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O corpo alto do meu pai aparece em meu campo de visão, ele caminha devagar perfeitamente alinhado em seu terno azul-escuro, seus olhos percorrendo pelo local até encontrar os meus, ele não parece feliz, respiro fundo e reviro os olhos soltando o corpo no sofá, ciente que a discussão vai ser longa.

— É tão bom saber que está viva — diz, a voz grossa e dura, sei que está irritado, não ouso abrir os olhos, apenas levo o braço para cima do rosto tampando o mesmo, a cabeça dolorida.

— Papai — falo tentando parecer animada, mas minha voz não engana — estava mesmo me perguntando quando iria aparecer — resmungo.

Escuto seus passos ao meu lado e segundos depois o ruido do tecido da poltrona raspando em seu corpo, ele se senta na mesma, tiro o braço de cima do rosto e abro os olhos também me sentado, tentado ajeitar sem sucesso o cabelo bagunçado.

Encaro ele que está sentado, a perna cruzada sobre a outra, o rosto apoiado em uma das mãos, seus olhos percorrem meu corpo e as sobrancelhas se juntam, seu peito sobe e desce com a respiração funda.

— Eu precisava garantir que estava viva, uma vez que você não responde nossos telefonemas — diz tentando parecer calmo, mas eu sei que lá, no fundo, a calmaria não pertence a Edmundo, pelo menos não agora.

— Me desculpe papai, trabalhando muito — minto descaradamente me ajeitando sentada ao sofá, sorrio para ele de orelha a orelha, sabendo que estou com a roupa da noite anterior e que ele acabará de me pegar literalmente no flagra.

Ele revira os olhos e bufa respirando fundo antes de começar a ladainha.

— Vitoria, você está acabando com a sua vida, não aparece na filial já tem meses — continua me encarando nada feliz com a situação, não respondo a ele que parece ficar impaciente, vejo seu peito subir e descer com a respiração funda, a perna tremendo rapidamente, se mexe desconfortável e pigarra antes de continuar — preciso que volte para casa.

— Impossível — afirmo balançando a cabeça em negativa e cruzando os meus braços sobre o peito, mas ele não reage, apenas continua me fitando — estou falando sério papai, essa é minha casa agora, Londres, eu não vou voltar para lá, nunca mais — afirmo.

— Só continua sendo sua casa porque eu estou bancando ela Vitoria, ou acha que suas saidinhas a noite, toda essa farra está saindo barato para mim? — me repreende se curvando para frente sobre as pernas, seus olhos me fitando, completamente irritado, a voz grossa e rude, engulo em seco.

— Começou! — exclamo como uma perfeita mimada que sou levantando no sofá com as mãos para cima, meu pai novamente não se mexe, apenas segue os meus movimentos com os olhos enquanto dou a volta no sofá pensando no que eu poderia fazer para continuar aqui, mas nada se passa na minha cabeça a não ser trabalhar, mas isso, não vai acontecer, então o desafio — vai fazer o que se eu não for? Tirar meus cartões? Me deixar aqui miserável? — pergunto desafiando ele e apoiando as mãos no encosto do sofá.

Ele ri, alto, me faz estremecer, se apoia de novo na poltrona e só volta a me encarar quando a risada parece começar a sessar, seus olhos pretos grandes ficando sério aos poucos.

— Se for preciso, assim farei — simplesmente diz enquanto apoia o queixo sob a mão enquanto continua me encarando.

Isso é um absurdo!

— Então faça, sei muito bem me virar sozinha — provoco, mas pela cara que faz não parece ter aceitado muito bem o que eu disse.

Meu pai se levanta, ajeitando os botões do terno muito bem alinhado, seus olhos percorrem o local todo de novo, observando cada detalhe enquanto eu continuo aqui, apreensiva esperando pela sua resposta, mas sem nenhum momento deixar transparecer o quanto estou nervosa.

Ele volta a me encarar, colocando as mãos no bolso da frente da calça, parece ter ficado mais alto enquanto endireita o corpo e respira fundo.

— A questão é, você quer mesmo que eu te deixe aqui sem nada? — pergunta me encarando, mas sem me dar oportunidade de responder continua — Porque a partir do momento que eu pisar fora desse apartamento você será despejada daqui, não terá um dólar no bolso e muito menos um emprego — diz.

— Eu tenho um emprego! — rosno de volta para ele, lembrando ele da sua empresa, do meu cargo nela, mesmo que eu não esteja exercendo corretamente nos últimos dias, ainda, sim, tenho um emprego.

— Não tem não — fala caminhando pela frente do sofá indo em direção ao corredor da saída, eu o observo completamente atônica — você trabalha na minha empresa, e se decidir seguir sozinha, assim farei, não vou mais ficar bancando você como uma adolescente mimada.

— Você só pode estar de brincadeira! — exclamo levantando as mãos encarando meu pai, que parece estar muito confiante em sua decisão — Vai me mandar embora só porque não quero ir embora com você?

— Eu vou te mandar embora para aprender a crescer! — explode, a voz grossa estourando pelas paredes me faz dar alguns passos para trás — eu entendo que esteja ainda magoada, por tudo o que aconteceu, mas isso? — continua, ainda falando alto e indicando a bagunça do meu apartamento e depois a mim, que estou tão bagunçada quanto — É a sua vida Vitoria!

Aperto meus lábios sentindo o choro preso na garganta, Yan me mudou, talvez para pior, mas ele me mudou. Meu peito sobe e desce depressa com a respiração alterada, meu pai apenas me encara esperando por uma resposta, mas eu não tenho uma, ele apenas baixa a cabeça balançando, parecendo estar decepcionado e então volta a me olhar antes de se dirigir para a saída.

Eu não tenho outra opção, eu preciso ficar, mas não posso ficar com uma mão na frente e outra atrás.

— Pai, espera — peço assim que ele some pelo corredor, segundos depois escuto os seus passos, voltando até mim, ele me encara — eu não posso voltar — digo, os olhos começando a ficar marejados, respiro fundo engolindo o choro, olho para os lados piscando diversas vezes espalhando as lagrimas enquanto meu pai apenas espera — me deixe ficar, eu volto para a empresa, só não me faz voltar para a casa.

— É a sua última chance, uma vacilada, e eu corto tudo, sem avisar — afirma, e eu engulo em seco sabendo que dessa vez ele diz a verdade — e ligue para sua mãe, ela sente sua falta — fala, mas antes que eu possa responder ele se fasta, visivelmente chateado e segundos depois está fora da minha casa.

DOCE TRAIÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora