54. Lembranças de Londres part. IV

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Mafiosa... maldita palavra, maldito título. MALDITO.

Algo que me enchia de orgulho agora fazia meu estômago revirar e era uma lembrança constante das minhas falhas.

Mafiosa.

Eu não era mais a mafiosa, eu era Victoria Santori. Alguém sem o menor rumo sobre como a própria vida se sucederia diante de tantos traumáticos eventos.

A mafia, a maldita mafia... que  nos encoraja a fazer coisas degradantes, cruéis, impiedosas e acima de tudo erradas.
Tudo em nome do poder, do status... do domínio.

— É um prazer conhecê-la! — ele me cumprimentou — Eu fiquei sabendo sobre o seu pai, meus pêsames, ele era um bom homem. — Sean falou em um tom respeitoso.

Senti uma pequena pontada no peito.

— Eu não sabia que você tinha negócios com os Santoris. — Declarou olhando Matthew firmemente, me questionei intimamente se aquilo poderia ser um problema para eles.

Eu sequer sabia quem era aquele homem ou se tínhamos problemas com sua organização. Fora os EUA, a única preocupação da Mafia era a Italia.
Londres não era nosso território. A não ser que algum dos irmãos de Gonçalo tenha irritado aquele homem. O que não me parecia impossível. Mas se tínhamos, Matthew não me levaria aquele lugar se soubesse... eu acho.

Matthew soltou uma risada nasalada sem humor — Os anos passaram e você permanece o mesmo. — criticou lançando um olhar de negação para o homem — Sempre querendo se meter na minha vida.

— Você também continua a mesma pessoa Matthew. — Sean declarou — Incapaz de superar o passado. Sobre os seus negócios, não tenho culpa se os contatos que você conhece na sua linha de trabalho são tão interessantes! — declarou me olhando novamente.

— Vamos embora Vic! — Matthew levantou-se em um tom furioso. Fiz o mesmo sem pensar duas vezes.
O homem gargalhou — Pra que estragar sua noite assim? Deixe-a se divertir, usufruir dos prazeres que Chaos pode proporcionar.

— Me ligue quando tiver minha maldita encomenda, caso contrário... — Matthew não terminou sua sentença, apenas me levou pela mão.

Algum tempo depois eu me via em sua garupa, segurando sua cintura e sentindo a fria brisa daquela noite bater em meu rosto e cabelo. Ainda sem saber para onde iríamos. Agarrada a seu corpo, eu conseguia sentir toda a tensão que aquele homem havia lhe causado. Matthew não havia dito nenhuma palavra desde que havíamos saído daquele lugar.
E eu não podia estar menos curiosa sobre aquilo tudo.
O que era a encomenda? E qual a relação que aqueles dois tinham?
Mas eu jamais me sentiria no direito de perguntar aquilo, se ele desejasse se abrir sobre aquele assunto, que fosse naturalmente. Como deve ser.

Não muito tempo depois, paramos de frente a uma luxuosa fachada. Com manobristas e um pequeno balcão como uma recepção.
Matthew entregou a chaves da moto para o manobrista e me guiou para dentro do lugar com delicadeza. Logo estávamos em uma mesa com uma bela vista em um ambiente climatizado e preenchido por uma triste sinfonia vindo de um violino.
Após analisar o cardápio e resolver me surpreender com o pedido, Matthew parecia finalmente estar mais tranquilo.

— Você parece mais calmo. – conclui e ele abriu um sorriso sem jeito.
— Eu sinto muito por aquilo. — pediu em um tom de arrependimento — Eu não deveria ter te envolvido nisso.

— Ei — chamei sua atenção quando ele mantinha o olhar cabisbaixo — Ta tudo bem, não foi nada demais. — o tranquilizei.

— De verdade Vic, desculpa... Sean costuma despertar o pior em mim.
— Tudo bem de verdade. — repeti — Eu só fiquei um pouco preocupada com você. — admiti.

— Eu não queria ter feito você passar por isso, aquele ambiente está repleto de más lembranças.
— Eu compreendo.
— Bom, não vamos fazer essa noite ser sobre isso — sugeriu.

Logo havíamos engatado uma conversa muito mais leve, um vinho suave para mim pois ele estava dirigindo e partilhávamos de uma refeição saborosa.

— Obrigada por distrair minha cabeça — agradeci a ele novamente, Matthew estava sempre tentando preencher meu tempo, como uma forma de afastar meus pensamentos negativos.
Eu sabia que eu deveria tomar um tempo para meu luto e que provavelmente, eu parecia alguém fria para aqueles que viam toda essa situação a distancia. Mas eu simplesmente não aguentaria.

Eventualmente eu perdia pessoas no meu ramo de trabalho, isso é algo inevitável. Mas perder pessoas tão íntimas? Pessoas que eu amava de verdade e daria minha vida por elas? Essa era a primeira vez.

Andrea e Gonçalo estavam mortos.
Poucas das raras pessoas que sempre acreditaram em mim, enxergaram meu potencial e me apoiaram de alguma forma. Mesmo que Gonçalo fosse contra algumas coisas no inicio.
Eu havia ficado órfã pela segunda vez, como se crescer na miséria e violência já não tivesse sido suficiente.

— Vic você esta bem? — Matthew questionou ao perceber meu devaneio.
— Estou — menti novamente.
— Você sabe que eu to aqui quando precisar conversar. — ele relembrou em um tom propício.
— Eu sei e agradeço, o problema é que eu simplesmente não consigo falar sobre isso. Ainda machuca muito.
— Eu compreendo.
— Mais do que nunca eu estou disposta a começar uma nova vida.
— Como deve ser. — ele completou.
— Você sente saudades de Nova York? — eu o questionei.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos como se refletisse sobre sua resposta, encarando-me.
Matthew abriu um breve sorriso.
— Não. — respondeu com segurança.
— Você sente? — rebateu.
— Seria mentira se eu negasse. Afinal, era minha vida.
— Obviamente — ele concordou — Mas você pensa em voltar? — prosseguiu com curiosidade e em um certo tom de cautela.
— Quando eu me arrumar, quem sabe... — divaguei.

A noite se sucedeu sem maiores assuntos sérios, na verdade, como sempre, ele tentava me distrair da minha realidade sombria a qual eu vivia presa a meus próprios pensamentos e atraída perigosamente pelos meus sentimentos mais obscuros.
No meio de toda aquela escuridão, ele era a luz insistente que me acalmava e me mantinha sana. Embora eu também tivesse outras pessoas as quais eu desejava não decepcionar, mas era tarde demais, eu já havia os decepcionado. Fugir dos problemas nunca foi a melhor opção, mas era mais fácil, parecia menos doloroso.

Mas não sentir dor era impossível, pelo menos a distância fazia ser um pouco suportável.

Pela primeira vez na minha vida eu pensava em ser alguém. Uma civil, sem nenhuma ligação com a máfia... estava disposta a tentar, mesmo sabendo que esse novo estilo de vida talvez tivesse prazo curto. Talvez fosse minha ruína, se eu não retorna-se, eu poderia morrer pelas mãos de algum inimigo.

III Livro Mafiosa - Imprescindível  (Sem Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora