A paz da zona rural

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O convite de Tina não admitia recusa.l.
_Hoje vocês almoçam com a gente. Com todo trabalho da mudança, certamente devem ter muito que organizar.
_ Eu tô preocupada com o Francisco. Será que ele tá se comportando com o seu Claudio?
Tina sorriu:
_ O seu filho é um amor de menino, Teresinha. Não tem com que se preocupar. E estando com o Claudio, pode ter certeza que todas as crianças estão bem cuidadas.
Teresinha mostrou-se preocupada:
_ Mas eles estão demorando... Sabe, Tina... Depois do acidente que quase levou o Juvenal, eu sempre tenho receio de que um dia o Francisco possa...
A mulher baixou os olhos, tristemente.
_ Confia em Deus, Teresinha!Certamente, Claudio deve ter passado no CTG, pra fazer a inscrição das duplas de dança gauchescas. A Lenir e o Miguel já estão ensaiando faz um tempinho. Eles já tem até as pilchas.
_ Eu não consigo imaginar meu guri numa pilcha, sabia?
O barulho da caminhonete de Claudio interrompeu a conversa. Tina olhou na direção das crianças, saltando do veículo, e exclamou, admirada:
_ Mas que belezura! Pois acho que a senhora vai imaginar o Francisco numa pilcha, sim. Olha ali, que lindos!!!
Teresinha virou-se. Ao ver Francisco, segurando a mão de Lenice, ambos pilchados, pôs a mão à boca, sem acreditar. As cores das duas indumentárias combinavam harmoniosamente.
_ Mas de onde vieram...???
_ Eu já sabia! É uma surpresa que eu e Claudio planejamos para Lenice e Francisco. Ele deu a desculpa da entrega de erva-mate pra levar as crianças pra elas mesmas escolherem os trajes. Assim, eles poderiam experimentar e comprar os que mais combinariam e que as crianças realmente gostassem!
Com os olhos marejados pela emoção, Teresinha teve que se segurar em Tina para não cair. Ao ver que Francisco ficara tão bem vestido de traje típico, ela segredou:
_ Eu nunca poderia comprar uma roupa de gaúcho tão bonita pro Francisco. Deve ter custado caro...
_ Essas crianças merecem! Claudio é muito família, e também gosta muito do Francisco. Ele não faz nada sem pensar nos outros. Como a Lenice já tava liberada pelo médico pra ensaiar, ele já pensou em tudo.
Claudio e as crianças entraram na casa. Francisco parecia sempre ter vestido uma pilcha, e segurava educadamente a mão de Lenice, que estava eufórica.
_ Mãe! Mãe! O tio da loja das roupas nos ensinou a fazer pose de preparo pra dança gauchesca!
Francisco e Lenice giraram educadamente em frente aos presentes. A postura das crianças causou surpresa.
_ Que casal elegante, dona Terezinha!
Francisco, todo orgulhoso, olhou para a mãe,receoso da reação dela. Teresinha abriu os braços e abraçou o filho.
_ Não sei como agradecer, seu Claudio... Eles estão lindos!
_ Agradeça somente a Deus, que fez a Lenice ficar boa e agora ter um parceiro pra dança!
_ Pois minha gratidão a Deus é infinita, seu Claudio. Ele nos conduziu até aqui de uma maneira tão estranha... Eu jamais imaginei que aqui fosse assim. Esse lugar é um paraíso! Creio que vamos ser muito felizes aqui!
_ Amém, dona Teresinha! Amém! Eu vou deixar vcs e ver se o Juvenal precisa de alguma ajuda. Vamos voltar pro almoço!
Teresinha ficou um longo tempo ali, observando as crianças.
_ Mas... Essas roupas chiques... Vão sujar se não trocarem...
Tina inclina-se diante das crianças:
_ E agora, meus pequenos gaudérios... Vamos lembrar que estes trajes não são de usar pra brincar. Vão já colocar uma roupa mais velhinha pra ir almoçar. Depois do almoço, todos nós vamos pescar no açude. Pra janta, vamos fazer umas carpas ao forno!
As meninas entraram na casa. Teresinha olhou surpresa para Tina.
_ A senhora também pesca?
_. Vamos deixar o tratamento de "senhora"de lado, Teresinha. E eu amo uma boa pescaria... Basta um açude, caniço, minhocas e a festa tá pronta!
Miguel ficou eufórico:
_ Vamo lá, Chico! Troca de roupa logo! Depois do almoço vamo catar as minhocas!
Francisco olhou receoso para Miguel.
_ Minhocas?
_ As minhocas são pra pegar os peixes, Chico. A gente bota no anzol, espera o peixe pegar, aí a gente puxa ele pra fora da água.
Tina completou:
_ E se a gente pegar umas carpas bonitas, a peixada será boa!
Miguel não parava de falar:
_ Vem, Chico! Vamo logo tirar essa roupa chique e botar uma bem velhinha. Tu vai gostar de pescar!
Teresinha sorriu ao ver Miguel e Francisco sair correndo juntos.
_ Fico feliz por ver que Francisco e Miguel se dão bem.
_ Então precisa ver as manas junto com esses dois. Essas crianças movem o mundo.
_ O Francisco precisa de amigos que o compreendam, e o aceitem como ele é... E Deus nos trouxe exatamente pra cá, onde essas crianças são o que ele precisa...
_ Deus sabe exatamente o que nós precisamos, Teresinha.
Teresinha ergueu os olhos para o céu:
_ Não tenho palavras pra agradecer a esse Deus maravilhoso, por tudo que Ele faz por nós.
_ Vamos cevar um mate enquanto terminamos o almoço, Teresinha. Já tá tudo no fogo... Me ajuda na salada? Assim continuamos nossa prosa!
_ Mas é claro!
_ Depois, enquanto as crianças procuram as minhocas, vamos procurar umas batatas doces pra assar com as carpas no forno . Hoje tem contação de histórias depois da janta.
Teresinha ficou surpreso:
_ Procurar batata doce? Não é só comprar no mercado, ou na quitanda? O que é uma contação de histórias?
Tina sorriu:
_ Aqui não é cidade, Teresinha! Temos lavoura de batata doce. A gente não compra tubérculos pra cozinha. E quanto à contação de histórias, nós temos o hábito de fazer uma sessão de contar histórias depois da janta de cada sábado. Nas noites quentes a gente faz no pátio, ao redor de uma fogueira. E nas noites frias é ao redor do fogão à lenha.
Teresinha sorriu, parecendo aliviada, mas ficou na dúvida:
_ Ahh, bom... Agora entendi... Mas, " procurar batata doce"... Porquê?
_ Tu vai ver como é divertido procurar batata doce, Teresinha!
O sorriso tímido de Teresinha anunciou que ainda não compreendera o que Tina pretendia dizer. Lenir ouviu a conversa, e já saiu eufórica:
_ Iebbbba! Lenice!!! Vamo procurar batata doce! Vamo ir também!
O entusiasmo da menina foi contagiante. Tanto que saiu correndo e voltou com um gancho de metal. Francisco e Miguel, que estavam voltando naquele momento, viram o gancho e foram emendando:
_ Olha a "Capitã Gancho"aí... Vai procurar ouro?
_ Não, Mig! Vou procurar batata doce com a mãe, depois do almoço!
Francisco parecia não compreender. Olhou para as meninas demoradamente, como se fosse esperar uma explicação.
_ É divertido, Chico! Quer ir também?
_ Quero.
Tina sorriu:
_ Pelo jeito hoje vamos tirar batata doce pra uma semana!
Claudio e Juvenal deixaram tudo organizado na casa onde os recém chegados morariam a partir de então. O almoço regado por uma prosa animada marcou o início de uma nova fase para Teresinha, Juvenal e Francisco.
_ Bom, vocês nos dão licença pra lavar a louça, que depois vamos procurar batata doce pra assar com peixe na janta.
Claudio olhou para as duas mulheres.
_ E por conta de quem será a pescaria?
Tina não perdeu a pose:
_ Hoje a pescaria é por conta das mulheres e das crianças. Só precisamos de alguém pra catar uma lenha pro forno.
_ Deixa comigo! Vou esperar o Arnaldo, e vamos trazer a lenha, tanto pro fogão à lenha quanto pro forno.
Lenice abraçou o pai.
_ Trabalho de equipe, paizinho!
Teresinha e Tina limparam e organizaram a cozinha. As manas, sentadas no degrau da cozinha, aguardavam ansiosas para a colheita de batata doce.
_ Tudo pronto, agora. Vamos?
Ao chegar à lavoura de batata doce, Teresinha olhou curiosamente para as ramagens do tubérculo.
_ Tina... Já olhei bem pra essas plantas e não vi batata doce nenhuma. Pode me explicar como procurar?
Lenice, que ouviu o que Teresinha falara, foi explicando:
_ Tia Teresinha... A gente só olha embaixo das ramas, onde tem um morrinho de terra, e só se acha onde tem uma rachadura no chão. Ali a gente passa o gancho pra puxar a batata doce pra cima. É que nem pescaria!
Teresinha ficou em dúvida:
_ Então, se não tiver um morrinho de terra, nem rachadura, é porque...
Tina completou:
_ Isso! É porque ali não vai achar nada!
Lenice encontrou uma vistosa rachadura no solo sob as ramagens de batata doce. Puxou o gancho com destreza e tirou um enorme tubérculo.
_ Essa é a maior que já colhi!
Lenir pegou o gancho e saiu em meio à lavoura, à procura de outra rachadura.
_ Eu vou achar uma maior que a tua!
Francisco olhou curiosamente onde a menina passou o gancho.
_ Que batata grandona!
Teresinha sorriu, diante da simplicidade especial daquele momento. Respirou fundo e olhou para o céu. Sentiu uma paz infinita.
_ Agora sei porque o Francisco gostou tanto de vir pra cá!
Em alguns minutos, o balde que levaram para acondicionar os tubérculos colhidos estava cheio. Tina anunciou:
_ Agora chega, crianças! Ainda temos que pegar o material de pesca e partir pra segunda etapa da "operação janta"!
_ Iebbbba!!! Minhocas e peixes... Nos aguardem!
Miguel, de gancho em punho, saiu correndo em direção à esterqueira. Empunhou-o, e num zás-trás tinha enchido uma lata de óleo de soja com minhocas.
_ Manas! Isso me lembra da nossa colônia de minhocas. Pena que abrimos a colônia e soltamos todas na esterqueira!
_ As minhocas da nossa colônia agora estão livres! Ninguém gosta de viver preso!

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora