Capital

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Parte de mim se sentiu aliviada por ter chegado em Sakhra e estar bem longe de Graves e seus soldados. Porém, Price não falava conosco enquanto Soap queria saber o que tinha acontecido exatamente.
Minha mente pesava e eu não parava de remoer o que havia acontecido.
Tenho a impressão de que após minha entrada na Task Force, tudo ficou confuso aqui. Além de trazer minha bagagem, trouxe também toneladas de problemas.
Agora, na capital, teríamos uma base subterrânea afastada do centro, recheada com muita tecnologia e pouco conforto nos dormitórios.
-Já dormi em lugares piores. -disse Soap enquanto jogava sua bagagem em um dos quartos.
Depois de tomar um banho gelado, tive o privilégio de poder escolher meu quarto, pois homens da equipe foram muito cavalheiros comigo; meu quarto seria o mais próximo da saída.
A porta estava um pouco enferrujada e com certa dificuldade, a fechei.
Havia uma lâmpada, uma escrivaninha e um beliche.
Perfeito para os minimalistas...
Coloquei minha mochila em um canto e sentei na cama inferior, respirando fundo. E então, a porta se abriu.
Era o tenente Ghost, surpreso por ter alguém no quarto.
-Me desculpe, eu...-ele falou, sem graça.
-Tudo bem, tenente. -me levantei-. Aconteceu alguma coisa?
-É que todos os quartos estavam ocupados, então tentei este. Desculpe.
Droga...
-Tenente, você não vai dormir no chão por minha causa. Sério, pode ficar. Tem uma cama vaga. -apontei.
Ele ficou hesitante no começo e sem saber o que falar. Nesse tempo, percebi que não precisaria erguer tanto a cabeça para olhar para o tenente como fazia com König; Ghost era um pouquinho menor que ele e continuava sendo um titã se comparado a mim, mas ainda assim, um pouco menos desconfortável de encarar.
Por fim, aceitou e fechou a porta, deixando sua bolsa ao lado da minha.
-Se estiver tudo bem para você, ficarei na cama inferior. -ele me encarou-. Essas armações são frágeis e eu poderia cair.
Abri um sorriso bobo.
-Por mim tudo bem. Então...eu vou dormir. -apontei para a escada no beliche.
-Certo. Preciso fazer algumas coisas ainda...boa noite, recruta.
-Boa noite, senhor.
Me deitei e me virei de frente para a parede, de forma com que Ghost não conseguisse ver meu rosto. Quando a porta abriu e se fechou novamente, tentei descansar os olhos.
Que clima...parece que esse dia não acaba. Tudo aconteceu e minha cabeça não consegue parar um pouco e raciocinar. Urgh, droga...por que as coisas devem ser assim? Eu sempre faço tudo errado?
Enquanto tentava pegar no sono, Ghost voltou e se deitou na cama, fazendo o mínimo possível de barulhos. Me perguntava se ele estava tão tenso quanto eu em ter que enfrentar o capitão Price mais tarde...
***
Era início da manhã quando eu acordei. Desci lentamente do meu beliche, vendo que o tenente Ghost estava dormindo com sua balaclava de caveira. O observei por alguns segundos: sua respiração lenta indicava que ele estava tendo um bom sono.
Ele se mexeu tanto na cama...será que não conseguia dormir? Será que Ghost pensava da mesma forma quando nos encontrarmos com Price? De qualquer maneira, estaríamos ferrados. Mas, pelo menos, iríamos juntos levar essa bronca.
-Não quero saber o que deu na cabeça de vocês dois. -Price falou, irritado.
Eu nem tinha tomado café da manhã, pois esperei Ghost acordar e resolver logo esse problema. Minha barriga roncava esperando por comida...
Estávamos na sala do capitão. Eu e Ghost, lado a lado, ouvindo Price destilar sua fúria em nós dois.
-Laswell está enchendo a minha paciência com isso. -Price continuou-. Todos nós sabemos o quanto Graves é um pé no saco, mas arrumar briga com ele?
O olhar do capitão foi direto para Ghost, que apenas cruzou suas mãos.
-Que porra está acontecendo na minha equipe, Ghost? -Price deu um tapa na mesa, me deixando assustada.
-Quero que o Graves se foda. -Ghost respondeu rudemente.
-E você então decidiu lutar contra ele, no meio de todos? -Price levantou as sobrancelhas.
-Resolvemos nossos problemas como dois homens, é isso.
-E quais problemas seriam esses?
Eu olhei de soslaio para Ghost, também curiosa com a resposta.
-Rixas antigas, apenas.
Difícil de arrancar alguma coisa dele...duro como pedra.
Price percebeu que não conseguiria nada de muito relevante do tenente. O capitão conhece muito bem sua equipe.
-Eu te conheço, Ghost. Você não é descontrolado. -Price balançou a cabeça-. E você, recruta? -ele me encarou, por fim-. Por que eu não estou surpreso em ter você novamente em minha sala?
Pela experiência que o capitão tinha, ele já sabia que eu iria deixá-lo decepcionado novamente.
-Eu apenas quis ajudar o tenente, senhor. -respondi, tentando esconder o nervosismo-. Achei injusto todos ali, olhando, e quando vi que Graves iria tirar a balaclava do tenente, tive que fazer algo, senhor. Essa é a verdade.
A pior parte de tudo isso, era o silêncio do capitão. Não conseguia decifrar se era algo bom ou ruim, ou apenas ele estava fazendo algum jogo mental conosco.
Quando fui falar novamente, o tenente me interrompeu.
-Eu tenho toda a culpa nessa história, Price. Só isso.
Os dois se olharam por alguns segundos, que pareceram séculos.
-Vocês não irão mais vacilar comigo. -Price advertiu-. Se algo acontecer, por mínimo que seja, os DOIS levarão advertência. Não importa se foi um ou o outro, ambos serão penalizados.
Meu corpo arrepiou com a palavra 'advertência'. Para soldados da minha patente, a primeira advertência seria um "aviso", mas a segunda, suspensão permanente. Para Ghost, ele teria até três advertências para então, ser expulso.
-Dispensados. -o capitão resmungou.
Saímos da sala e eu não sabia o que pensar. Eu tinha feito tudo errado novamente...
-Não queria que Price ficasse decepcionado com nós dois, tenente...-comentei, enquanto andávamos em um corredor.
-E ele não está. Não se preocupe quanto a isso, eu conheço o velhote.
-De qualquer forma. -parei, e ele fez o mesmo-. Por que fez aquilo, senhor? Por que brigou com Graves?
Ghost passou a mão pela balaclava enquanto os olhos dele vagavam por todo o local, evitando em me encarar.
-Iremos conversar depois sobre isso. Agora, temos que nos preocupar com nossa missão, há muito trabalho a ser feito. -ele respirou fundo-. Mas obrigado pela ajuda, recruta. Você...
Ele tentava captar palavras, mas não conseguia. No final, desistiu e com um aceno foi embora, me deixando com meus pensamentos sufocantes.
***
A Task Force e os Los Vaqueros estavam reunidos novamente. A notícia de que daqui alguns dias um comboio passaria pela avenida norte da cidade me fez ficar apreensiva, me fazendo prometer a mim mesma que eu não faria mais besteiras, principalmente por ter o tenente Ghost como meu parceiro novamente.
Em um primeiro momento, eu e Soap andamos pela capital para fazer um reconhecimento da área, mas nada muito profundo.
O sargento Soap conversava com alguns locais enquanto eu vigiava cada movimento.
-Toma.
Ele me entregou um doce vermelho, em formato quadrado e açucarado, embalado em plástico.
-Qual sabor é?
-Não sei. -ele respondeu enquanto comia o dele-. Só sei que é bom.
Quando eu era criança, amava comer chocolates e todos os tipos de doces. Mas, depois que entrei na escola de cadetes, havia cortado esse tipo de coisa da minha alimentação, chegando até ter um pouco de aversão.
-Obrigada, sargento. -guardei o meu em um bolso da blusa.
Fomos até uma praça central, e era ali a maior concentração de pessoas, principalmente de vendedores de todo o tipo de coisas que eu poderia imaginar.
Sakhra era um lugar muito bonito e as pessoas pareciam muito felizes por ali; pelo menos, obviamente, quando não tem tiroteios. Cada um ali carregava quase as mesmas preocupações no semblante...era algo sombrio.
***
-Conseguimos algumas coisas. -disse Soap para as pessoas na mesa-. Mahed é o nosso peixe grande e um filantropo de Sakhra. Imaginem vocês, eventualmente ele vai à cidade e está por trás de grandes eventos beneficentes para a capital...as pessoas o amam.
Na sala de reunião estavam os dois grupos: 141 e Los Vaqueros, todos ouvindo atentamente e se concentrando no que deveriam fazer.
-Tráfico de armas, drogas, extorsão, corrupção...-Price lia a ficha criminal do homem.
-Ele ajuda a financiar o cartel Las Almas no México. -Vargas disse-. E os russos estão recuados demais agora para se juntarem a briga...já cuidamos disso. -ele deu um sorriso arrogante.
-Exato. -Soap continuou-. Em troca, o cartel envia armamentos a Al-Qatala para a continuação da coação.
-E qual será nosso plano? -perguntou Gaz.
-Haverá um festival daqui alguns dias na cidade, e Mahed estará presente. -respondeu o sargento.
-Com isso, uma parte de nossa equipe ficará no festival, observando os movimentos de Mahed e seus homens, enquanto a outra parte irá aguardar na avenida norte, onde o comboio dele irá passar. -Price olhava para o mapa enquanto falava.
-Certo, homens...e senhorita. Primeiro iremos começar a limpar a sujeira aqui, e então terminaremos no México. -Vargas abriu um sorriso-. Descansem enquanto podem.
Eu tentava dominar minha ansiedade. A todo momento minha mente me lembrava que iríamos pegar um terrorista dos grandes, e tudo poderia dar errado.
Achei que nesse nível, o medo já tinha passado...mas tudo ainda está tão vivo. Minhas mãos ainda tremem a cada início de missão...quanto mais as coisas mudam, mais ficam as mesmas.
Depois da reunião, eu e o tenente Ghost éramos os únicos na sala.
-Podemos conversar agora, tenente?
Ele respirou fundo antes de responder.
-Certo. O que gostaria de conversar? -ele se encostou na parede e cruzou os braços, enquanto eu me aproximava.
-Sobre sua briga com Graves.
-Não há muito a ser dito.
-Então ele e o senhor simplesmente...brigaram?
Ghost parecia impaciente e desconfortável.
-Se eu não falar agora, você vai continuar tentando descobrir, não é? -ele me encarou.
-Sim, senhor.
-Pois bem...vou ser direto. Quando você falou o que passou com ele, decidi interrogá-lo, mas houve mais desentendimentos, e então aconteceu o que você viu.
Ele fez isso...por mim?
-Você se arriscou muito, tenente. -falei suavemente.
-Eu te disse que Graves não chegaria perto de você novamente.
Suas palavras me deixaram envergonhada. Não pensei que o tenente Ghost chegaria tão longe por minha causa.
-Obrigada, tenente...
-Também devo agradecê-la por ter se preocupado com minha identidade.
Respondi que ele não deveria se preocupar com isso e que fiz meu dever como sua encarregada.
Mais tarde, lembrando dessa conversa, meu coração batia tão rápido e tão forte que tive certeza que o tenente estava ouvindo.

Don't Let Me Down.Onde histórias criam vida. Descubra agora