundo e o que escapou de seus lábios pareceu ecoar por todos os lados:
_ Eu vou te ajudar, passarinho... Deus vai ajudar!
Como em um passe de mágica, estava diante da pobre ave. Ela debatia-se em seu ninho, sem conseguir voar e tampouco andar.
_ Deus, obrigada por me trazer pra perto dele, assim posso ajudar!
Mary pegou a pequena ave do ninho e notou que debaixo do animalzinho estava o corpo do filhote, já inanimado.
_ O que aconteceu aqui, avezinha? Perdeu o filhote, e quase perdeu a vida... Vou cuidar de ti!
A menina acomodou a ave machucada nas mãos e preparou-se para voltar de onde viera. Sua maior preocupação eram as pedras e os espinhos que dificultaram sua chegada ao resgate. Se já tinha sido difícil chegar ao local com as mãos vazias, seria ainda mais difícil com um bichinho ferido. Olhou a pequena ave com carinho.
_ Não se preocupe, meu passarinho! Deus vai nos ajudar, porque Ele é muito bom...
Ao virar-se para retornar, reparou que o caminho estava diferente. Pensando ter perdido o caminho, apertou os olhos para a trilha por onde passara; o caminho, antes tão cheio de pedras e espinhos, havia desaparecido. Viu apenas uma estranha luz que refletia um vulto de vestes longas:
"_A tua missão será difícil e dolorosa, para resgatar a felicidade de um coração que perdeu o viço quando morreu seu filho. Vá sem medo, que a volta será leve e gloriosa."
Quando Mary se preparou para questionar o significado daquelas palavras, seu olhar pousou nas próprias mãos, que acalentavam a pequena ave ferida. O calor de suas pequenas mãos pareciam dar mais vida ao bichinho, que, em uma fração de segundos, recuperou a capacidade de voar abriu as asas e saiu em direção ao vulto. Mary tentou correr para alcançar a pequena ave, mas sentiu suas pernas travadas...
Mais uma vez, a estranha voz parece entrar em suas veias e ecoar por todo lado:
"_ Permita esse ser vir a mim, pois ele não te pertence...Liberte-o com a verdade!"
Estendeu os braços e sentiu que suas mãos tocavam em algo frio... Tentou ver o que era, mas a escuridão tomou conta dos seus olhos. Pernas travadas e escuridão total... Lembrou-se do pequeno livro sagrado:
_ Deus! Me ajuda!
O despertar do estranho sonho de Mary, na pequena cama improvisada no chão da casa de Vincenzo, a fez segurar entre as mãos o pequeno livro sagrado por um longo tempo. Ela compreendeu que aquele estranho sonho tinha um significado especial...
_ Deus! Eu sinto que preciso cuidar de alguém doente... Alguém preso a uma cama... A missão é essa...
A voz de Vincenzo, da cozinha:
_ Pedrinho! Tu já acordou? Eu tô acendendo fogo no fogão à lenha. Tá frio hoje de manhã!
Mary parou a frase pela metade ao ouvir o nome"Pedrinho". Caiu na realidade e lembrou-se de onde estava:
_ Sim, seu Vincenzo! Já vou levantar e desfazer meu ninho.
Ao pronunciar a palavra"ninho", lembrou-se novamente do sonho. Cobriu a própria boca com a mão. Sentiu o coração pulsar mais forte ao lembrar das palavras de Vincenzo, ao falar de Francesca, a mãe de Pedrinho. O sonho mostrava claramente que tinha uma relação forte da ave ferida e paralisada sobre o corpo do filhote morto, com a dona Francesca, tetraplégica, ainda chorando pela morte do filho.
_ Aquele vulto... Um anjo... Ele me deu uma missão... A mãe do Pedrinho precisa de mim!
Duas grossas lágrimas brotaram dos olhos de Mary, pois sentia que, mesmo sem ter conhecido Francesca, um enorme carinho por ela.
Mary abriu o livro sagrado, onde uma frase prendeu sua atenção:
" Conhecerás a verdade, e a verdade vos libertará!"
Mary sentia-se mal em fazer acreditar que ela era Pedrinho, por isso, decidiu:
_Eu precisa falar a verdade. Tenho que dizer que não sou Pedrinho. Mas como? Toda vez que eu tento, a voz não sai...
Apertou novamente o pequeno livro e decidiu:
_ Vou deixar nas mãos de Deus. Ele me mostrará o momento certo.
A voz de Vincenzo fez Mary voltar à realidade:
_Hoje é sábado... Hoje é dia de aparar a grama, tirar o inço dos geranios e abastecer o que falta da despensa. Quer ajudar?
Mary sorriu para o velho Vincenzo:
_ Ebbbba! Quero ajudar, sim! Meu pai sempre me deixava ajudar ele...
A menina parou de falar de repente, e seus olhos se encheram de lágrimas. Vincenzo interveio:
_ Pois então, Pedrinho! De hoje em diante tu é meu ajudante direto pra tudo! Vai aprender as coisas e teu pai lá no céu vai ficar orgulhoso de ti, bambino!
_E eu vou começar, ajudando o senhor a passar café. Tem bule aí?
_Ali no topo do paneleiro, Pedrinho.
Quando Vincenzo e Mary estavam terminando de tomar café, Fiorella e Gioconda entraram na cozinha.
_ Tá aprendendo com o papá, Pedrinho? Ele que ensinou a gente a cozinhar!
_ Pois eu quero aprender tudo na cozinha, Gioconda!
_ Então vamo trocar... Nós te ensinamos a cozinhar e tu nos ensina a ler, escrever e fazer contas...
Mary estendeu a mão a Gioconda:
_ Fechado! Hoje de manhã eu vou ajudar seu Vincenzo no jardim. Depois vamos comprar comida. De tarde ajudo vocês a arrumar a casa e depois vamos estudar, combinado?
_Combinado!
Após o café, Vincenzo pegou as ferramentas e Mary ajudou-o a limpar o jardim e aparar a grama.
_ Prontinho, Vincenzo... Tá bonito, né?
_ Agora vamos fazer a lista das coisas que precisamos comprar no armazém. Me ajuda?
_ Claro, seu Vincenzo!
Mary fez rapidamente a lista dos gêneros alimentícios, após, incluiu os produtos de higiene e limpeza da casa.
_ Prontinho! Não deu muita coisa! Não vai gastar muito dinheiro!
_ Então, ao armazém!
_ Deixa eu calçar minhas botinas e colocar meu boné, seu Vincenzo!
Já no armazém, Mary e Vincenzo entregaram a lista ao seu Deonizio, o dono do armazém.
_ Tem um ajudante agora, seu Vincenzo? Esse guri é teu parente?
_ Pode-se dizer que é como se fosse meu sobrinho, seu Deonizio. Pedrinho é filho de um amigo que eu considerava um irmão!

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora