Teresinha voltara do socorro médico confiante. A recomendação do serviço de saúde que a atendeu era que mantivesse a assepsia e aplicasse nebacetim no local da picada da aranha.
_ Em alguns dias, a senhora nem sentirá onde a aranha lhe picou. É tão simples que não precisará afastar-se do trabalho. Só mantenha sempre um curativo.
Conforme orientação recebida, Teresinha passou os dias que se seguiram em sua rotina normal.
_ Senhor Julio! Creio que preciso levar o Alessandro ao atendimento de saúde. Toda vez que amamento ele, o nenê vomita! Já não sei o que fazer...
Julio ergueu as sobrancelhas, perguntando, em tom sério:
_ Mmmm... Isso é sério... Ele come papinha ou toma mamadeira sem vomitar?
_ Sim. Aí ele não passa mal...
_ Dona Teresinha... Estou pensando que a picada da aranha tem algo a ver com isso.
A cozinheira arregalou os olhos, surpresa.
_ Será que estou passando a toxina para o nenê, pelo leite? Bahh... Não me falta mais nada! Primeiro, o Juvenal quer levar a gente pra longe daqui, e agora...
_ Falando nisso... É sério o que ouvi no dia que Francisco fechou os registros de água? Falou que até deixará Francisco entrar em um CTG... Isso fará muito bem a ele.
Teresinha encarou Julio com seriedade.
_ Diretor... Acha que realmente vamos nos mudar? Nunca! Já tá decidido!
_ Mas... Naquele dia ouvi a senhora prometer...
_ Uma promessinha à toa! Eu decidi que não vamos mudar mais!
_ E como está seu pulso, dona Teresinha?
_ Eu tô fazendo tudo que o médico mandou. Já tá secando... Só tenho que manter o curativo pra trabalhar, por orientação médica.
_ Muito bem. Liberarei a senhora para levar seu nenê ao médico. Mas...
Julio mostrou-se preocupado:
_ Aconselho a senhora não quebrar promessas. Elas são sagradas!
_ Eu sei! Já fiz tantas e cumpri... Quebrar só uma não vai me matar!
Teresinha retirou-se da sala da direção, enquanto Julio seguia Teresinha com o olhar e meneava a cabeça. Porém, o diretor ficou em silêncio.*
O médico que atendeu Alessandro foi categórico:
_ A senhora terá que suspender a amamentação do nenê, dona Teresinha!
_ Como assim? Eu já ganho pouco e agora vou ter que comprar leite especial?
_ Ou isso ou as toxinas presentes no seu sangue vão continuar afetando o nenê, sinceramente... E ele já tá com um problema sério de bronquite.
_ Mas ele tem cirurgia marcada pra semana que vem...
_ Se ele estiver recuperado da bronquite, poderá operar. Porém, se tiver vestígios de febre ou qualquer outra alteração, teremos que adiar o procedimento.
_ Mas ele tem que operar! Já está marcada faz tempo, essa cirurgia!
_ Retorne no início da semana que vem, aí faremos uma avaliação e os exames pré-operatórios!
Teresinha, segurando Alessandro ao colo, saiu da consulta médica desolada. Sabia que o leite materno era essencial para seu filho, mas tinha que cumprir as ordens do Doutor.
Ao chegar em casa, após banhar os filhos e colocá-los para dormir, foi banhar-se, e estranhou a mudança de coloração no local da picada da aranha. Ao centro, formava-se uma enorme bolha amarelada, circundada por minúsculos pontinhos vermelhos.
_ Não me falta mais nada! Isso só pode ser praga de alguém! Ou macumba!
Temendo diante do aspecto diferente do pulso, Teresinha teve o ímpeto de furar a bolha, antes de refazer o curativo. Pasma com a quantidade de líquido amarelado que escorria pelo pulso, Teresinha tentava sem sucesso estancar a secreção. Decidiu aplicar a pomada recomendada e fechar o curativo.
_ Ainda bem que meus meninos estão bem agora, e eu vou cuidar bem deles aqui... Ninguém precisa mudar daqui pra melhorar de vida. A casa do Juvenal é aqui... Se ele não consegue fazer os tratamentos dele através do hospital daqui, que fique sozinho por lá mesmo, naquele lugar de brancos!
Teresinha cobriu-se cuidadosamente, para não desajustar o curativo do braço. O sono custou a chegar, pois a preocupação com os fatos do dia deixaram-na aflita. Sem contar ainda o latejar louco do pulso, cujos acessos repetidos de dor causavam-lhe verdadeiros arrepios.
Quando enfim adormeceu, sentiu-se em um ambiente escuro, úmido e frio... Tentava respirar e sentar-se, mas a falta de oxigênio e de espaço não lhe permitiam. Repetidas tentativas frustradas de gritar, mexer-se, sair daquele espaço sombrio e estranho...
_ Tenho que sair daqui! Tenho que ver meus filhos! - pensava ela.
Como num lampejo, surgiu uma luz repentina do alto. Sentiu-se imóvel, mas vislumbrava em meio àquela luz duas crianças chorando.
_ Francisco! Alessandro! - pensou tristemente.
Teresinha tentou, no seu delírio, sair daquele estranho cubículo, onde somente ela cabia... Tentou mexer-se... Tentou gritar... Quando viu uma figura conhecida, vestida de preto, junto às crianças, cujo rosto banhado em lágrimas parecia explicar a situação às crianças.
_ Juvenal! - pensou.
Nesse momento, Teresinha compreendeu o que era aquele cubículo tão escuro e tão frio. O frio da morte pairava naquele lugar. Estava no interior de um caixão, já no cemitério.
Sentiu então as lágrimas queimarem em seus olhos, parecendo latejar feito tamborim. O pulsar ritmado ia aumentando, à medida que mais e mais lágrimas jorravam em seu pranto silencioso.
Quando enfim conseguiu respirar, sentiu o corpo arder em febre. Sentou-se na cama, olhou para os lados e respirou aliviada. Estivera apenas sonhando.
Na manhã seguinte, ao reabrir o curativo, olhou com horror a proporção de secreção que saía escorrendo da lesão. Cada local do braço onde corria, parecia queimar e formava um enorme ferimento. Já no centro da lesão, bem no local da picada, uma necrose formava uma estranha mancha escura. O pulso, já inchado, latejava feito tambor.
_ Santo Deus! Mas o que é isso agora?! Tava quase curado!
Assim que Teresinha mencionou o seu Deus, veio-lhe a lembrança das palavras do diretor Julio, no momento ao qual se referira em não quebrar promessas. O pesadelo que tivera ainda latejava em todo seu corpo.*
No setor de psiquiatria do hospital Paulo Guedes, os médicos preparavam uma sala de testes. Logo ao centro, uma mesa com pratos, talheres e copos; ao lado da mesa, uma cadeira vazia e, próxima à parede, uma estante, onde foram colocados dois pães e uma toalha. Na parede estava dependurado um espelho, onde funcionava um visor por meio do qual a equipe médica poderia avaliar a evolução de Irene.
_ Vamos colocar a dona Irene dentro dessa sala, para que possamos fazer um diagnóstico mais efetivo e preciso do estado psicológico dela.
A paciente foi conduzida até o recinto avaliativo, apenas vestindo o camisolão branco usual dos internos do setor de psiquiatria.
_ Vamos passear? Ahh, que boom!! Então preciso me vestir e calçar um par de sapatos, não posso sair sem roupas e estou descalça!
Irene vai até o espelho e pareceu escolher um vestido dentro de um armário imaginário.
_ Tenho que ir às compras! Só tenho trapos!
De repente, suas mãos pareciam ter encontrado algo que lhe agradasse:
_ Até que enfim! Esse vermelho é o meu preferido!
A mulher parecia olhar aquele vestido imaginário com um olhar diferente.
_ Esse vestido é da cor do fogo! Agora, só falta escolher os sapatos!
O olhar de Irene direcionou-se à parte inferior da estante, onde estava vazio.
_ Mmmmm... Vamos ver... Esse preto é lindo!
Seus olhos, ilusoriamente, encontraram um par de sapatos. Como se os calçasse, começou a desfilar. Olhou-se no espelho e sua expressão feliz mudou para o espanto:
_ Como assim? Eu vesti meu vestido vermelho e calcei meus sapatos favoritos, então como continuo do mesmo jeito que estava?!
A imaginação de Irene, mais uma vez, procurou algo para vestir e sapatos para calçar.
_ Tá bom... Vou vestir o preto, que me deixa elegante, e esses sapatos vermelhos pra combinar!
Nova e repetidamente, a paciente, diante da observação constante da equipe médica, parecia vestir-se e calçar sapatos. Mas toda vez que desfilava e dirigia o olhar ao espelho, arregalava os olhos:
_ Ainda estou sem roupa e sem sapatos... Preciso de um cigarro!
O olhar de Irene passeou pela estante, à procura dos cigarros, mas parou diante dos dois pães. Tocou suavemente cada um dos pães:
_ Dois nenês... Que bonitinhos, dormindo...
Girou o corpo em direção à mesa, e colocou o indicador sobre a boca, em sinal de silêncio:
_ Psiu... Não podem falar alto! Meus nenês estão dormindo!
Diante da observação pasma da equipe médica, Irene pegou os pães cuidadosamente, embalando-os, como se realmente estivesse embalando dois bebês. Ficou ali, sentada na cadeira, como se amamentasse duas crianças, durante um longo tempo.
_ Pronto! Agora mamaram! Vou colocar de volta no berço!!!
Recolocou jeitosamente cada pão no seu lugar na estante. Num instante, reparou na pequena toalha:
_ Um boné... O boné da minha filhinha... Mary fica triste sem seu boné...
Pegou a toalhinha e ajeitou cuidadosamente na extremidade de um dos pães.
_ Pronto, Mary! Agora tu vai ficar bem... Agora só tenho que arrumar o Miguel...
O instante que se seguiu chegou a assustar a equipe médica, pois Irene soltou um grito e desatou em uma tremedeira incontrolável:
_ Miguel!!! Não!!! Não morre não!!! Foi culpa minha!
Entre lapsos de recordações e pânico, a mulher encolheu-se ao chão, em posição fetal desferindo um choro contínuo.
_ Isso é preocupante, Doutor... Mas, ao mesmo tempo também é um sinal de que ela está reagindo de acordo com a realidade. O marido dela falou-nos de dois filhos do primeiro casamento dela, devem ser as duas crianças de quem ela está falando.
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INFÂNCIA ROUBADA
RandomHistória baseada em fatos reais. ALERTA DE GATILHOS: contém violência, abusos, suicídio e morte. Não indicado para menores de 18 (dezoito) anos e/ou pessoas sensíveis aos assuntos abordados. Miguel e Mary são duas crianças, irmãos... Após a tenta...