ALANA REIS
Resolvo me levantar e vestir algo mais apresentável que a camisa de Dario. Quando olho para fora, percebo que já é noite. Visto um dos vestidos que trouxe e organizo meus cabelos em um coque. Atraída pela luz da lua, sigo para o terraço do quarto, olhando a beleza opulenta desse lugar, o ofurô, as plantas, o guarda-corpos de vidro, a luz baixa que reparei ligar quando passamos. São coisas que nem nunca passaram por minha cabeça algum dia poder ver de perto. Fico admirando o lugar, olhando para toda a propriedade, perdida em meus pensamentos, até que ouço o meu celular tocar. Corro para o quarto preocupada. Percebo que se tratava de Vivian.
— Oi, Vivian, nossa mãe está bem? — questionei. Vivian demora um tempo para responder.
— Mãezinha chorou muito por não te ver aqui quando acordamos. Ela está se sentindo culpada, não queria que você e Dario saíssem de casa daquela forma. — narra Vivian com a voz cansada. Me sento na cama e começo a roer minhas unhas.
— E quando eles acordaram... tiveram brigas? — pergunto temerosa.
— Não... é o de sempre, agiram como se nada tivesse acontecido. — esclarece, e isso me deixa magoada, e com um gosto ruim na boca.
— Vivian...
— Oi... — ficamos caladas, ambas pensando.
— Você acha que... será? — não consigo completar minhas dúvidas, não consigo pronunciá-las em voz alta. Não quando temo pela resposta.
— Na real, Alana? Eu não quero nem pensar em uma coisa dessas. — ela não quer pensar, mas não dá para evitar algo assim. Será mesmo que ela não ouvia meus pedidos de socorro? Será que ela não via as marcas no meu corpo? Ou minhas roupas sujas de sêmen? Será que ela não notava minhas lágrimas? A tristeza do meu olhar? O medo? A opressão? Será mesmo?
— Se ela souber, Vivian, se algum dia eu descobrir... Não sei se serei capaz de perdoá-la. — confesso, e algumas lágrimas nadam em meus olhos, e tento não derramá-las.
— Eu entendo você, Alana... Uma vez... eu descobri algo que mudou minha maneira de pensar e de como eu enxergava a vida. — expõe Vivian de forma dolorosa.
— Há muito que você não sabe sobre nossa família, Alana. — as palavras de Vivian me inquietaram.
— Como assim, Vivian? O que eu não sei? — pergunto preocupada.
— Olha, Alana... — ela estava falando quando a ligação ficou ruim e caiu. Tudo isso me deixou aflita e com um pressentimento ruim. Eu resolvi descer as escadas e procurar por Dario. Ele não estava em lugar algum, mas encontrei Ruth na cozinha.
— Boa noite, Ruth. Achei que já tivesse ido para casa. — comentei me sentando na bancada.
— Dario precisou ir à casa dos pais dele. E me pediu para esperá-lo chegar e que fizesse companhia a você.
— Ele saiu há muito tempo? — perguntei preocupada.
— Não. Deve ter sido há uma hora e pouco. — respondeu enigmática.
— Dario deve gostar muito de você. — comenta despretensiosamente, despertando minha curiosidade.
— Por que?
— Ele jurou não trazer nenhuma mulher aqui, a não ser uma que fosse especial. Eu trabalho para ele há algum tempo, e eu sempre perguntava quando ele traria sua amiga de longa data para cá. — comentou como se eu conhecesse a amiga dele ou o seu juramento.
— E ele nunca trouxe ela? — quis saber, Ruth negou com a cabeça.
— Não. Ele me disse que ela não era especial o bastante. Dario já amou muito, ou ainda ama uma pessoa, e ele sofreu uma desilusão amorosa muito grande. O que o afetou de uma maneira destruidora. — Ruth para ao perceber que havia falado mais do que devia.
— Então ele já teve uma namorada? — pergunto um tanto abalada. Quando ela estava para me responder, Dario entra em casa, e nós encaramos. Seu olhar estava cansado, seu rosto estava sério, seu corpo tenso. Sempre que ele vai à casa dos pais, ou encontrar a família, é a mesma coisa, ele volta pesado e triste. Não querendo enchê-lo com minhas perguntas e inseguranças, sorrio para ele, como sempre faço, escondendo a bagunça que há dentro de mim, que me devora aos poucos.
— Acordei e não te encontrei. Devo ter dormido mais do que a cama. — comento para tentar, de alguma forma, aliviar seu semblante triste.
— Me desculpe, meu pai me ligou, precisei resolver um problema. — sua voz soa formal demais, desprovida de qualquer felicidade ou intimidade que compartilhamos. Eu engulo em seco e olho para Ruth, que me encara com pena.
