Pressão

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O capitão Price e sua equipe não tinham palavras para descrever o quanto se sentiam culpados por terem me submetido a tal "trabalho". Depois do êxito na missão, veio o peso em suas consciências.
-Sério, está tudo bem. Não foi a coisa mais confortável do mundo, mas está tudo certo, capitão. -respondi a Price, que parecia preocupado.
-De qualquer forma, nos desculpe novamente. Não queria que você tivesse feito isso, é humilhante.
-Já passou e conseguimos o que queríamos, capitão. -me sentei em sua frente, o tranquilizando-. Foi nojento? Foi sim...queria ter dado um soco naquele idiota, mas lembrei que vocês fariam bem pior.
-Valeu a pena. -ele respondeu-. Tiramos várias coisas dele. -Price deu uma risada enquanto pegava um charuto na gaveta.
A ideia, a princípio, me incomodou muito, é verdade, mas quando ouvi Addy dizer que tinha feito pior, isso não saía da minha cabeça; e recusar isso parecia egoísmo. No fim das contas, por mais nojento e asqueroso que fosse aquilo, não se equiparava a levar um tiro ou ser torturado, ou mesmo sequestrado, como é o caso do capitão.
Quando saí de sua sala, vi uma movimentação intensa na parte dos aviões.
-O que está acontecendo? -perguntei para um soldado que estava andando pelo local.
-Ah, os chucrutes estão indo para casa. Finalmente, não aguentava esses caras...
O soldado continuou falando, mas eu não o ouvia. Meus lábios tremeram, pois eu sabia o que isso significava.
Os alemães...König!
Entre as várias pessoas que estavam ali, eu passava me esquivando delas; encontrar König não seria uma tarefa difícil, dada a sua altura...
-Megan.
Uma mão me puxou para fora da multidão e era ele, sombrio e com os olhos perdidos.
-König, o que está acontecendo? -perguntei preocupada. Os soldados alemães estavam colocando suas bagagens para dentro de um avião de seu exército.
-Estamos partindo...
Sua voz estava cortada, carregada de emoção e dor. Seus punhos se fecharam e ele bufou, olhando para os lados.
-Mas ninguém avisou nada...como assim?
-Ordens recebidas de madrugada. Fui avisado quando cheguei aqui...me disseram que os Estados Unidos mexeram os pauzinhos e nos tiraram disso.
Os Estados Unidos...Shadow Company...?
-Será que foi o Graves? Depois do que eu fiz com ele...
-Ele iria tirar um exército da guerra por um soco? -ele me encarou-. Se esse cara fizer algo com você...
-Eu feri o orgulho dele. É isso. E ele deve ter achado alguma brecha na lei ou...sei lá. Desculpa König...-me encostei na grade atrás dele-. Eu não sei nem o que falar, não esperava por isso.
König estava extremamente chateado.
-Eu apenas queria te dizer que...não esquecerei os momentos que passei com você. -ele colocou uma mão em meu queixo e o acariciou.
Não tinha o que eu fazer. Eu não poderia gritar ou dizer que isso não aconteceria. Já tinha deixado amigos para trás na Polônia e na Ucrânia, mas agora era diferente, pois envolviam sentimentos...
Pedi para ele esperar um pouco enquanto ia rapidamente pegar minha mochila, tirando meu caderno de desenhos, e como um relâmpago, voltei.
-Já que vai ser isso...quero que se lembre de mim. -tirei o desenho que eu fiz dele e o entreguei. König o olhou por alguns segundos, agradecendo, mesmo que chateado.
Ele arrancou a bandeira austríaca que tinha em um dos seus braços, colocando em minhas mãos.
-Agora teremos algo para nos lembrar um do outro.
König me abraçou e levantou um pouco seu capuz, depositando um beijo no topo de minha cabeça.
Eu o vi olhar para trás enquanto pegava suas armas e bagagem, entrando no avião e indo embora com seus companheiros. Enquanto a porta não se fechava, König não conseguia evitar em me encarar.
Eu olhava o pequeno pedaço de tecido em minhas mãos, enquanto as lágrimas não paravam de surgir. Tentei me controlar, olhando para o horizonte árido; as areias sugavam almas ali.
Os sons de botas se aproximando me vez virar e limpar minhas lágrimas. Phillip Graves me olhava sorrindo.
-Seu amigo foi embora. -ele apontou para o avião que estava no céu-. Farei da sua vida, um inferno. -ele sussurrou com um sorriso malicioso.
-Você não vai tocar em mim...-apertei a bandeira em minha mão.
-É uma pena. -ele apontou para minhas lágrimas-. Você tem um rostinho tão bonito, mas ficar triste dessa forma...
Quando vi Ghost se aproximando de nós, desviei o olhar e saí do local, indo diretamente para a minha barraca, sem pensar duas vezes.
***
A tristeza pela partida de König se misturava com a raiva que eu sentia de Phillip Graves. Meu coração pesava uma tonelada: esses eram os momentos em que eu mais sentia falta de minha irmã; ela me abraçaria e ouviria tudo o que teria a dizer enquanto enxugava minhas lágrimas. Eu já deveria saber que as coisas nunca seriam tão fáceis...
Antes de guardar cuidadosamente o presente de König, o apertei em minhas mãos, pensando em tudo o que fizemos.
Eu o adorava. Me sinto como uma adolescente que foi para uma colônia de férias, conheceu um rapaz, mas sempre chega a hora de voltar para casa, o que é mais doloroso...mas, eu sabia que esse tormento iria passar, pois, por mais que eu gostasse de König, eu tenho trabalho a fazer...me sinto um monstro sem coração por estar mais anestesiada do que deveria...
Eu precisava arrancar a fúria que tinha em meu corpo, ou isso poderia prejudicar minha equipe, que nada tinha a ver com isso.
Ir para o estande de tiro era uma ótima opção; a única parte negativa era que eu não poderia escolher Phillip Graves como meu alvo.
Ao colocar meus óculos e fone de ouvido, fiquei alheia a todos os soldados que também estavam ali, rindo e se divertindo enquanto praticavam. Decidi pegar uma pistola, pois já estava acostumada com seu peso.
Acertar o alvo com ela era relativamente simples e sem muitos desafios, afinal, tinha passado anos e anos praticando com esse tipo de armamento que era como se já fizesse parte do meu corpo.
Não, eu preciso de mais.
Fui até o armário das armas, tirando uma AUG com alguns pentes de munição. Esse rifle tinha sido meu companheiro na Polônia, e, mesmo depois de tanto tempo, ainda me sentia um pouco enferrujada.
Os disparos rápidos foram incertos e perdidos, fazendo eu chamar a atenção. Apertei com minhas mãos e pressionei a arma contra meu ombro, diminuindo significativamente seu recuo, porém, machucando minha pele.
Que porra...
Devolvi a AUG ao seu lugar, e desta vez, peguei uma shotgun, fazendo um homem se levantar e ir até mim.
-Cuidado com isso. -ele me olhou surpreso.
Eu estreitei meus olhos, sem responder nada e voltando ao meu local. Era o mesmo modelo de shotgun que König estava tentando me ensinar, e seu peso fazia meu corpo vacilar.
Vamos lá, eu consigo, vamos lá...
Respirei fundo e fechei meus olhos, ignorando as pessoas atentas aos meus movimentos. Quando abri meus olhos, uma mão estava em cima da shotgun.
-Vai quebrar seu ombro com essa arma, recruta.
Ghost olhava o alvo perfurado enquanto tirava seus óculos escuros.
Ele falou como o König...
-Tenente.
Bati continência com uma mão, enquanto segurava a arma com a outra, dificultando meu equilíbrio. Os soldados que me olhavam foram dispensados por Ghost.
-Sou péssima com shotguns, como o senhor pode ver...-entreguei a arma a ele, que a carregou com facilidade.
-Tudo requer treino e um pouco de paciência. -ele afirmou, deixando a arma no balcão. Tirei meus óculos e fone, olhando para o alvo.
-Eu, hã...-ele continuou, com certo receio-. Gostaria de dizer que nós não concordamos inicialmente com aquela ideia ridícula de Addy. Ela insistiu muito e não sabíamos o que você ia pensar, recruta.
-Está tudo bem, tenente. -respondi rapidamente-. Prefiro pensar que isso já passou e eu fiz minha parte.
-Você não ficou chateada conosco?
A pergunta dele me fez voltar à realidade. Quando Ghost começou a se importar tanto comigo?
-Não, tenente. -dei um breve sorriso-. Eu estou bem. Obrigada por se preocupar.
Ghost desviou o olhar e comentou rapidamente sobre König e a saída do exército alemão.
-Foi o comandante Graves que fez isso, senhor.
-O que te faz pensar nisso?
-Tudo. Graves quer as coisas apenas ao redor de si...e eu o feri, como você sabe.
-Isso é um problema que vocês dois devem resolver, recruta. -ele cruzou os braços-. Somos aliados nessa guerra, e...
-Olha, tenente. -o interrompi-. Várias coisas aconteceram entre eu e Phillip Graves. Não relato pois acho besteira encher a cabeça dos meus superiores com coisas supérfluas...
Ghost franziu o cenho.
-É seu dever me relatar tais coisas. Sabe disso.
Respirei fundo antes de começar a falar.
Contei tudo ao tenente: desde as cantadas sem graça até as ameaças, e como eu suspeitava dele no caso do meu drone. Eram acusações graves e quase sem fundamentos, mas eu confiava o suficiente em Ghost.
