Seus contratos

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-E ela vai ficar bem? É um pouco idiota perguntar isso, mas...
Uma voz masculina soou um pouco longe dos meus ouvidos. Era impossível saber quem estava falando.
Não consigo me mexer...
Sentia cada músculo do meu corpo se acordar lentamente, e tudo estava tão estranho.
Movi as pontas dos meus dedos da mão direita, e tive a sensação de um lençol macio entre minhas digitais.
Onde eu estou?
-Vai sim, sargento. -uma voz feminina respondeu o homem-. Mas ela precisa ficar fora do front por um período.
-Com certeza. -pontuou o homem.
Lentamente abri meus olhos, como se estivesse dormindo por séculos. A claridade das lâmpadas brancas embaçou minha visão e apertei os olhos, tentando me acostumar com o brilho.
Depois de algumas tentativas, olhei ao redor do lugar. Várias camas com lençol branco e algumas pessoas nelas, e ass paredes em verde claro eram agradáveis aos olhos.
Respirei fundo, sentindo um desconforto desconhecido em minha pele. Movi a cabeça para os lados, e tudo continuava esquisito.
-Posso vê-la então?
-Claro.
Reuni então todas as forças que eu tinha, concentrando em minhas mãos.
Vamos lá...
Quando meus braços se equilibraram, senti uma dor aguda na lateral direita do meu corpo, dando um grito.
-Opa, opa, opa...
Um homem veio até mim e passou um de seus braços em minhas costas, e sua outra mão em minha nuca, me dando apoio e me deixando deitada novamente.
Coloquei a mão no local da dor e então me lembrei de tudo...
Eu levei um tiro...!
Olhei para o homem que se sentou ao meu lado direito, com o rosto preocupado.
-Você finalmente acordou. -ele sorriu.
Continuei encarando-o, só então me lembrei com quem estava falando.
-Sargento?...-sussurrei, colocando a mão na cabeça, ainda um pouco desorientada.
-Sim, sou eu, Meg. Você está na enfermaria da nossa base em St Asaph. -Soap acariciou meu braço com as pontas dos dedos.
Estou na Inglaterra...quantas coisas não devem ter acontecido?...
Eram os mesmos olhos azuis encantadores, o mesmo sorriso gentil.
-Você apagou por dois dias. -o sargento continuou-. Se lembra do que aconteceu?
-Eu levei um tiro...-toquei o ferimento, apertando os olhos.
-Pois é. Conseguimos tirar você e o Ghost do prédio...e você teve duas paradas cardíacas no avião. Foi assustador pra cacete.
O tenente!
-O tenente...cadê ele? Como ele está? -com certa dificuldade e ofegante, falei.
Soap não deixou de se surpreender pelo meu jeito afobado.
-Ele está bem, Meg. Tirando o fato que você salvou a vida dele mais uma vez e todas essas coisas...
Eu me lembro de tudo...
Foquei meu olhar na lâmpada acima de mim. Era tão estranho, tão anormal...eu não conseguia colocar meus pensamentos em ordem, todo o meu corpo se concentrava apenas na maldita dor que sentia.
Soap abriu um sorriso enquanto me encarava. Ele disse que sairia por alguns instantes e que iria comunicar as pessoas e os médicos que ali estavam de que eu havia acordado, e, que estava morrendo de fome. Pensar em ter sido alimentada por uma sonda pareceu um pesadelo...
***
Pude ter uma sopa como almoço. Nunca fui fã de sopas, o cheiro poderia até me dar enjoo, mas tive que resistir.
Na parte da tarde, pude me levantar com a ajuda de um enfermeiro, que me fez andar por toda enfermaria para sentir como meu corpo reagia aos passos lentos.
-Está indo bem. -ele comentou-. Melhor que o esperado.
Era um bom incentivo, no fim das contas; minhas pernas precisavam de um pouco de exercício, mesmo com a dor puxando e se focando para a ferida.
Consegui me estabilizar sentada na cama macia, e nesse momento Price entrou para me ver. Ele abriu um sorriso gentil enquanto ia até mim e tirava seu boné.
-Desculpe por ter demorado tanto para te ver. -ele se sentou ao meu lado, respirando fundo-. Como você se sente?
Eu o olhei gentilmente enquanto apertava o fino cobertor branco sobre meu corpo.
-Me sinto bem...mas já estive em dias melhores. -dei um sorriso sem graça, fazendo ele ficar surpreso.
-Você percebeu que levou um tiro, não é?
-Meio difícil não perceber, capitão.
-E ainda assim você mantém seu sorriso. -ele apertou minha mão, suavemente-. Você não existe, Megan.
O olhar de Price era afetuoso mas carregado de preocupação. Não tinha nem como imaginar pelo o que ele havia passado nos últimos dias, e como, de alguma forma, se sentia culpado.
-Eu fiz de novo, não é, capitão?...-murmurei-. Desobedeci suas ordens e coloquei todos em risco...
-Coragem é uma coisa que nunca irá te faltar. -ele me olhou, sério-. O que você tentou fazer, Taylor?
-Eu não conseguiria viver com a culpa de que o tenente Ghost iria morrer enquanto eu fugiria como uma covarde...-balancei a cabeça-. Ele...
-Megan...-Price sussurrou, enquanto fechava os olhos-. Você não pode fazer essas coisas...
Eu sei, capitão. Mas continuo fazendo tudo errado, e sendo uma ameaça a todos.
-Como está o tenente Ghost, capitão? -eu o olhei, suplicante por uma resposta.
-Ele está...em estado catatônico. Ghost se trancou em seu quarto e não sai, ele não nos atende.
Fechei meus olhos, me culpando. Eu tinha feito isso com o tenente, mesmo que indiretamente.
-Eu sinto tanto...-minha voz tremeu.
-Assim como você salvou a vida dele, ele também salvou a sua, Megan. -Price por fim se confessou-. Não teríamos tempo para te levar até um hospital, você não resistiria...então te trouxemos aqui, e como você tinha perdido muito sangue, os médicos verificaram os doadores compatíveis...e Ghost foi o único coincidente.
Meu corpo arrepiou com a notícia.
O tenente doou sangue para mim...minha imaginação vagava pensando em como ele estaria reagindo no momento.
-E-ele ficou preocupado comigo? -perguntei aflita.
-Se ficou? Ele te segurou no avião e quase implorou para ficar na sala de cirurgia...
Cada palavra do Capitão eram como tiros em direção ao meu peito. Eu jamais quis que o tenente passasse por tal situação.
-Eu queria vê-lo, capitão. -o olhei, desapontada.
Price hesitou por alguns instantes.
-Tentarei falar com ele, Megan. Não se preocupe.
Antes de sair, o capitão lançou um sorriso doce e amigável, me deixando sozinha com meus pensamentos.
Por que não sinto orgulho dos meus atos? Tudo o que eu faço é tão errado e imprudente...e isso sempre acaba sobrando para o tenente Ghost.
***
Para mim, não havia nada mais relaxante que ouvir o barulho de chuva. Com esse som, me deitei na cama, suspirando enquanto meus pensamentos viajavam.
Tudo parece tão horrível...tão desorganizado. Minha consciência está pesando uma tonelada e dormir parece uma tarefa impossível.
Fui surpreendida pelo tenente entrando silenciosamente na enfermaria e indo até mim, deixando um envelope branco na mesinha ao meu lado. Ele estava com o semblante cansado e sem óculos escuros. Mas desta vez, ele não usava apenas sua balaclava, mas sim uma máscara de caveira costurada nela. Era um pouco assustador.
-Oi. -ele começou, enquanto se sentava.
-Oi, tenente.
Frio.
Com sua nova máscara, ficava mais difícil ver seus olhos, mas mesmo assim captei suas expressões. Ghost estava focado em olhar apenas um ponto: meu ferimento.
-Que bom que deu tudo certo. -ele respirou fundo-. A bala atravessou seu corpo.
-E eu soube o que você fez por mim, tenente. -o olhei, pegando em sua mão e apertando.
Ghost olhou para as nossas mãos e abaixou a cabeça.
-Foi o que qualquer um aqui faria. -ele me olhou rapidamente e retirou bruscamente sua mão do meu aperto, me deixando surpresa com seu ato.
-Tenente, eu...
-Recruta, preciso conversar com você. -Ghost me interrompeu-. Quero que você leia esses documentos, é de extrema importância. -ele se levantou-. Te desejo melhoras, recruta Taylor.
Com apenas essas palavras secas, ele me deixou sozinha, sem entender nada.
O que aconteceu com o tenente? E aquela máscara...
Relutantemente peguei o envelope e o abri, retirando alguns papéis, de forma curiosa.
Quando li o título, meu coração acelerou e meus lábios tremeram. Sempre que eu ficava nervosa, sentia meu corpo todo gelar e tinha tremores constantes.

TERMOS DE TRANSFERÊNCIA PARA A ÁREA DE TECNOLOGIAS E ADMINISTRAÇÃO

Minhas mãos apertavam os papéis não de forma raivosa, mas frustrada.
Então esse era o recado que o tenente queria passar?...O que ele quer com isso?
Um relâmpago seguido por um trovão me assustaram enquanto eu caía em um abismo eterno.
Ghost e eu estávamos tão próximos, tão encantados um com o outro...nosso laço parecia tão poderoso...
Pelo menos, era assim que eu pensava.

Don't Let Me Down.Onde histórias criam vida. Descubra agora