CAPÍTULO 55

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               DARIO MARTINELLI

A vida é mesmo tirana conosco, impiedosa e sacana. Não podemos culpar ninguém além de nós mesmos e nossas escolhas, no entanto, isso não nos isenta de nos revoltarmos por algumas coisas. Eu estou me comportando como um moleque com Alana, sei disso, mas poxa, eu quis dar tudo àquela garota, proteção, cuidado, carinho, tempo, estava disposto a me entregar por inteiro, a mostrar quem eu sou... abri as portas da minha casa, deixei ela entrar, e ela escolhe a família dela sem nem pestanejar. Um desgraçado que abusa dela há anos, uma mãe que prefere um vagabundo à própria filha. Que merda passa na cabeça de Alana, velho? Por que escolher eles quando ela tem a mim? Eu sei que não sou a melhor escolha de ninguém, mas ela sempre seria a minha escolha...

— Está pensativo, Dario. — Eloá me tira dos meus demônios, eu aperto a mão no volante. Na hora em que Eloá me ligou para buscá-la no Rivera, minha primeira reação foi recusar seu pedido, mas ela me fez refletir sobre algumas coisas, dizendo como eu estava me afastando da nossa família e que isso me faria mal. Para não ouvir um discurso interminável, aceitei.

— Estou preocupado com Alana. — Respondo no automático.

— Por que? Carina está ameaçando ela novamente? — Eu nego com a cabeça.

— Não, por enquanto Thiago e o pai dela estão a mantendo na linha. — Respondo sem entrar em detalhes. Mas a verdade é que eu ameacei o pai de Carina de vender minha parte dos negócios da rede de supermercados em que tenho um pouco mais de cinquenta por cento das ações. A única forma de ter aquela gente nas mãos foi ameaçar o patrimônio deles, e me pergunto se não são eles próprios que estão querendo me derrubar ao atacar as finanças dos negócios da minha família aqui em Albuquerque. Coincidência demais tudo o que anda acontecendo.

— Ah, fico aliviada. Eu e sua família estamos muito felizes por seu envolvimento com Alana. Ela te faz bem, Dario. Te deixa feliz. — Ela comenta novamente as mesmas palavras de sempre, enquanto esfrega sua barriga, um gesto que ela adquiriu desde que descobriu a gravidez. Ouvi dizer que sua barriga está começando a aparecer, um montinho. Quando ela percebe que olhei para sua barriga, ela sorri.

— Eu acho que é um menino, acredita? — Comenta com uma alegria contagiante, e eu sorrio para ela.

— Mais um Martinelli orgulhoso e possessivo para a família. — Falo sorrindo, e ela balança a cabeça.

— Essa possessividade e orgulho todo é um defeito de todos os Martinelli, não é? — Eu confirmo com a cabeça.

— Eu não nomearia como defeito. — Respondo sorrindo de lado.

— Imagina. — Fala baixinho, e assim que eu estaciono na vaga de visitantes do Club Dell’Ângelo, Eloá suspira baixinho. E então me encara.

— Espero que um dia você... você consiga voltar a ser meu amigo, Dario. — Eu não esperava por essas palavras de Eloá e travo meu maxilar.

— Eu sinto muita falta de você. Das nossas conversas, você me fazia bem, e às vezes eu me... — Quando eu a encaro, vejo que ela está chorando, e eu pego alguns lenços de papel e a entrego.

— A gravidez está me deixando muito emotiva, eu choro por qualquer coisa. — Explica sorrindo. E então me surpreende ao segurar minha mão e apertar.

