Passados

1K 92 13
                                    

Sakhra era belíssima à noite. A areia estava por todos os lados, engolindo pouco a pouco o país e consumindo com os sonhos de todos. Quantos amores floresceram e acabaram por aqui? Quantos corpos de soldados simplesmente foram soterrados e nunca mais encontrados? Era tão sufocante pensar nessas coisas, e era a realidade batendo na minha porta.
Mas eu não poderia me dar ao luxo de simplesmente dar uma volta pela cidade quando quisesse. Era perigoso demais e eu já estava com a corda no pescoço.
-Tenente, posso te fazer uma pergunta?
Perguntei enquanto eu estava sentada em minha cama, e Ghost analisava um dispositivo de GPS, andando para todas as direções do quarto.
-Pergunte.
-O senhor gosta de futebol?
Minha pergunta o surpreendeu, o fazendo parar de andar e se aproximar.
-Já gostei mais. Mas hoje em dia não tenho mais tempo para essas coisas.
-Você já foi a um estádio de futebol então?
-Old Trafford, sim.
-Torcedor do Manchester United? Sabia...-abri um sorriso-. Meu pai era hooligan do Liverpool.
Ghost franziu as sobrancelhas, surpreso.
Cruzei minhas pernas e olhei diretamente para ele, que estava em minha frente, de pé; só dessa forma eu conseguia ficar com a mesma altura dele.
-Não quis se juntar a briga com seu pai? -pela balaclava, consegui ver que ele abriu um pequeno sorriso.
-Quando ele se casou com a minha mãe, mudou. Meu pai encerrou a carreira de arruaceiro. -sorri-. Aposto que seu pai te levava muito para assistir partidas de futebol...
Ghost desfez o sorriso e desviou o olhar.
Será que fui indelicada demais citando seu pai? Para ele parece ser um ponto extremamente delicado de sua vida...
-D-desculpe! Quis dizer...por mais que meu pai levasse minha irmã aos jogos e eu recusasse os convites, sinto falta disso...eu deveria ter aproveitado as oportunidades.
-Quando tudo isso terminar, recruta...poderemos ir assistir a um jogo, o que acha? -ele falou, levantando o queixo.
Uma proposta irrecusável, Megan.
-Eu aceito. Não entendo absolutamente nada de futebol, mas será divertido.
Ele sorriu mais uma vez. Era satisfatório ver que Ghost estava se divertindo pelo menos um pouco comigo; me fazia esquecer momentaneamente dos problemas que nos envolviam.
Deslizei para fora da cama, indo até minha mochila e tirando meu caderno de desenhos. Ghost me observava atentamente.
-Tenho algo para lhe mostrar, tenente.
Me sentei em sua cama e ele fez o mesmo, guardando o dispositivo que tanto analisava, no bolso.
Concentrei toda a coragem que tinha para mostrar a ele os desenhos que eu havia feito até então. Desenhos, alguns incompletos e rascunhos faziam parte das páginas.
-O que eu tenho de tão misterioso? -ele me olhava curioso.
-Seu rosto, tenente. -respondi, rindo-. Todos querem vê-lo, e eu estou inclusa.
Ele não respondeu nada, apenas soltou um breve sorriso quando viu um rascunho onde eu imaginava como seria seu rosto.
Será que ele se reconheceu? 
-Você desenha muito bem, recruta.
Eu o agradeci, timidamente. Haviam tantas coisas a serem ditas que eu não sabia escolher.
-Obrigada novamente por tudo o que fez por mim, tenente. E-eu tive receio que você se machucasse na luta contra Graves...
-Não deveria se preocupar comigo, recruta. -ele tossiu e se levantou-. Melhor você ir dormir, teremos um dia longo amanhã.
-Certo. -concordei com a cabeça.
Ao deitar na cama para tentar dormir, vários pensamentos estavam martelando em minha cabeça e me impediam de descansar.
Graves tinha arrancado König da minha vida, me deixando com uma ferida aberta, implorando para ser cicatrizada. O trabalho, mas principalmente o tenente, faziam essa ferida se fechar lentamente, até me deixando relaxar e poder respirar mais aliviada. Por outro lado, a ação do comandante indiretamente me levou à uma nova reaproximação de Simon Riley, uma nova chance para isso acontecer e melhorar nossa relação pessoal.
Phillip Graves teria o que merecia, mesmo que isso não fosse da minha competência...pois a minha vontade mesmo, era ver Ghost quebrar de vez o rosto desse maldito norte-americano.
***
No dia seguinte, estávamos prontos para a missão. Capturar Mahed não seria algo fácil então todos nós deveríamos nos concentrar no que cada um faria; somente assim, em equipe, iríamos obter êxito.
-Mahed ficará na capital até o pôr-do-sol. Ele estará muito bem protegido, obviamente, então não poderemos levantar suspeitas. -Vargas disse, nos olhando-. Esse homem vivo vale muito mais para nós, lembrem-se disso.
-Ele não desconfia das nossas operações? -perguntei.
-Com certeza. Mas isso também nos dá camuflagem...nossa vantagem é que ele pensa que estamos correndo atrás dos comparsas dele. Quando na verdade, já estamos em sua cola. -ele respondeu, olhando para a foto do homem na mesa.
Mahed era um homem de baixa estatura sem muitas características que o faziam ser diferente dos homens locais. A única coisa que chamava a atenção, era seu bigode negro e grosso.
Soap, Gaz e alguns Los Vaqueros ficariam na cidade, observando a movimentação do local enquanto nos atualizam sobre nosso "peixe grande". Eu, Price, Roach, Ghost, Alejandro e o resto de sua equipe ficaríamos na avenida norte da cidade, uma rota normalmente pouco movimentada. Ali, nas areias, nossa tocaia seria armada contra Mahed e seus homens.
***
O sol já estava baixo quando o tenente posicionou o último dos cinco explosivos C4 ao lado da avenida. Ele os escondeu abaixo das areias, ao ponto de me deixar confusa, tentando procurá-los.
Alejandro e seus homens ficariam ao lado direito, enquanto nós quatro, no esquerdo. Estávamos todos de bruços, e minha barriga já estava começando a doer.
-Eu detesto calor. -resmungou Roach-. Prefiro a neve, não dói tanto quando ficamos deitados.
Price olhava atentamente para a avenida em seu binóculo.
-Eu gosto de calor e detesto neve. -abri um sorriso.
-Você com certeza não é inglesa. -Roach respondeu.
-Gostaria de morar aqui? -perguntou Ghost, sem desviar a atenção da avenida.
-Não exatamente, senhor. Mas eu adoraria curtir umas férias no Havaí, é meu sonho. Praia, sol, calor...
Roach balançou a cabeça. Certamente para ele, eu estava descrevendo o inferno.
-Bravo 0-7, na escuta? -Soap disse no rádio, chamando a atenção de Ghost.
-Prossiga, Bravo 7-1.
-Estamos em um bar aqui, esperando nosso amigo ir embora.
-E seus homens? -perguntou Price.
-Parecem bêbados...um deles está segurando uma maleta. Mas Mehed está um pouco nervoso com alguma coisa, resmunga coisas no celular toda hora.
-Os negócios não vão nada bem. -completou Ghost.
-Irei atualizando vocês.
Antes que Soap terminasse a transmissão, Gaz se pronunciou.
-Bravo 0-7 é melhor você resgatar seu "Johnny" aqui. É a terceira vez que ele perde nas cartas comigo.
-Uh, droga. Bravo 7-1, desligo.
Eu achava fofo quando Ghost chamava Soap de "Johnny". Claramente os dois tinham uma ligação de amizade muito forte.
Depois de alguns minutos, Soap fez contato com Price
-Bravo 0-6, nosso homem acabou de sair. Ele estará no carro do meio.
-Bom trabalho, Bravo 0-7. -Price respondeu-. Mais quinze minutos.
Foram os quinze minutos mais longos de toda a minha vida, olhando pela lente da minha AUG.
Quando três carros se aproximaram, Ghost esperou e então acionou os explosivos C4, jogando areia para todos os lados e bloqueando nossa visão parcialmente.
O primeiro e o último carro capotaram, e o veículo do meio não conseguiu fugir. Desse carro, três homens saíram armados com os sobreviventes das explosões, facilmente neutralizados pelos Los Vaqueros.
Depois de alguns segundos, um outro homem saiu do veículo: Mahed, que se rendeu para Price.
-Recruta, vasculhe o veículo. -ordenou o Capitão.
Mahed tentou protestar em um inglês arrastado, mas calou-se quando Ghost se aproximou dele.
O carro era luxuoso, blindado, com bancos de couro e extremamente cheiroso. Não encontrei nada no porta-malas então segui para o seu interior.
No banco do passageiro estava a maleta citada por Soap, mas bloqueada por um código com números.
E, no porta-luvas estavam alguns envelopes, que pareciam ser documentos importantes.
Não consigo entender nada pelo idioma escrito...mas parecem ser manifestos ao povo comum de Sakhra e do Urziquistão.
-Aqui, capitão. -mostrei a ele a maleta e os documentos.
-Qual a senha? -Price perguntou a Mahed, que apenas balançou a cabeça-. Não importa, iremos descobrir. Sobre isso...-Price pegou os documentos-. Farah, nossa antiga amiga, irá nos ajudar. Belo trabalho, pessoal.
Respirei aliviada.
Deu certo, finalmente uma missão onde não estraguei tudo...você conseguiu, Meg!
As coisas estavam seguindo bem; foi quando alguns veículos militares norte-americanos se aproximarem de nós.
Ah, não...
Os homens desembarcaram, indo até nós. O grupo, era liderado por Phillip Graves.
-Capitão Price. -ele o cumprimentou-. Vejo que conseguiram pegar o Senhor da Al-Qatala.
-Em partes...ainda haverão subordinados dele por aí.
Pedi para que o tenente Ghost fosse comigo até uma área um pouco afastada dos outros.
-Não sabia que Graves iria vir aqui. -falei.
-Isso ainda faz parte da jurisdição deles, recruta. Nós limpamos o mundo e os Estados Unidos ficam com os créditos.
-Não é nem um pouco justo, senhor.
-Se queremos justiça, recruta, temos que fazê-la. -ele pegou seu fuzil com apenas uma mão e o apoiou no ombro.
Apenas concordei com a cabeça, enquanto assistíamos Mahed ser transportado para longe em posse da Shadow Company.
***
Depois de um banho longo e frio, pude sentir que meu corpo realmente relaxou. Nada me dava mais satisfação do que ver a água escorrendo e limpando minha pele pouco a pouco.
Ao chegar em meu quarto, o tenente já estava dormindo com a respiração pesada. Peguei a bolsa para arrumar minhas coisas, e lá no fundo, estava um pequeno álbum de fotos polaroid.
Soltei um sorriso quando me lembrei da minha antiga máquina polaroid branca, que ganhei de aniversário de treze anos, e registrei tantos momentos com ela...
No álbum estavam fotos minhas com minha irmã enquanto estávamos praticando slackline, fotos do meus bolos de aniversário, outras da minha formatura na escola de cadetes...
São essas coisas que me trazem ao mundo simples e sem complicações da minha família. Mas esse mundo não me pertence mais, não faço parte dele; minha missão é protegê-lo.
O tenente acordou com o barulho do meu choro, e eu me amaldiçoei mentalmente.
-Aconteceu alguma coisa, recruta? -ele se levantou e se sentou ao meu lado, se encostando na parede.
-Desculpa, tenente. -enxuguei minhas lágrimas com as mãos-. Não queria acordá-lo. Eu apenas estava vendo um antigo álbum de fotos que trouxe comigo.
-São seus pais? -ele apontou para uma foto.
-Sim. Meu pai Joe, minha mãe Lauren e aqui...-virei uma página-. É a minha irmã mais velha, Emily. Sinto falta de que meu maior problema seria quem iria ter o maior pedaço do bolo de chocolate...
Ghost deu uma breve risada.
-Foi aqui que eu nasci. -continuei-. É a propriedade em Lowestoft dos meus avós. Uma casa no campo, grande e linda em frente à praia...eles não estão mais vivos, minha tia cuida do local.
Ghost ficou sombrio quando viu uma foto minha com meu pai em Lowestoft, na praia.
-O meu pai era um merda. -ele murmurou-. Homem perverso, sádico...fez meu irmão e minha mãe irem direto para o poço.
Eu nunca imaginei que ouviria algo tão pessoal do tenente Ghost. Sua voz não era carregada de dor...era a voz de alguém que tinha superado algo muito forte. Muito além do que eu poderia imaginar.
Eu o observava, o encorajando em continuar.
-Quando obtive uma licença da Força Aérea, voltei para casa e então pude expulsar meu pai e ajudar minha mãe e meu irmão, Tommy. Trabalhei duro para ajudar ele a se recuperar das drogas...e consegui.
-Isso é ótimo. -sorri.
-Ele até chegou a se casar e ter um filho, Joseph. Fiquei muito orgulhoso dele...só que então tudo isso foi arrancado de mim. Um dia, decidi visitá-los e todos...todos, até mesmo Joseph estavam mortos.
Seu olhar estava cheio de fúria.
-Mas fiz o responsável pagar por isso, e bem caro. -Ghost olhou para o lado, e viu que eu estava o acompanhando atentamente-. Droga, não quis estragar seu momento...-ele murmurou olhando para minhas fotos.
-Não se desculpe, tenente. Obrigada por compartilhar isso comigo, de verdade.
O tenente ainda parecia um pouco perdido e até chateado por "estragado" meu momento de lazer.
-Eu tenho muito orgulho em tê-lo como meu superior, tenente. Você é uma pessoa boa.
Em um ato inesperado, peguei em sua mão da mesma forma quando ele havia brigado com Graves. Seus dedos apertaram suavemente minha mão como resposta.
Seu aperto significava carinho, e acima de tudo, confiança.

Don't Let Me Down.Onde histórias criam vida. Descubra agora