Contra o tempo

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-König, você dorme com capuz?
Minha pergunta em nossa transmissão o fez rir. Não sei se era pela ingenuidade, mas eu realmente perguntei pela curiosidade.
-Não. Mas ninguém entra no local em que eu esteja dormindo.
-Hm...
Isso abre margem para muitas coisas. Afinal, eu não conseguiria imaginar qualquer pessoa do mundo dormindo confortavelmente com um capuz. Mas acredito que Ghost tenha esse hábito, e que atiraria em qualquer um que se arriscasse a destruir sua identidade.
-Hoje seremos transferidos para Faridah.
Graves tirou meu fone e me olhou. Seus penetrantes olhos azuis não me davam medo, mas a forma inesperada que ele agia com as coisas era o que me chateava. Além, de fazer algumas cantadas que me fazia revirar os olhos.
Era madrugada ainda, e tudo apontava que teríamos um dia longo e cansativo pela frente.
***
Faridah era uma cidade um pouco longe de Aqtabi, o que me deixou apreensiva, afinal eu já estava começando a me ajustar e a conhecer bem a região.
-Então quer dizer que você gostaria de ver meu rosto?
Fui surpreendida quando arrumava meus equipamentos na nova tenda. Eu sabia de quem era essa voz áspera e com sotaque alemão.
-Isso foi há alguns dias...-me virei e cocei a nuca, tentando disfarçar. König percebeu isso.
-Ainda não respondeu minha pergunta. -ele se aproximou.
Quando fui responder, Ghost apareceu.
-Preciso conversar com você, recruta.
-Claro, senhor. -me apressei, deixando as coisas na mesa. König encarou o tenente por alguns segundos antes de sair do local.
As mangas de sua camisa estavam dobradas acima do cotovelo, e, percebi que o tenente Ghost tinha em seu antebraço esquerdo várias tatuagens com armas e caveiras.
Sexy.
-Vamos entrar em uma área mais difícil agora, então tenha ciência disso e não deixe esse local em hipótese alguma. Obedeça ao comandante Graves que ficará como seu superior aqui.
Eu estava começando a detestar Phillip Graves, mas eu era obrigada a obedecer esse homem. Não havia lugar para arrogância por aqui, mas prepotência por conta do comandante, eu tinha minhas dúvidas...
-Sim senhor.
Desviei meu olhar quando percebi que ele continuava me encarando. Tinha a certeza de que ele gostaria de falar algo, mas acabou desistindo e indo embora.
À tarde, quando os homens estavam se preparando para a missão, o comandante Phillip Graves decidiu testar minha paciência. 
-Hm, como é seu nome mesmo? -ele chegou próximo a mim, que estava sentada no chão de areia, examinando meu drone.
Eu olhei para cima, um pouco surpresa com a pergunta.
-Megan Taylor. A famosa "recruta".
-Certo, Megan, então vá buscar um café para mim.
Graves apontou para uma mesa a alguns metros de nós, onde haviam vários itens a nossa disposição, entre eles, uma cafeteira.
Ele ficou louco, é isso? Eu não sou sua secretária para fazer tal coisa...
Eu me levantei e balancei a cabeça, tentando entender o porquê daquilo.
-Eu estou fazendo outra coisa aqui, senhor. -apontei para ele meu drone, e Graves sorriu com o canto dos lábios.
-Sim, mas eu te dei uma ordem.
Eu jamais achei que passaria por algo desse tipo. É verdade que os recrutas são quase "escravos" de seus superiores, mas não nesse sentido. O pior de tudo, é que eu deveria obedecer a esse homem ridículo, pois não gostaria de ouvir meia hora de sermão do capitão ou do tenente.
Fechei meus punhos e respirei fundo antes de caminhar tranquilamente até a mesa, pegando uma xícara e a enchendo, quase transbordando. Antes de sair, ouvi um bipe e uma voz em meu rádio.
-Quer que eu dê um susto nele?
Merda, deixei meu rádio ligado.
Olhei para os lados e vi König na parte mais baixa da ribanceira, segurando seu rádio e me olhando. Ele usou um canal de transmissão onde só nós dois ouvíamos.
-Obrigada pela ideia. Tenho certeza que vou querer usar.
Desliguei o rádio e entreguei o café para Graves, que reclamou pelo amargor. Ele apenas não continuou enchendo minha paciência pois recebeu um chamado em seu rádio.
Peguei meu drone e fiquei no lado oposto onde Graves estava, tentando me esconder atrás de alguns soldados.
***
Já era noite quando a missão começou. O que mais me preocupava em relação a tudo isso era a movimentação escassa dos nossos inimigos. O sensor térmico não captava absolutamente nada.
-A tecnologia pode nos deixar na mão, mas as armas, não. -murmurou König no rádio.
-Armas também falham. -respondi.
Eu tenho certeza que isso não é algum tipo de falha ou problema...mas é estranho, afinal, a visão noturna funcionava perfeitamente. Ou eu apenas estava deixando a ansiedade tomar conta de mim e meus olhos estavam me enganado?
-Cuidado Gama, captei algo a quinze metros.
-Em movimentação? -perguntou Ghost.
Me aproximei da tela do meu tablet e estreitei os olhos.
-Sim...e não. -estranhei-. Vinte segundos, Gama.
Ghost e König se aproximaram de um beco e eu olhava tensa para o tablet, apertando meu joystick.
-Agora! -ordenei.
Os dois não tiveram dificuldades em executar o homem, que estava distraído fazendo...suas necessidades.
-Varredura 85%, Delta. -König me informou.
Isso é ótimo, falta pouco para concluirmos essa cidade e acabar logo com meu nervosismo.
-Falta apenas aquele campo de areia. -apontou Ghost-. Nos dê suporte e avise quando a varredura acabar.
-Certo.
Enquanto controlava o drone, pude ver Ghost e König, esperando pela minha resposta. Quando cheguei ao campo limpo de areia, vi vários pontos brancos abaixo da areia, posicionados estrategicamente.
Meus olhos ficaram arregalados e minha pele arrepiou quando me lembrei o que essa cor significava.
-Minas...?!
-Gama, Beta, Delta, na escuta?! -apertei meu rádio.
-E...nã...ach...voc...
A minha resposta foi apenas a voz cortada de Ghost, e, logo após, o rádio apenas produzia chiado. Mesmo mudando o canal para apenas König me ouvir, nada mudou.
O mais desesperador foi ver um alerta gigante na tela do meu tablet, anunciando "Sem sinal" para o drone, fazendo-o desligar.
Bati na mesa e me levantei, chamando a atenção de todos. Graves foi rapidamente até mim.
-O sinal caiu! E-eu vi coisas com o drone e...
-Ei! -ele apertou meu ombro-. Nosso sinal também caiu, estamos fazendo o possível para recuperar.
Ele com certeza não entendia a gravidade da situação.
-Ok, mas preciso avisá-los de que há minas terrestres plantadas na areia! -afastei sua mão.
-Minas? -ele sorriu irônico-. Minha equipe fez uma varredura completa nessa área para esse tipo de armamento e não encontramos nada.
Senti meu queixo cair lentamente. Sua descrença em minhas palavras era algo que beirava ao ridículo.
-Você pode estar ansiosa demais ou sei lá, nervosa. Eu sei como é ser novato nesse tipo de coisa e...podemos ver coisas onde não existem.
-Eu sei o que eu vi. E não vou deixar meus homens.
Quando me virei, ele rapidamente pegou meu pulso e o apertou, me machucando.
-Ninguém sai daqui. -Graves enfatizou.
Eu olhava para as outras pessoas com seus computadores, e alguns não estavam se importando com o que acontecia.
-Me solta...agora.
Graves estreitou seus olhos e continuou com meu pulso em sua mão. Ele parecia enfurecido.
Respirei fundo; nenhum de nós dois cedia.
Preciso avisá-los de alguma forma, e recuperar meu drone. Eu sabia que Ghost e König iriam avançar, afinal minha resposta não chegaria tão cedo. Eu não poderia apostar tão alto com suas vidas.
Em uma fração de segundo, Graves se distraiu e essa foi minha única oportunidade de conseguir me soltar; reuni toda a força que tinha em em punho esquerdo e desferi um soco em seu rosto, que o fez vacilar. Quando ele me soltou, saí correndo o mais rápido que minhas pernas conseguiriam aguentar.
-Sua v...!
Não era momento de me enfurecer com seus xingamentos.
Pulei a cerca de madeira e deslizei pela ribanceira abaixo, sujando meu corpo. Na queda, uma pedra cortou minha perna esquerda, dificultando meu andar.
-Droga...-apertei minha o local do corte, que começava a sangrar.
Olhei para cima e vi Graves ensandecido, se atentando para os lados e com certeza, me procurando.
Mais um motivo para fugir.
Enquanto corria, tentava refazer o caminho que meu grupo tinha percorrido. Passei por becos e vielas, desesperadamente tentando achá-los, mas a iluminação precária não me ajudava.
Cada vez que pisava no chão, sentia a dor sendo lembrada. Eu evitei de olhar para minha perna, porque eu sei que iria me desesperar ainda mais.
Vamos, você consegue.
Quando virei uma esquina com algumas construções de pedra, vi os três homens avançando rumo ao campo de areia.
-NÃO!...
Acredito que nunca reuni tanta força para gritar como tinha feito; e deu certo, os três olharam para mim e apontaram suas armas em minha direção.
Caminhei alguns metros até encontrá-los.
-Recruta! -Ghost me olhou incrédulo-. O que está fazendo aqui?!
Minha respiração estava acelerada e eu mal conseguia falar.
-E o que aconteceu com sua perna? -König apontou.
-Longa história...-apertei meus olhos-. Eu saí correndo da base para avisar que...eu captei sinais de minas terrestres na areias. -apontei-. Mas nosso sinal foi interrompido e meu drone caiu em algum lugar...eu fiquei desesperada e não soube o que fazer...
-E o Graves? Eu falei para você não sair em nenhuma hipótese. -Ghost me encarava.
Depois de todo esse percurso a maior preocupação dele é com as ordens que eu desobedeci...?
-Mas a Shadow Company vasculhou esse tipo de armamento por aqui. -Gaz me olhou, levantando uma sobrancelha.
-É, eu sei que esse desgraçado fez isso. Mas confiem em mim.
Eles se olharam, sem saber o que dizer.
Ghost pediu que um dos homens de König jogasse uma granada no campo de areia, e assim foi feito.
Nos afastamos, e quando a granada explodiu, as minas detonaram, uma a uma, lançando areia para cima. Eu não gostaria de imaginar o que isso causaria em um corpo humano...
-Droga...-Gaz resmungou.
-Senhor, achamos isso nos arredores.
Um soldado se aproximou e entregou meu drone a König, que me devolveu.
Eu o segurei e o limpei, sorrindo brevemente em ver que ele não estava perdido ou detonado.
-Equipe Beta 0-3, desativem o restante das minas pela manhã. -ordenou Ghost-. Vamos...
Ele colocou um de meus braços ao redor de seu corpo, me ajudando a andar lentamente.
Mas, logo após, König fez meu braço se soltar do corpo de Ghost, me carregando no colo, para longe dos outros soldados.
Minha perna continuava doendo, mas enquanto König andava, ele tentava me balançar o mínimo possível...e eu nem tive coragem para ver a reação do tenente.
-Obrigado por não me deixar virar em pedaços. -ele sussurrou.
Eu apenas agarrei seu braço e encostei minha cabeça no seu peito, tentando relaxar com as batidas de seu coração.
Eu tive muitos problemas em apenas uma noite; e iria sofrer as consequências no próximo dia.

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