Alívio imediato

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Emily era com certeza a melhor irmã mais velha do mundo. Por mais que nós duas tivéssemos desavenças, sempre buscamos soluções.
Nós desde pequenas éramos diferentes. Emily era alta, com pouco mais de 1,70, sempre bem vestida e cabelos pretos na altura dos ombros, a elegância em pessoa. Nunca dispensou saltos altos e maquiagem; inclusive foi com ela que descobri o quanto eu detestava tudo isso. E mesmo com todas essas diferenças, aprendemos a respeitar nossos limites.
Quando disse que gostaria de seguir na área militar, foi ela quem me deu total apoio. Meus pais estavam hesitantes no começo enquanto Emily queria saber como eu havia chegado nessa ideia.
Não queria voltar atrás, afinal eu já tinha meus objetivos bem claros em mente. Tudo estava tão bem arquitetado que não tinha chance alguma de dar errado. Mas, pelo jeito, eu havia calculado errado toda a minha vida.
Quando contei tudo o que havia acontecido comigo nos últimos tempos, ela ficou chocada. König, Graves, o ferimento na minha perna, o tiro que levei...o tenente Ghost e tudo o que eu havia feito por ele, foi tão pesado de lembrar.
-Nem consigo imaginar sua dor. -Emily tocou suavemente meu curativo enquanto me olhava preocupada-. Eu te ajudo no que for necessário.
-Estou bem, sério...-me sentei novamente e ela fez o mesmo-. Na verdade a pior parte é pensar o porquê fiz isso.
-Ingrato do cacete. -Emily balançou a cabeça-. Você é uma pessoa boa demais para esse mundo, Meg.
Abri um sorriso bobo e tímido.
-Nossos pais não sabem que eu estou aqui, será que você poderia guardar segredo por enquanto? -desviei o olhar.
-Claro, não se preocupa. -ela sorriu-. Sei o quanto você ama esse trabalho e o quanto deu duro para chegar onde estava... mas fico feliz de verdade por te ver agora, aqui, segura comigo.
Não pude evitar de cair em seus braços de novo, mesmo o sofá sendo pequeno demais para nós duas.
-Mas você hein, Meg...-ela falou enquanto passava os dedos pelo meu cabelo-. Você não é nada lenta. No meio da guerra e ainda teve tempo para transar...
Dei uma risada travessa. König havia me deixado com tanta vontade que não conseguia me manter parada, mesmo estando em uma zona de guerra. Era algo completamente errado e eu sentia uma pontinha de arrependimento.
-E passou muito rápido. Às vezes me pergunto como seria se tivéssemos continuado com nosso lance...
-Ai, Meg, sem essa. -ela me ajeitou no sofá-. Não iria dar muito certo, e esse lance de namoro à distância é tão brega...-ela revirou os olhos-. Você mesma me disse que seria difícil, afinal ele é de outro país.
-É mesmo. -suspirei-. Meu grande problema é imaginar coisas que jamais existirão. Esse foi meu maior erro com Simon.
-Deixa ele pra lá, tudo bem? Você fez o que fez e pronto, se Simon não gostou, o problema é dele. Eu hein, cara estranho.
Quando fui respondê-la, Emily me interrompeu.
-Agora, senhorita Taylor. -ela me levantou pelas mãos-. Você vai tomar um banho BEM quente enquanto eu arrumo suas coisas no quarto de hóspedes. Sério, você está cheirando a homem. E irmã... você precisa urgentemente de uma boa skincare. Sério, pele queimada, algumas espinhas...
-Emi!
-Ué? Sou a Taylor mais sincera de nossa família. Inclusive, tenho tantas novidades para te contar...você nem vai acreditar.
Enquanto subia os degraus para o segundo andar, em direção ao banheiro, não conseguia parar de sorrir. Flashes da imagem de Ghost ainda surgiam em minha mente, me trazendo dor, mas eu tentava ignorá-lo.
Apenas quero ter um banho relaxante. Vamos lá, mente, me ajude. Quero um tempo para mim enquanto desligo meus pensamentos do mundo exterior.
***
Emily e eu estávamos fazendo o jantar enquanto ela me contava as mais diversas fofocas da família Taylor. Ouvir ela contar sobre esse tipo de problemas me fez sentir mais sensível e "normal". Afinal, eu nesse momento eu não deveria me preocupar em desviar de uma bala ou estar no meio de um campo minado.
Eu havia esquecido o quão diferente era esse mundo. E, estar fazendo uma lasanha com a minha irmã, depois de tanto tempo, parecia tão animador e me fazia esquecer minhas dores. Não era como uma anestesia ou a morfina, mas uma dose da pura realidade diária da minha antiga vida.
-Tenho piores para te contar, se prepara. -disse ela enquanto colocava a lasanha no forno-. Se lembra da nossa prima Esme?
Desviei o olhar, tentando puxar minhas memórias.
-Aquela que se casou com um multimilionário alemão? -olhei para ela, pensativa.
-Exatamente. O marido dela a flagrou com outro homem na mansão dos dois. Dizem que ele já estava desconfiando há algum tempo, mas...-ela deu de ombros-. Os dois se separaram e Esme está tentando correr atrás do prejuízo, já que perdeu todas as suas regalias. Uma verdadeira tonta...
-Quem diria. -levantei as sobrancelhas-. Sempre tive um pouco de inveja dela...
-Você não tem inveja dela, tem inveja do dinheiro que ela tem. Ou que tinha, né...-ela me interrompeu rindo-. Ah! Tem nosso primo Beau também. Aquele com quem você brigou na infância!
Dei uma risada lembrando do ocorrido. Beau era mais velho que eu e extremamente chato; era inacreditável como ele gostava de me chatear quando éramos crianças.
Na fatídica briga citada por Emily, Beau tinha quebrado o meu skate. Quando descobri que havia sido ele, joguei seu celular recém-lançado na água. Nós nunca mais nos vimos desde então.
-Impossível esquecer.
-Se você entrar no Instagram dele agora, vai ver que sua vida é tão perfeita. Viagens, férias, o casamento dos sonhos com dois filhos lindos. Só que eu ouvi dizer que ele desviava dinheiro de onde trabalhava e aí, já viu...-ela revirou os olhos-. Pelo jeito, toda a nossa família precisa se benzer.
Impossível discordar disso.
Fomos surpreendidas pela campainha tocando. Emily então olhou no relógio na parede, colocando a mão na testa.
-Nossa, eu me esqueci completamente. -ela me olhou-. Você chegou aqui e eu esqueci que tinha convidado o Luis para jantar.
-Quem? -abri um sorriso-. Se eu estiver atrapalhando...
-Não, claro que não! Você vai ficar aqui e não vai sair. -Emily foi até a porta e a abriu, fazendo o homem entrar.
Ele entregou uma pequena caixinha de chocolates para a minha irmã, que ficou muito feliz.
-Luis, se lembra da minha irmã, Megan? -ela gesticulou para mim, e ele se surpreendeu-. E você, Meg, se lembra dele?
Eu o olhei por alguns segundos e então reconheci o antigo namorado de Emily. O porto-riquenho mais encantador que eu já havia conhecido.
-Claro que eu me lembro dela. -disse Luis, sorrindo-. A última vez que eu te vi você ainda era uma criança!
Concordei com a cabeça, sorrindo. Luis e Emily namoraram há anos atrás, mas ele então teve que voltar para a sua família em Porto Rico e a deixou, em um fim quase traumático de relacionamento.
-Emily me contou que você está no exército. -ele continuou.
-É, eu estou...digamos que tirei uma pequena licença. -dei um sorriso sem graça-. E você? Quando voltou?
-Há pouquíssimo tempo atrás. Sou professor de dança latina aqui.
Percebi que ele havia mudado em alguns aspectos. O cabelo estava em um corte militar baixo e seu corpo era atlético; ele sempre foi muito vaidoso nesse aspecto. Mas algo não estava nem um pouco diferente: as roupas coloridas e alegres que o lembravam de suas raízes latinas. Quando eu era criança, adorava tentar adivinhar qual seria a cor da próxima camisa que ele iria para a nossa casa.
-E a lasanha está pronta! -Emily anunciou depois de um tempo.
-O cheiro está ótimo...-disse Luis, seguindo a.
***
-Hm, não tinha como ficar ruim. -levei uma bela garfada para a minha boca.
Estávamos na mesa, o casal sentou em minha frente enquanto eu ficava do outro lado. Observar os dois interagindo era uma coisa saudável.
-Claro, fomos nós duas que fizemos. -Emily piscou-. O que achou, Luis?
Luis estava tão focado em seu prato que nos olhou com a boca cheia, nos fazendo rir.
-Tão cavalheiro...-Emily sorriu, irônica-. Deveríamos ter feito uma sobremesa.
-Cookies? -sugeri.
-Olha, é uma boa opção. -ela ficou pensativa.
-Vocês vão cozinhar ainda? Quero ajudar!
Luis disse bem animado, depois de terminar seu prato. Ele parecia bem satisfeito e feliz por estar conosco.
Emily se mostrava alegre com ele, e eu não tinha palavras para demonstrar a minha felicidade em relação aos dois. Foi um pouco difícil na época para a minha irmã superar a volta de Luis ao Porto Rico, mas depois de todos esses anos, eles ainda se reconectaram, de alguma forma.
O amor nunca morre.
Estávamos nos divertindo fazendo os cookies quando Luis decidiu dançar com um ritmo musical envolvente.
-Que músicas diferentes. -estranhei, ouvindo.
-É bachata. -ele respondeu, sorrindo-. Vem Emily, aceita uma dança comigo?
-Nunca vou recusar, mi amor.
Ouvir ela falando em espanhol me fez sorrir enquanto observava os passos lentos e até sensuais dos dois nesse ritmo.
Incrível como esses dois são ligados. Consigo sentir a energia desse amor irradiar de seus corpos. Minha irmã é tão sortuda...
Terminamos nossa noite, onde grande parte dela foi eu ter comido cookies enquanto via meu casal favorito dançar como se não houvesse amanhã.

Don't Let Me Down.Onde histórias criam vida. Descubra agora