Túneis

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Mais um dia, mais um prato de comida foi empurrado pelo vão abaixo da porta. Ao olhar para a refeição, virei o rosto e balancei a cabeça.
Parece ração militar misturada com restos de lixo. Prefiro morrer de fome...
Meu corpo ansiava por comida, mas eu me recusava, tentando me acostumar apenas com água.
Eu não poderia ter certeza se a comida estava envenenada ou algo tipo; mas se Phillip Graves quisesse me matar, ele usaria armas... de verdade. De qualquer forma, eu me sentia exausta e precisava dormir por pelo menos um dia inteiro para conseguir me recuperar de verdade.
Minha mente tentava processar tudo ao redor e eu não sabia mais se tinha algum tipo de plano. Eu precisava encontrar uma forma de sair do lugar e falar com a minha equipe; mas, precisava mais ainda encontrar o coronel Vargas.
Olhei para a grade do duto, pensando e refletindo se eu realmente ia fazer isso.
Porra. Eu deveria ter ouvido minha mãe e ter sido professora como ela, acho que não teria tantos problemas...
Respirei fundo indo até a estante das gavetas, procurando pela chave de fenda, que estava bem ao fundo de uma.
Apertei o cabo, sem acreditar que eu realmente ia fazer isso.
Certo. Se eu conseguir subir e cair? Graves vai me matar. Se eu conseguir rastejar pelos dutos e Graves me ver? Ele vai me matar. Se eu conseguir rastejar pelos dutos, e ver que eu não estou no quarto? Ele vai me matar. Eu realmente não tenho nada além dessas opções, mas se eu ficar aqui no quarto sem fazer nada, me sentirei uma inútil... argh.
Balancei a cabeça, tentando silenciar as vozes da minha consciência.
Subi na cama, e com certa dificuldade, consegui retirar os quatro parafusos e então remover a grade, que com muito cuidado coloquei no chão.
Sem barulhos, Megan.
Me equilibrei e subi no duto, ficando de maneira desconfortável de bruços. Com a chave de fenda na mão, fui me rastejando devagar pelo duto.
Pelo menos não está quente...
Depois de virar à esquerda, pude ver mais uma grade como aquela do meu quarto. Ao observar mais de perto, um homem estava sentado no chão.
Coronel Vargas...
Seu quarto tinha a iluminação ainda mais precária que o meu, dificultando a visão.
-Ale...-sussurrei, esperando que ele me ouvisse, mas sequer desviou o olhar.
Dei leve batidas com as pontas dos dedos na grade, que o fez olhar para os lados.
-Aqui. -falei um pouco mais alto.
Alejandro se levantou e foi até a grade, sem entender.
Esqueci como ele poderia ser tão alto...
-Megan...? -ele sussurrou, confuso.
-Sou eu mesma, coronel...
-Achei que você tivesse fugido com os outros. -Vargas olhou para a porta rapidamente.
-Era o que o tenente Ghost ordenou, mas não deu tempo...-respirei fundo-. Precisamos sair daqui, coronel.
-Eu sei... mas nós dois, sozinhos, não iremos conseguir.
-Vou ver o que consigo por aqui, coronel. -fechei o punho-. Como você está?
-Bem...-ele mexeu o maxilar, com um pouco de dor-. Já tive dias melhores. E você?
Droga, machucaram ele...
-Com fome.
Minha resposta fez Alejandro soltar um breve sorriso.
-Tenho que ir, coronel. -olhei para frente.
-Tome cuidado por aí, niña.
Concordei e continuei meu caminho.  Desta vez, após virar à direita, era o fim da linha; no fundo havia apenas mais uma grade, por onde saía o som de vozes abafadas.
O que é aquilo...?
Vi um pequeno objeto no fim do duto, e quanto mais me aproximava, mais as vozes ficavam altas.
Quando cheguei ao fim, vi que o pequeno objeto estava enrolado em um papel branco com uma data e o nome "Javier Avila".
-Não quero saber!
Me assustei ao ouvir o grito de um homem. Olhei pela grade e vi Graves em uma espécie de sala de controle com seus soldados e... Mahed?! Estreitei os olhos para ver se minha visão realmente não estava me enganando...
Sim, é ele! O chefe da Al-Qatala que pegamos meses atrás... Mas o que Graves...
-É melhor você manter a calma, Phillip Graves. -disse Mahed-. Se eu cair, você também cai.
Mahed fala perfeitamente o inglês... Maldito.
-Calma...? Hm...-Graves riu-. Você é um incompetente desde o começo. Deixou aquela equipe medíocre destruir o VTOL e as UAV's que eu havia lhe entregado, e então...
-Se não me engano, fui capturado um tempo antes, comandante. Seu plano, lembra? -Mahed levantou as sobrancelhas.
Porra...! Então tudo aquilo havia sido uma armação?
-E quer que eu faça o quê?! Sente e espere? -Graves o olhava, furioso.
-É a única coisa que você pode fazer. -Mahed deu de ombros-. Saiba que estou me arriscando muito trazendo armas da Faixa de Gaza para você.
Meus olhos ficaram arregalados.
Armamento pesado...
-Nosso tempo está bem curto, Mahed. Não se esqueça disso.
Graves se virou, e nesse momento apertei o objeto que havia achado, un pouco confusa com todas as revelações de uma vez só.
Segurando o objeto e a chave de fenda fiz o caminho de volta o mais rápido possível enquanto tentava ser silenciosa também.
Deslizei para fora e coloquei a grade de volta, escondendo a chave de fenda na gaveta; sem nenhuma suspeita.
Certo... Acho que fui bem nessa "missão", ninguém nem sentiu minha falta.
Retirei cuidadosamente o papel que estava enrolado no objeto, revelando ser um pequeno gravador de voz.
Isso está estranho pra cacete.
Me sentei na cama, apertando o botão para começar a ouvir a gravação.

Meu nome é Javier Avila. Sou sargento... bem, era sargento da equipe do coronel Alejandro Vargas, os Los Vaqueros. Se você está me ouvindo agora é porque algo aconteceu comigo... e eu pressinto isso.
Cometi erros e me arrependo deles, mas fiz tudo pela família. Traí minha equipe, o coronel Vargas, minha moral... Tudo pelos meus filhos e minha esposa.
Bem, conheci Philip Graves meses atrás. De algum jeito ele soube que eu estava endividado e o pagamento pelos meus serviços nunca eram suficientes, então me fez uma proposta... uma proposta que para um homem em minha posição, era irrecusável: ganharia o dobro do meu salário apenas para repassar os dados a Shadow Company. Hm, ele não disse "Shadow Company", era apenas seu próprio nome... E assim o fiz: eu o ajudava em troca de dinheiro. Dinheiro sujo, sim... E agora me sinto o homem mais detestável do planeta. 
Mas Graves estava passando dos limites, e eu me sentia pior a cada dia que passava. Eu também fiquei no Urziquistão e vi quando aquela garota brigou com ele e quase se matou para salvar sua equipe das minas terrestres... Eu havia plantado essas minas na areia por ordens dele. Droga... Graves sempre teve esse contato com Mahed e criou essa identidade de "Hector Castillo" para desviar a atenção dos Los Vaqueros, e deu certo. Nunca houve chefe do narcotráfico, sempre foi Phillip Graves com seus esquemas... Possivelmente Juan Osorio sabia de tudo o tempo todo.
Eu sei, sou um homem horrível, e não posso pedir perdão ao coronel Vargas pois isso que eu fiz é imperdoável.
Apenas quero dizer que amo meus filhos e minha esposa... Me desculpem...

A gravação acabou, me deixando ali, reflexiva e com o queixo caído. Eu não acreditava no que estava ouvindo; era realmente a prova do envolvimento de Phillip Graves com terroristas urziques e narcotraficantes mexicanos.
Sempre soube que tinha algo de errado com o "honrado" comandante Graves, mas nada dessa gravidade... Como ele conseguiu nos enganar por tanto tempo? E ainda escondeu um terrorista como Mahed. Isso tinha passado do controle há muito tempo...
Olhei para o papel amassado que estava enrolado no gravador, e a data rabiscada era de três semanas atrás.
Deus...
Respirei fundo e escondi o gravador em uma das gavetas, escondido sob os diversos papéis.
Eu não sabia o que pensar ou no que me apoiar no momento. Apenas tinha o conhecimento de que os problemas eram muito maiores do que eu ou minha equipe pensávamos...

Don't Let Me Down.Onde histórias criam vida. Descubra agora