-Não sabia que você tinha passado por essas coisas. -ele balançou a cabeça-
-Ele me ameaçou, tenente. Graves parece ser o tipo que late mas não morde...ele não faria nada comigo. Não com vocês por aqui. -corrigi-. Sobre o exército alemão...nós sabemos o quanto os Estados Unidos tem peso em sua influência.
Ghost apenas concordou com a cabeça, analisando o que eu havia falado. Meus olhos vagavam pelo local e eu não sabia o que fazer. Ter contado tudo ao tenente me tirou um peso enorme dos ombros e da consciência, me fazendo sentir mais segura.
-Não se preocupe, Megan. -Ghost enfim me olhou-. Não deixarei Graves chegar perto de você.
Suas palavras fizeram meu coração disparar e minhas bochechas ficarem vermelhas. Ghost não falou como meu superior, mas sim como um amigo...
Foi a primeira vez que ele me chamou de Megan...
-O-obrigada, tenente Simon.
Ter pronunciado seu nome o fez ficar envergonhado, e ele engoliu a seco, se despedindo de mim com um breve aceno.
Será que eu fiz certo em tê-lo chamado pelo seu nome? Tenho receio em ter passado um pouco dos limites...droga, Megan! Você não faz nada direito!
***
À noite, fui informada que seríamos transferidos para a capital do Urziquistão, Sakhra e iríamos nos reunir com Vargas e os Los Vaqueros. Finalmente eu teria um pouco de sossego em relação a Graves, e iria me desvincular quase totalmente dessas cidades amaldiçoadas que fiquei nos últimos dias.
Eu havia arrumado minhas coisas na mochila quando percebi alguns soldados correndo e se juntando para ver algo.
Me juntei aos soldados que ali estavam, e percebi o motivo de toda agitação: o tenente Ghost lutava no chão com o comandante Graves enquanto muitos assistiam, sem saber o que fazer; logicamente alguns deles se divertiam.
Ghost estava sem luvas e vestia um moletom cinza casual, enquanto Graves estava com seu traje habitual. Eu queria ajudar meu tenente de alguma forma, mas e se...
Graves então se virou e ficou por cima de Ghost, que parecia ainda mais furioso. Mas o comandante não queria ganhar a luta que estava muito acirrada, e sim, humilhar Ghost. Por isso, dominou o tenente enquanto tentava retirar sua balaclava, fazendo Ghost se defender, quase que inutilmente.
Droga, cadê o Soap e o capitão?! Merda, merda, merda...
Graves teria sucesso em sua tentativa, e todos que estavam ali sabiam disso. De alguma forma, os soldados iriam adorar ver o rosto do misterioso tenente Ghost.
Quando percebi que a balaclava do tenente começou a subir, reuni forças de onde não tinha e respirei fundo, mesmo com meu corpo tenso.
Vamos lá, se eu consegui dar um soco nele, consigo fazer mais...mas eu não tão forte! Só que se eu não fizer nada, todos só ficarão assistindo...
Dei alguns passos para trás antes de, com as duas mãos, empurrar o corpo de Graves, fazendo-o desequilibrar e largar Ghost, que deitado no chão, respirava com certa dificuldade.
-Levanta, tenente...-murmurei enquanto tentava erguer seu corpo.
Alguns soldados da Shadow Company se juntaram e ajudaram Graves. Seu rosto estava vermelho de raiva (mas também pelos socos levou).
Eu ajudei Ghost a se erguer e ele arrumou sua balaclava, que mostrou apenas seu queixo e lábios. Ele tinha uma barba bem baixa.
O tenente tem a pele bem clara, então a vermelhidão em suas mãos ficou bem destacada.
Quando Graves deu alguns passos em nossa direção, Ghost colocou seu braço em minha frente, me protegendo e impedindo de fazer qualquer coisa.
-Você...-O comandante me olhou, resmungando.
Nesse momento, Soap, Gaz e Price chegaram, ficando ao nosso lado. O capitão estava sem acreditar no que via.
-Mas que porra aconteceu aqui?! -Price falou, nervoso.
-É melhor colocar o cachorro na coleira, Price. -Graves falou enquanto mexia seu ombro. Percebi que o tenente iria avançar, mas segurei sua mão, o impedindo.
Sua mão quente e calejada me fez arrepiar. Nunca tinha me aproximado tanto do tenente antes, mas eu já não pensava, apenas agia. E, ele não tirou a mão de meu aperto.
Ficamos ali, sem dizer nada: a Task Force 141 frente a frente com a Shadow Company, quase como duas gangues, enquanto a turba nos olhava em silêncio.
Ninguém ousava dizer nada.
Teríamos muito a explicar para Price, e, o tenente me deveria respostas, de certa forma.
Ir para Sakhra resolveria grande parte dos nossos problemas agora...

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