— Vou tomar um banho e já volto para jantarmos. — ele sai sem dizer mais nenhuma palavra, e eu olho para minhas mãos, entristecida.
— Não fique assim, Alana. Não é com você. Ele só tem problemas com a família dele. — ela explica, e eu resolvo não perguntar o porquê. Tenho medo da resposta e não acho que estou preparada para mais revelações. Já chega meus dramas familiares, agora descobri que Dario já amou ou ama alguém. Talvez eu apenas esteja servindo de tampa buraco. E isso me deixa com um sabor amargo na boca. Fico em silêncio até ele voltar do banheiro.
— O que fez para o jantar hoje? — perguntou a Ruth.
Ela explicou o que fez e ele a dispensou, agradecendo por ela ter ficado até agora. Eu me servi e ele fez o mesmo, e comemos em silêncio. Cada um mergulhado em seus problemas, e só quando terminamos de comer que tive coragem de encará-lo, e ele já estava me observando.
— Gostou da comida? — perguntou. Eu confirmei com a cabeça.
— Sim, está perfeita.
— Não parece, você mal tocou na comida. — reclama, e eu olho para meu prato e sorrio sem graça.
— Estou cheia. Nós almoçamos tarde. — ele parece se lembrar e deixa escapar um sorriso contido nos lábios, e lá aparece uma pontinha do meu Dario. Aquele leve, alegre e brincalhão.
— Venha cá. — pede, e eu me aproximo. Ele me coloca no meio de suas pernas.
— Desculpa. — pede, encostando sua testa na minha, e eu permito. Mais uma vez, migalhas que aquecem meu coração. Que me fazem sentir viva novamente.
— Tudo bem. — sussurro. Ficamos assim por algum tempo.
— Quer ir para onde? — perguntou um pouco mais animado.
— Quais opções? — indago em tom divertido.
— Vejamos... — ele para pra pensar.
— Temos o ofurô, a piscina, a sala de cinema, a academia, também temos a espreguiçadeira no terraço e a sauna. — enumera várias e várias outras coisas para fazermos.
— Quer ir para a espreguiçadeira do seu quarto? Podemos ficar olhando as estrelas e a lua até dormirmos. — peço, e ele concorda.
— Claro, vamos lá. — ele segura minha mão, e seguimos as escadas acima e entramos no quarto, e as portas de vidro são abertas, e estamos do lado de fora.
— Uma coisa que eu aprendi a amar aqui é esse cheiro maravilhoso. — comento, e Dario me olha estranho.
— Cheiro?
— Sim, o cheiro da natureza. É completamente diferente da cidade, até o ar corre mais leve. — explico, e ele concorda com a cabeça. Resolvemos nos acomodar em um só lugar, onde eu fico em cima dele, foi ideia dele.
— Sou tão acostumado com a vida na fazenda que quase não presto atenção, mas você está certa. É bem melhor aqui. Sem falar no céu estrelado. — reflete, e eu olho para o céu, com milhares de estrelas, algumas minúsculas como pontinhos, outras mais brilhantes, e a lua grande e limpa no céu.
— Uau, a beleza desse céu é impressionante. — comento admirada.
— Tudo em um lugar sem poluição ou desmatamento é mais lindo, Alana.
— Verdade, Dario. — concordo e passo a mão por seu peito.
— Você cresceu por aqui, não é? — interrogo.
— Sim, nasci na fazenda. Eu sou o caçula, então, quando nasci, Corrado tinha feito sete anos há pouco, e Paolo tinha apenas dois anos. — explica.
— Nossa, então o Paolo tem quase a mesma idade que você?
— Sim, e dos três, ele é o mais pacífico. Para ele, tudo está bom. — comenta, dando de ombros.
— Está me dizendo que é encrenqueiro? — pergunto, divertida.
— Sim, sou um tanto competitivo. Acho que é meu maior defeito. — explica.
— O quê? Não sabe perder? — pergunto, sorrindo, mas logo o sorriso morre quando o rosto de Dario se transforma em uma carranca. Ele demora a responder.
— Mais ou menos isso, acredito que esse é o defeito de um filho paparicado demais. — responde amargurado. Para aliviar a tensão que estávamos, resolvo mudar de assunto.
— Me conte uma travessura que você já aprontou. Uma bem grande. — peço, e rapidamente o clima fica leve, e ele até sorri um sorriso travesso.
— Eu tinha por volta dos meus sete ou oito anos, e como sempre morei na fazenda, via eles colocando fogo em algumas quadras quando faziam as podas do café, eram galhos secos com as folhas secas. — explica sorrindo.
— Hoje em dia não se faz mais isso, é algo condenável já que causam impacto ao meio ambiente. Enfim, eu sempre via aquilo e achava maneiro o fogo crepitando. Um dia eu vi um monte de trocos e galhos secos em uma quadra. E pensei: “Vou ajudar meu pai”. — conta com a expressão divertida, segurando o riso.
— Você não fez isso. — eu grito.
— Fiz sim. Eu peguei uma caixa de fósforo da cozinha da Conceição, e corri para a quadra doze. Me lembro que ventava muito, então tive dificuldade para acender o fogo. Mas quando a chama pegou naqueles galhos secos, alastrou muito rápido e incontrolável, e não pegou fogo apenas nos galhos secos juntos, ele pegou no café também e nas árvores que tinham por perto. — comenta rindo alto e depois ficando sério.
— Meu Deus, Dario. O que aconteceu? — pergunto realmente preocupada.
— Aconteceu que eu fugi de lá desesperado e contei à Conceição. Ela ficou desesperada e contou aos meus pais, que chamaram vários peões para conter as chamas do fogo. Queimou as cercas, deu um baita prejuízo. — narra toda a história, agora sem sorrir, mas com o rosto demonstrando melancolia.
— Você apanhou?
— Que nada, meus pais passavam muito a mão na minha cabeça. Eles me colocaram de castigo, eu não podia brincar com os filhos dos funcionários de lá, mas durou só um dia. — comenta sorrindo.
— Que travessura gigante, Dario. Um menino levado você. — repreendo, e ele me rouba um beijo, e nós beijamos por um bom tempo.
— Agora me conte você uma travessura. — e é minha vez de ficar saudosa.
— Eu sempre tive cabelo cacheado, minha mãezinha arrumava eles com lacinhos, outras vezes com algumas xuxinhas de cabelo, e quando ia para a escola, as meninas ficavam rindo, abusando, e eu tentava não me importar. Então, uma delas colaram chiclete no meu cabelo. Eu não chorei, fui uma boa menina como mãezinha dizia que eu era. — conto, com algumas lágrimas nos olhos, entre saudade e tristeza.
— Como minha mãe trabalhava muito, não quis incomodá-la com algo que eu mesma podia resolver. Cheguei em casa e peguei uma tesoura. — Dario se mexe, me assustando.
— Você não fez isso, Alana!
— Fiz sim. Eu peguei a mecha que estava com chiclete grudado e cortei. Para mim, tinha resolvido e fiquei satisfeita. — começo a rir como uma louca.
— No outro dia, mãezinha foi me ajudar a arrumar meus cabelos, e lá estava uma enorme “peladeira”, foi assim que mãezinha chamou. — narro, e Dario não ri, fica preocupado.
— O que aconteceu? Onde o chiclete colou? — interrogou, e eu sorri para ele.
— Foi bem na frente, de um lado da minha cabeça. Eu não havia notado que o chiclete grudou quase na raiz do cabelo. E só quando mãezinha viu, notei o estrago. Tentamos contornar a situação usando meu cabelo em coques ou em rabo de cavalo por um bom tempo. — sorrio, e ele estava sério.
— Isso é inaceitável, Alana. O que aconteceu com a fedelha que fez isso? — perguntou irritado.
— Nada, nem eu ou mãezinha falamos nada. Foi um episódio que passou e, no final, nós rimos de tudo que aconteceu. — comento sorrindo. Ele fica um pouco mais aliviado.
— Maneiro que esse seu lado positivo vem desde quando era criança. Eu admiro muito você por isso, Alana. Você é uma força da natureza. — elogia, acredito eu, e eu fico com o coração cheio de amor. A preocupação dele, os carinhos, os beijos, nós contamos mais algumas travessuras nossas. Ele me disse que já sofreu acidente com cavalos, já tombou um caminhão. Ele foi um menino muito levado. E eu contei as brigas que arrumava na escola, o quanto eu e Vivian nunca nos suportamos. A noite foi passando entre risadas e lembranças que aqueceram nossa noite de maneira descontraída. E assim também foi nosso domingo. Regado de carinhos, beijos, sem sexo, pois estava ardida. Terminamos maratonando uma série, comemos alguns chocolates e depois deitamos na espreguiçadeira para papear novamente. Tão confortável que parecia um sonho do qual eu não queria acordar, mesmo sabendo que ele já amava alguém e que nunca me amaria. A realidade às vezes judia, e cabe a nós mesmos nos conformarmos com isso ou colocar um ponto final.
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uma farsa com o milionário
Romance○ Slow Burn ○ Friend To Love ○ Fake Date ○ Mocinho Protetor ○ Mocinho quebrado Dario Martinelli, aos 28 anos, é um homem de negócios bem-sucedido que acreditava ter toda sua vida planejada milimetricamente. Metódico, imaginava ter tudo sob controle...