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• V I T O R I A C L A R K E •

Calvin me apresenta o projeto em parceria com muito cuidado, seus olhos brilham a cada palavra, sei que ele gosta do que faz, que está animado com essa ideia nova, afinal o projeto é ótimo, aliás, mas não é um projeto para ser aplicado em Londres, sim, na matriz, com meu pai em Nova Orleans.

Meus pés descalços se mexem no piso gelado, assim com os seus, de baixo da mesa através do vidro da mesma, posso ver, seus dedos longos e esquisitos se mexendo, é como se estivesse incomodado, mas mesmo assim continuou assim. 

Eu sei que a sua intenção foi de me fazer sentir a vontade, confesso que estava muito nervosa em vê-lo hoje, nessa posição, negociando trabalho, é diferente.

Me pego observando a maneira que ele fala de cada tópico a ser discutido, suas mão se movimentando enquanto fala, até que toca no nome do meu pai e isso é como um balde de água fria, novamente aquela sensação ruim de estar sendo perseguida, observada, vigiada.

— Eu gostei da sua ideia — falo foleando os papéis em minha frente, respirando fundo e levanto o olhar dali para ele, que agora me fita com cautela — mas eu não sei o que você está fazendo aqui, sinceramente — falo grosseira me encostando na cadeira ainda encarando ele — quer dizer, a proposta é ótima, de verdade, mas nós dois sabemos que não é uma coisa para ser aplicada aqui, e sim em Nova Orleans. 

Calvin permanece me olhando por alguns segundos, o maxilar travado, até que finalmente esboça uma reação, um sorriso discreto e uma balançada na cabeça, seu corpo relaxa em minha frente também se apoiando no encosto da cadeira, as mãos cruzadas sobre o peito. 

— Você realmente é inteligente. 

— Bom, obrigada pelo elogio, mas ainda não entendi seu intuito de vir até aqui me oferecer isso, que poderia ser muito bem aplicado em outro pais — sibilo a última palavra, enfatizando muito bem ela.

— Eu não vou mentir para você, eu avisei seu pai que você é mais inteligente do que ele imaginava — estala a língua e se curva para frente, de imediato aperto meus lábios encarando ele, esperando pela sua confissão, que veio aqui para me observar, como um animalzinho a mando do meu pai — eu fiz a oferta ao seu pai, mas ele insistiu que eu fizesse a você e também tomasse conta de você aqui, em Londres.

— Então mentiu para mim sexta, quando eu te perguntei se veio aqui para me vigiar — soa mais como uma afirmação do que uma pergunta, sinto meu sangue começar a ferver, e a irritação tomando conta de mim, novamente a mentira.

— Sim — assume, maior sem-vergonha — mas se eu tivesse falado a verdade, me deixaria entrar? — pergunta e o máximo que faço é bufar.

— Você já tinha entrado — sussurro revirando os olhos e empurrando a cadeira para poder me levantar com mais força que o necessário — por favor, saia da minha sala, chega desses joguinhos, dessas brincadeira, para de me fazer de idiota e volte para Nova Orleans, garanto que meu pai não vai deixar essa oportunidade passar — falo dando a volta na mesa, o piso gelado de baixo dos pés, o intuito é de tocá-lo, tão mentiroso quanto ao filho, mas antes que eu possa passar por ele, Calvin se levanta parando em minha frente, preciso dar alguns passos para trás para não trombar com a parede de ossos em minha frente, parece estar maior do que eu estava acostumada.

— Vitoria, não seja teimosa, você precisa de ajuda — me repreende como se tivesse algum direito em fazer isso.

— Ajuda ou guarda-costas? — pergunto grosseira encarando ele, mas Calvin não me responde, apenas segura o meu olhar ao seu, reviro os olhos e solto a respiração pesada apertando as têmporas tentando manter a irritação sobe controle e não sair gritando por aí, passo a língua pelos lábios secos e volto a encarar ele — você mentiu para mim, igual seu filho fez, eu confiava em você, sempre confiei em você, por isso te deixei ficar comigo aquela noite, e para quê? Para mentir para mim! 

— Eu não sou o Yan — responde, a voz grossa ecoando pela sala quieta — eu não trai você, eu omiti uma coisa, mas estou te dizendo a verdade agora, se não for eu vai ser outra pessoa — ele diz e dá um passo em minha direção, dessa vez não me mexo, seus olhos queimando em minha pele — seu pai estava convicto que precisa de ajuda, se me mandar embora agora ele vai mandar outra pessoa, que talvez não te conte a verdade, e será pior.

— Pois deixe ele mandar — respondo com desdém e dou um passo para o lado me esquivando dele, mas é em vão, Calvin aparece na minha frente de novo e dessa vez sua mão segura em meu braço me prendendo no lugar, um calafrio percorre pelo meu corpo todo.

— Eu não quero que ele mande outra pessoa — sua voz sai baixa e parece dolorida, ergo o olhar para ele que parece tão irritado quanto a mim, respiro fundo e o deixo continuar — eu me sinto culpado pelo que meu filho fez a você, me deixa te ajudar com isso.

— Já é a segunda vez que me diz isso, que se sente culpado — falo olhando em seus olhos claros que me fitam de perto — quando você soube que ele estava me traindo? — pergunto, sabendo que vai doer, que provavelmente todos os sentimentos viram a tona novamente, mas meu coração já está partido, o que mais poderia acontecer?

— Na viagem, que fizemos todos juntos — é isso, isso que poderia acontecer, ele se quebrar de novo, em milhões de pedaços, o pouco que consegui reunir dele está se despedaçando, sinto o ardor das lagrimas subindo pelo meu rosto e garganta — eu peguei Yan e Lucia juntos, mandei ela embora e disse para ele parar com isso — as palavras dele batem em mim como agulhas, várias, finas, que entram em minha pele me machucando mais, um soluço escapa e sinto as lacrimas preenchendo meus olhos enquanto dou alguns passos me afastando dele. 

— Mas ele não parou — sussurro, a voz embargada pela dor e pelo choro preso na garganta, desvio os olhos dele e viro meu corpo a fim de esconder o quanto isso ainda me machuca, um ano depois e Yan ainda consegue me destruir — você pode me deixar sozinha — peço.

— Para sair por aí e encher a cara? — diz convicto, mas não respondo — não vou sair daqui Vitoria — me surpreende na resposta.

Respiro fundo olhando para cima e piscando diversas vezes tentando espantar as lagrimas para longe, meu corpo se encolhe quando sinto suas mãos tocando em meus braços, uma de cada lado, elas se movem lentamente para cima e para baixo, é reconfortante, me acalma aos poucos, baixo o rosto e levo uma das mãos até o mesmo enxugando as lagrimas que ousam sair enquanto ficamos assim, por alguns minutos.

DOCE TRAIÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora