PASSANDO O COMANDO

CAPÍTULO 33

MARIA JÚLIA

Ainda não entendi qual exatamente foi o problema do Davi, minhas intenções em relação ao Batoré era somente sobre o morro, fazer uma aliança, mostrar cumplicidade, embora a dele ter outras intenções e isso era notável.

Saio da pista de dança e adentro ao banheiro, meu corpo treme dos pés a cabeça, fazia tempo que a gente não chegava tão perto.

Quando as mãos dele envolveram minha cintura parecia percorrer uma corrente elétrica pelo meu corpo, acendendo todo os sentimentos que eu jurava ter apagado.

A porta do banheiro se abre e por ela passa a Tati e a Liz.

Liz: o que foi aquilo?- pergunta surpresa, mas não tanto quanto eu.

Maju: eu também adoraria descobrir.- falo passando a mão no cabelo.

Tati: mas ele disse algo?- pergunta me analisando.

Maju: perguntou por que eu estava perto do Batoré e onde estava meu namora?- achei muito sem noção.

Tati: ciúmes? Será?- me encara pensativa.

Maju: Já faz muito tempo, ele não sentiria ciúmes, nós nem tínhamos nada.- falo como se fosse o óbvio.

Liz:Ele é traficante Maria, você conhece muito deles, beijar uma mulher e mesmo que não sinta absolutamente nada, trata elas como se fossem deles.- fala enquanto mexe na bolsa procurando o gloss que logo acha.

Maju: isso é loucura.- falo bem estressada, aliás que direitos ele tem para tomar conta de quem eu converso ou não.

A festa estava só começando e meu estresse foi já no início, os chefes e sub das favelas foram convidados a entrar em uma sala, que mais parecia outro salão de festa de tão grande.

Cadeiras tinham por ali e logo eu e Jp sentamos em uma.

Barão: olha só se não tem carne nova no pedaço.- um senhor de cabelos bem grisalhos nos encara, já ouvi meu pai falar sobre esse cara, principalmente que está velho e fazendo hora extra na terra.- O Playboy não avisou que mandaria vocês no lugar dele.- nos analisa.

Maju: O Playboy está passando o comando do morro para um de nós dois, o complexo está sobre nossos cuidados, ele irá se aposentar.- tomo a frente e explico.

Barão: então sejam bem vindos, acredito que ele tenha explicado com funciona as reuniões.- fala enquanto todos nós encaram.

Jp: Explicou sim.- responde.

A reunião eram sobre o faturamento, propina paga ao estado, como funcionária as regras, mudanças de regras, coisas desse tipo.

Coringa: a comunidade é para ser um local seguro para nossas famílias, se eu pago uma grana para o estado eu não posso contar com a PM invadindo minha favela em plena luz do dia.- fala um homem alto, era bonito até, entendi ser dono do Salgueiro em são Gonçalo.

Davi: O coringa tem razão Barão.- fala sério.

Barão: eu compreendo e isso está para ser resolvido, o governador está a serviço de resolver isso, mas insiste em dizer que precisa mostrar serviço.

Xxx: prestar serviço o caralho, manda fazer blitz então não fode, só sabe invadir favela e matar inocente.- reclama um cara com o rosto amassado, parece que tomou uma paulada na cara, juro.

Reunião estourada, ia de 0 a 100 muito rápido, aliás aqui tinha bastante morro que eram da mesma facção, mas claramente inimigos declarados.

O Davi e o Batoré era um deles e eu pude reparar a forma em que se olhavam.

Observei bastante coisas nessa reunião, pude vê que a aliança aqui é bem superficial, tudo é pelo dinheiro, no fundo ninguém confia em ninguém.

E para falar a verdade na vida a gente tem sempre que ter um pé atrás, ainda mais quando se vive no tráfico, muitos aqui querem a fama e a regalia que tudo isso da, é ótimo, mas pagamos um preço por isso, alguns tem a cara tão estampada nos jornais que nem o pé pode por para fora da favela.

Jp: o que tanto você pensa?- me encara confuso.-está com aquela cara da Nazaré Tedesco do meme. - rir e eu o acompanho.

Maju: a gente tem que sair daqui com o maior número de Aliados que conseguir.- falo.

Jp: mas a gente não pode confiar assim em todo mundo.- me olha tentando entender.

Maju: Traição tem punição, a facção é como uma religião.- explico.- quanto maior o número de chefe ao nosso lado, mas forte o morro fica.- ele assente e sai indo até onde nossos primos estão.

Me escoro na bancada do bar que tem no canto do salão.

Maju: um whisky por favor.- peço ao bartender e passeio o olhar no salão.

Bartender: Aqui senhorita.- pego meu copo e continuo com olhar, quanto mais informação tiver sobre essas pessoas é melhor.

Meus olhos passeiam e rapidamente encontram os olhos curiosos do Davi.

Ele me encara, não sei o que se passa na cabeça dele, eu tanto lutei para sobreviver após aquele mísero beijo, vi ele assumir a água de salsicha, tudo martelando meu coração, ele se afastou e talvez tenha sido melhor assim.

Mas agora depois de tudo, ele simplesmente se acha no direito de me encarar com aqueles olhos negros, aquela barba alinhada, a fisionomia totalmente fechada fazendo ele ficar incrivelmente sexy, percebo que olho de mais e desvio o olhar.

Percebo que não só um homem me encara nesse salão, meus olhos passeiam novamente e caem no Batoré, o cara é bonito, tem um charme e tanto, o corpo branco, quase negro de tanta tatuagem chama bastante atenção.

Vejo ele levantar o copo em forma de comprimento e eu retribuo, conversamos um pouco mais cedo e combinamos de sair para fazer negócios, sei bem os negócios que ele gostaria de fazer, mas eu quero apenas sua aliança.

Tati: tá com cara de bandida má.- sorrir de lado quando encosta perto de mim.- Gostei.- brinca.

Liz: vamos dançar?- ela convida e eu assinto, eu iria me divertir.

A noite está gostosa, na pista de dança as meninas rebolam até o chão ao som do funk com pura baixaria, quem olha esse povo todo vestido do jeito que tá, jurava que iriam dançar algum tipo de música clássica.

Pego meu celular e vejo que tem uma mensagem do Miguel perguntando se estou bem, disse para ele que não estava me sentindo bem, afinal ele estava insistindo para que a gente fosse sair.

Me sinto mal por mentir, sim, mas não tem como eu simplesmente contar a ele que eu tenho grandes chances de herdar o complexo da penha.

São 3h da manhã então resolvemos ir embora, deixando ainda bastante gente por aqui.

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