DÁRIO MARTINELLIDepois da saída de Thiago, acabei misturando algumas bebidas que tinha no bar, andei quebrando algumas garrafas na parede. Sempre que sou confrontado com o passado, fico mal, revoltado, inconformado, inconsolável. O desespero é tão grande e duradouro que eu quero fazer qualquer coisa para que ele passe, sabe quando algo rasga por dentro e parece jorrar sangue sem parar? É esse o meu sentimento, é uma ferida aberta, sangrenta, que tentamos cobrir com um band-aid, e conseguimos nos levantar com dificuldade, até mesmo trilhar um caminho de esperança, onde achamos que podemos ver uma luz no fim do túnel escuro. Mas então uma pessoa que não conhece sua dor vem e puxa o curativo, fazendo a ferida sangrar novamente.
Eu guardo tantas mágoas e dores dentro de mim, tudo socado goela abaixo e mantido aprisionado, onde o engulo dia após dia, até que uma hora tudo explode e vira essa bagunça em que estou aqui, perdido, sangrando, descontrolado e sozinho. Tão sozinho que dói, dói na alma, dói uma dor insuportável. A dor da traição de um irmão, a dor da traição de uma família, a dor da rejeição de alguém que eu amava, que agora nesse meio tempo nem sei mais se ainda amo ou se algum dia amei. Estou tão confuso e destruído que não tenho certeza de mais nada. Logo depois, desgraçei minha vida, me ferrei todo por causa de um ferimento que deveria ser contido em casa com uma conversa civilizada. Tantas palavras não ditas, ou palavras ditas em forma de adagas para perfurar e machucar o próprio irmão. Tanta dor, tanta desilusão. Estou quebrando os vidros do bar da minha sala em uma parede, até que ouço meu telefone tocar, e tocar, e minha vontade é de desligá-lo. Eu não vou aparecer em um evento onde tenho que manter a aparência de uma família feliz, onde todos não passam de mentirosos traidores. Eu não quero fingir, não por hoje. Hoje eu quero libertar todas as minhas frustrações e a besta que aprisionei por tempo demais, a dor que me faz querer recorrer a coisas que jurei jamais fazer novamente. Não posso, não quando tenho uma pessoa tão importante na minha vida que precisa de mim. E por ela, só por ela. E então o toque incessante se inicia novamente e minha vontade é de quebrar meu celular, e eu penso em Alana, pode ser algo sobre ela.
— Se você tiver me ligando à toa, eu juro que vou quebrar sua cara com uma porrada. — Assevero, tentando controlar o tom de voz mortal que direcionei a ele.
— Carina esteve aqui. Ela sujou o banheiro para Alana limpar e a jogou em uma poça de vômito, ela está chorando e acho que precisa de você. — Eu pego mais uma garrafa da cristaleira e a jogo em uma das paredes da sala, o líquido escorre tingindo a parede da mesma forma que foi tingida a minha alma, uma cor tão escura quanto o sangue.
— Ela tocou em Alana? — A voz mordaz que sai dos meus lábios nem eu mesmo reconheço.
— Não... ela... só esbarrou nela. — Paolo diz ao soltar um suspiro.
— Precisa procurar ajuda, Dario... — Comenta, mas logo volta ao assunto relacionado a Alana.
— Você virá? Ela precisa de roupas e creio que não terá mais condições para trabalhar. — Comenta preocupado.
— Estou indo. — Respondo e desligo. Vou para o banheiro, tomo um banho rápido e visto um conjunto preto qualquer que encontro, pego a chave da minha Porsche e desço o elevador com uma bolsa de roupas de Alana. Minha vontade é procurar Carina e colocar juízo na cabeça louca dela, mas Alana precisa de mim. Acelero o carro até ouvir os pneus cantarem, sendo músicas para meus ouvidos perturbados. Chego no Rivera, estaciono de qualquer maneira e sigo para o elevador, minhas mãos nos bolsos em punho tentando conter meu olhar ameaçador. Quando chego no quarto andar, vejo minha mãe e Paolo.
— Onde ela está? — Minha mãe olha para meu rosto com desgosto e tristeza, e eu sorrio de escárnio banhado de sarcasmo.
— Vamos lá, família, pelo menos uma vez na vida vocês têm que presenciar o verdadeiro Dario. Aquele que vocês moldaram e destruíram. — Passo minha mão pela barba.
— O quanto você bebeu? — Pergunta Paolo preocupado.
— Muito. — Dou de ombros.
— Alana não merece o seu pior, Dario. Lembre-se da doce menina sofrida que você protege e não jogue nela suas merdas. Ou você vai perder a única coisa boa que você ainda tem. — Aconselha Paolo, fazendo-me encontrar um fio de sobriedade e com ela um resquício de sanidade. Eu balanço a cabeça e afasto meus demônios.
— Onde ela está? — Indago um pouco controlado.
— No banheiro. Mas, como disse, lembre-se, ela não merece o seu pior.
— Eu sei. — Caminho para o banheiro a passos firmes. Quando a vejo, procurando qualquer ameaça, só enxergo uma Alana frágil, chorando inconsolavelmente ao me ver, jogando-se em meus braços. Eu a amparo e digo que ficará tudo bem. E mais uma vez alguém sofre por minha culpa, mais uma vez eu estrago a vida de mais uma pessoa. Eu não valho nada, sou um canalha. Peço que ela vá se trocar depois que Paolo traga suas coisas que esqueci no carro. E então aparece Ângelo.
— Dario... — Ele me olha de forma avaliadora.
— Vejo que está em um mau dia. — Comenta.
— O passado resolveu me procurar hoje. — Dou de ombros.
— Carina?
— Isso. — Respondo sucinto.
— Pelo que percebi, ela não aceita meu afastamento e quer, de alguma forma, chamar minha atenção ao atingir meu trabalho ou minha vida pessoal. — Admito pela primeira vez em voz alta.
— Ela te fazia mal. — Diz, e eu concordo.
— Ela trazia o meu pior, mas às vezes eu mesmo deixo emergir a besta que aprisiono. — Desabafo. E ele me olha com compreensão.
— A academia de artes marciais está aberta para você colocar para fora todo esse ódio, Dario. Já conversamos sobre isso, acumular sentimentos pesados e controversos dentro de nós não faz bem, é altamente destrutivo. — Estava aceitando seus conselhos, absorvendo-os com certa clareza, quando Corrado apareceu.
— O que? Está com raivinha de quem? Devia parar de brincar com a menina dentro daquele banheiro, nós dois sabemos quem você ama, não é? — Ele cospe suas palavras cheias de rancor e eu perco a cabeça, socando-o duas vezes, fazendo-o cambalear de surpresa e pelo impacto.
— Não se meta, Corrado. Se minha vida se transformou nesse inferno e nesse circo todo, o único culpado é você. — Ele me dá um soco em cheio, fazendo minha cabeça rodar, e outro acertando perto do meu olho; a dor zune em meu ouvido e eu vou para cima dele, disposto a deixar vir todo o ódio que eu sinto do mundo. Toda a merda que tem ferido meu ser.
— Eu te odeio, Corrado. — Solto quando os homens de Ângelo nos separam, nossas bocas e mãos cheias de sangue. Ambos feridos e com um desejo maior de terminar com tudo, seja aos socos ou com palavras para ferir como adagas perfurando o que restou da minha alma.
— O que é, não aguenta perder? Você sempre foi assim, não é? Um fraco, invejoso, desprezível... — Ele cospe sangue no chão e eu abro meu sorriso de escárnio, cheio de desprezo.
— Você é um ser mesquinho, Corrado. Só pensa no próprio umbigo, só enxerga o que quer, pensa que possui o mundo aos seus pés, se intitula o rei. — Outro sorriso ainda mais depreciativo, mostrando todo meu rancor e ódio por ele.
— Mas sabe o que você é? Um cara inseguro. Que não se garante e tem medo da esposa novinha enjoar de você e chutar essa bunda velha. — Solto um sorriso quando vejo que atinge onde dói nele. Às vezes, palavras cortam e machucam mais que uma apunhalada, pois bem ditas colocam para fora nossos piores medos e dores. Eu sei. Uma vez eu quebrei uma pessoa com palavras, eu a matei por dentro com apenas palavras. Ninguém aqui conhece esse Dario. Ninguém sabe o que eles fizeram comigo.
— Parem vocês dois agora! — Ana Martinelli nos repreende.
— Uai mãe, não está com medo de magoar os sentimentos do seu filhinho querido? E o senhor Martinelli? Não vai lá passar a mão na cabeça dele novamente? Dizer o quanto ele está certo? Como eu sou um fracote, que não sei de nada? — Pergunto sarcástico.
— Essa família é um bando de hipócritas. Vocês me odeiam, não é? Preferiram sempre o Corrado, o primogênito, o que ficará no poder. E eu? — Aponto o dedo para mim, revoltado, e sinto uma maldita lágrima cair.
— Não sou nada! — Então olho para Alana, que me observava entre temerosa por ver meu estado e com vontade de se aproximar. Seus passos são incertos e hesitantes, e quando ela chega perto de mim, ela ergue seus pés e limpa minhas lágrimas.
— Vamos sair daqui. — Ela me chama, erguendo a mão para mim e me encarando com carinho, e eu pego sua mão, e saímos daquele circo todo, onde os convidados estavam entre horrorizados e surpresos. Pegamos o elevador, mas Paolo e Ângelo vêm conosco.
— Não vão ficar lá para consertar o ego ferido de Corrado? — Sarcasmo escorre por minhas palavras, e eles não respondem. Alana aperta minha mão, e por ela me calo. Quando chegamos à garagem subterrânea, Ângelo fala.
— Paolo, você leva Dario e Alana para casa. Kleber levará um carro para você assim que solicitá-lo. — Elucida de maneira incontestável. Paolo entra no banco do motorista, e eu, precisando de Alana, vou no banco de trás. Ela se senta, e eu me sento logo depois dela. Ela me puxa para encostar minha cabeça em seu ombro, e eu faço, sentindo, pela primeira vez, o carinho de alguém no momento de maior flagelo da minha alma. Quando chegamos na cobertura, percebo o olhar assustado de Alana para as coisas que quebrei na sala de estar.
— Paolo, você pode ficar um pouco? — Alana pede, com a voz tremida e o olhar demonstrando medo, e me sinto um imbecil por estar assustando ela dessa maneira. Não estava nos meus planos deixá-la ver como sou quebrado.
— Claro, Alana. Ficarei pelo tempo que precisarem. — Diz, com a voz comprometida. Alana balança a cabeça.
— Vamos tomar um banho e limpar seus ferimentos, Dario? — Sua voz é suave e carinhosa. Eu apenas balanço a cabeça e a sigo para o banheiro do meu quarto. Ela entra com certo receio, e eu me mantenho afastado dela; o álcool ainda está em minha mente, e tudo que eu não quero é ferir ou magoar Alana de alguma forma. Quando chegamos ao banheiro, começo a retirar a camisa e depois a calça. Reparo que ela está me observando, mas prefiro me acalmar primeiro; então, sigo para a ducha. A dor no meu maxilar e na maçã do rosto está me matando, mas foi merecido; pelo menos ele fez algo que deve ter sonhado a vida toda. Me surpreendo ao vê-la entrar no box depois de algum tempo, nua, e começar a deslizar suas mãos por minhas costas.
— Alana... — Minha voz sai rouca e quebrada. E ela vem para a minha frente e abraça meu corpo.
— Estou aqui para você, Dario. — Fala baixinho, beijando meu peito.
— Sempre estarei. — Afirma, fazendo meu coração bater feito um louco, tão disparadamente que chega a ser assustador. Sem dizer mais nenhuma palavra, ela pega a bucha e o sabonete líquido e começa a passar a esponja por meu corpo com carinho e cuidado, esfregando meu corpo todo, deixando beijos em alguns lugares, me deixando excitado, mesmo que sem ser intenção alguma de nenhum dos dois. Eu deixo que ela cuide de mim, que lave meu corpo, que esses cuidados consigam levar a revolta, a dor, a desconfiança e a traição. Eu quero tanto confiar e acreditar em alguém de novo, e vendo Alana aqui comigo, sem reservas ou medo, cuidando de mim mesmo ao ver meu pior, acaba de derrubar todas as barreiras que eu insistia em colocar entre nós dois. Depois de tomarmos banho, me enxugo e a ajudo a se enxugar, e nos deitamos nus na cama. Ela me puxa para ficar bem pertinho dela, e eu aceito, precisando de algo que não seja sentimentos de rejeição. Ela acaricia meus cabelos e deixa beijos por minha barba.
— Obrigado. — Agradeço baixinho.
— Tudo por você, Dario. — Responde em tom suave, e eu pego sua mão e beijo o dorso dela.
— Pensei que iria ficar com medo de mim, que iria me odiar, correr para longe. — Revelei, e ela negou com a cabeça.
— Não posso abandonar uma pessoa que sempre estendeu a mão para mim, que sempre me salvou, que esteve comigo nos melhores e piores momentos. — Confessa baixinho.
— Todos nós temos nossos demônios, Dario. Todos sofremos algumas dores internas, algo que nos engole aos poucos, que reprimimos pensando que, em algum momento, ele vai embora sozinho. — Explica como se conhecesse minha dor, como se ela soubesse como é estar quebrado.
— Você também se sente assim?
— Quase sempre. A diferença é que eu escolho não levar para o coração. Eu deixo ir. — Explica e se aproxima mais, seu narizinho quase se encostando no meu. Estamos deitados de frente um para o outro, uma de suas pernas jogada em cima da minha.
— Quando peguei minha irmã transando com Cláudio no muro, eu quis matá-los no primeiro momento. Não pela traição de Cláudio, pois eu quase nem beijava ele. Sabia que, em algum momento, ele desistiria de mim. — Ela parece mergulhar no passado, e dá para ver quando a dor aparece em seus olhos.
— A pior traição foi feita por minha irmã, a pessoa que me conhecia uma vida toda. É como se tudo que vivemos em família não significasse nada. Eu quis bater nos dois, quis gritar para o mundo todo o que fizeram comigo. — Revela, e vejo lágrimas em seus olhos, e eu as limpo. Nossos sentimentos são tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes, a dor da traição da própria família.
— Mas preferi não me rebaixar ao nível deles. Não quis me igualar à podridão deles. — Explica com tanta sabedoria que me acho um idiota mimado.
— Eu fui meio infantil hoje. — Comento um tanto envergonhado.
— Mas Thiago me visitou e falou algumas coisas que me deixaram mal... Eu acabei me excedendo e bebendo mais do que deveria. — Dou de ombros.
— Você e seu irmão Corrado não se dão bem, não é? — Pergunta curiosa.
— Não. Nós dois temos grandes ressentimentos um com o outro. Ambos com seus motivos próprios. — Comento, não querendo falar os motivos que nos levaram a nos odiarmos.
— Odiar as pessoas não faz bem, Dario. Nem para nós mesmos, nem para o próximo. — Expõe.
— Pessoas que guardam mágoa e rancor não conseguem seguir em frente. Ficam presas em uma espécie de loop, algo repetitivo e altamente destrutivo. — Relata de forma calma e com uma sabedoria gigante.
— Nós dois estamos juntos, não é? — Pergunta, e eu confirmo.
— Queremos continuar assim, não é? Juntos, felizes, um cuidando do outro, igual agora. Quando um cair, o outro vem e o levanta, nenhum dos dois soltando a mão do outro. E para isso, você precisa deixar ir. Não sei o que fizeram com você, mas para que isso dê certo, precisa deixar esse sentimento destrutivo ir embora, pois isso só vai afastar quem ama você. — Confessa baixinho, e eu sorrio triste.
— Ninguém me ama, Alana. — Afirmo. E ela me olha estranho, e eu ergo uma sobrancelha.
— Você está errado, Dario, pois eu amo você.
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uma farsa com o milionário
Romance○ Slow Burn ○ Friend To Love ○ Fake Date ○ Mocinho Protetor ○ Mocinho quebrado Dario Martinelli, aos 28 anos, é um homem de negócios bem-sucedido que acreditava ter toda sua vida planejada milimetricamente. Metódico, imaginava ter tudo sob controle...