— Um dia, quando tivermos tempo, precisamos sentar e colocar nossa história em pratos limpos, no passado nos magoamos muito, um pouco por falta de maturidade. — Ela faz uma pausa e limpa as lágrimas com uma mão, mas com a outra ainda segurando a minha, que por reflexo acaricio seus dedos, e ela sorri. 
— Eu fui imatura, estava vivendo tudo com muita intensidade, Dario. Não dei o devido valor à nossa amizade, você, um tanto arrogante e orgulhoso, estilo Martinelli, não quis ouvir. Enfim, temos muito o que dizer. Acredito que se cada um desabafar, colocando para fora tudo, podemos resolver de uma vez por todas as coisas e quem sabe voltarmos a ser quem éramos antes, hum? — Ela me olha com seus olhos brilhantes e eu confirmo com a cabeça, sentindo um turbilhão de emoções ao mesmo tempo.
— Posso te dar um abraço, Dario? — Fico estático por vários segundos. Acredito que o sangue tenha fugido do meu rosto, mas confirmo com a cabeça e abro os braços. Ela me abraça pelo pescoço, o abraço é reconfortante e agradável. Ficamos assim por alguns segundos até nos soltarmos, e eu vejo Corrado nos observando, suas mãos estão cerradas e ele está com o nariz dilatado, mostrando como está com raiva do meu contato com sua esposa. Eu poderia sorrir, beijar o rosto de Eloá, fazê-lo sangrar como ele me fez uma vez, mas ao invés disso, eu me afasto dela.
— Quando estivermos com tempo disponível, vou querer ter essa conversa, Eloá. Acredito que você esteja certa e que precisamos esclarecer algumas coisas. — Ela confirma com a cabeça.
— Vou descer e abrir a porta para você, pois seu marido está me fuzilando com os olhos. — Eloá segura minhas mãos e me faz olhar para ela.
— Por favor, não vão sair no soco hoje. — Sorrio para ela e nego com a cabeça.
— Pode deixar, não vou estragar a cara feia dele hoje. — Pisco para ela e saio do carro. Estava dando a volta quando Corrado vem ao meu encontro para me atacar.
— Você não se cansa de tentar seduzir minha mulher, não é mesmo? — Sua pergunta sai amargurada e cheia de rancor. Eu abro meu costumeiro sorriso arrogante, fitando-o sem nenhum receio.
— Essa insegurança não combina com sua pose de dono do mundo, irmão. — Debocho, e o vejo segurar um palavrão.
— E para sua informação, não estava seduzindo ninguém. — Olho no fundo de seus olhos e declaro. — Nunca tocaria ou olharia com segundas intenções para sua esposa. Você pode até ter se esquecido, mas eu sou um Martinelli, Corrado, e respeito minha família acima de tudo. — Com essas palavras, passo por ele e abro a porta de Eloá, que me olha em agradecimento. Corrado aparece e eu abro caminho. Ele a pega nos braços, segurando-a pela cintura, e a rodopia, beijando sua boca. Ela sorri alto e bate nas costas dele para que a coloque no chão, e eu observo eles seguindo para dentro, felizes, de mãos dadas. Julgo que fiquei bastante tempo parado, pois sinto as mãos de alguém em meu ombro, e quando olho para o lado, vejo que se trata de Caetano.  
— Boa tarde, Dario. Que milagre te ver por aqui. — Comentou, e eu acabei sorrindo.
— Como vai, cara?
— Estou ótimo. Está buscando alguma diversão hoje? — Ergo minha sobrancelha e nego com a cabeça.
— Eloá me pediu uma carona e resolvi trazê-la. — Dou de ombros. O filho da puta me analisa por vários segundos, e eu tenho vontade de dar na cara dele.
— Venha, vamos ao bar da boate. — Ele me puxa, fazendo-me seguir para dentro. A boate ainda não está aberta, mas o bar costuma funcionar depois das cinco da tarde, principalmente em dias de atrações. Sentamos em uma das bancadas e pedimos uísque com gelo.
— Como estão indo as coisas? — Me perguntou, e eu não quis entrar em detalhes.
— Sem muita novidade. — Respondo.
— E você vai abrir mais alguma filial em Belo Horizonte? — Ele nega com a cabeça.
— Por enquanto não, só as que eu tenho já estão me tirando o juízo. — Sorrio.
— Entendo você, eu possuo alguns negócios que às vezes queria abrir mão da administração. Muita dor de cabeça. — Ele me encara e sorri de lado.
— Está reclamando de barriga cheia, soube que uma das redes de cafeteria que você abriu em algumas cidades de Minas Gerais gerou um bom rendimento. — Com essa conversa puxada pelo lado dos negócios, me fez relaxar, e comecei a falar sobre um novo negócio que estava com vontade de investir, e ficamos trocando ideias por algumas horas. Não havia notado a movimentação de pessoas ao nosso redor. Estava na quarta ou quinta dose de uísque quando ele resolveu tocar no assunto de Eloá.
— Você e a sua cunhada, hein?
— O que tem?
— Como o que tem? Se bem me lembro, há alguns meses você ainda estava revoltado, apaixonado e inconformado. — Joga na minha cara, e eu engulo em seco e paro para refletir. O tempo amadurece a gente, e o que antes me incomodava a ponto de me fazer desejar usar qualquer porcaria não causa o mesmo sentimento de descontrole que antes.
— As coisas mudam, Caetano, e chega uma hora que temos que seguir em frente e deixar o passado onde ele pertence. — Respondo, virando o resto da dose de uísque.
— Isso quer dizer que você já não ama mais Eloá? Você a esqueceu? Não dói mais vê-la nos braços do seu irmão como antes? — Reflito por alguns minutos, olho para a boate, que já está ficando lotada. Algumas mulheres dançando sozinhas, outras acompanhadas, algumas parecem procurar por companhias, alguns homens estão à caça de mulheres que não querem compromisso algum. Já fui um desses. Hoje não me interesso mais por nada disso. Apenas uma me tem, apenas uma conseguiu o que muitas tentaram sem sucesso.
— Não dói. Não sinto nada, não sinto inveja, não sinto dor, nem desconforto, é como se fosse qualquer outro casal em minha frente. — Caetano parece duvidar das minhas palavras. Ele vira sua dose de uísque de uma única vez e balança a cabeça, e eu sorrio de lado. Ele chama o garçom, que completa nossos copos com uma pinga das boas. Estou ficando um tanto quanto embriagado e acredito que já seja hora de parar de beber.
— Então você já não ama mais Eloá? — Indagou, levando-me a raciocinar sobre sentimentos, e não encontrei resposta alguma, talvez seja pela bebida.
— Se não dói mais, acredito que seja um claro sinal de que não sinto mais nada, não é? — Pergunto sorrindo e buscando um gole do meu copo.
— Talvez sim, talvez não. Você ama Alana? Estão namorando de verdade?
— Perguntas difíceis, respostas impossíveis. Eu sou louco por Alana, ela é meu raio de sol, o motivo dos meus muitos sorrisos, e de algumas frustrações. Ela é a culpada de estar aqui em Albuquerque quando minha preferência é refugiar-me em minha fazenda. — Explico de forma simples e Caetano eleva a sobrancelha.
— Mas? — Insistiu, e eu dou de ombros.
— Estou confuso pra caralho, Caetano. E toda essa desordem dos meus pensamentos tem me causado muitas complicações. — Desabafo.
— Em que sentido? — Perguntou curioso.
— Não sei, nem eu me entendo. Será que eu já amei mesmo Eloá ou tudo não passou de uma ilusão... — Falo minha maior dúvida em voz alta pela primeira vez.
— Por que a dúvida dos seus sentimentos por Eloá agora?
— São sentimentos completamente diferentes do que sinto por Alana, então um dos dois não é amor. — Libero o motivo da minha maior confusão mental ultimamente.
— Não necessariamente, existem vários tipos de amores, eu não sou o mestre dos sentimentos, mas pelo pouco que eu sei, nenhum sentimento ou amor é igual e nem por isso deixa de ser amor. — Explicou, deixando-me ainda mais confuso do que já estava, se isso for possível. Eu tomo outro gole do meu copo de água ardente e sinto um braço em meu pescoço e logo em seguida sou surpreendido por uma mulher sentando em uma das minhas pernas que estava de lado tentando beijar meu rosto.
— Olá, gatão... — Passa a mão pelo meu cabelo, e eu retiro sua mão e, com a maior delicadeza que consigo, a tiro do meu colo.
— Oi.
— Está a fim de diversão, gato? — Eu olho para Caetano pedindo socorro e o filho da puta sorria largamente, e eu bufo.
— Foi mal, gracinha, mas eu tenho namorada. — Eu aponto para Caetano.
— Meu amigo ali está disponível. — Ela desfaz o sorriso sedutor que tinha no rosto e se afasta de mim como se eu tivesse feito a maior ofensa de todas a ela.
— É, meu amigo, foi amarrado pelas bolas mesmo, hein? Nunca te vi rejeitando uma boceta, você nem ao menos apreciou a sereia que caiu em seu colo. — Eu sorrio de lado para ele.
— Para que vou olhar para outra mulher quando eu tenho uma em casa, Caetano? Eu não preciso de nenhuma outra mulher, Alana é perfeita pra caralho.
— Depois diz que não está amando. — Eu dou de ombros.
— Não disse que não estava, eu apenas não consigo nomear ou colocar em palavras. — Tento explicar, mas minha mente está bugada de tanto álcool.
— Com Eloá, eu não precisava esconder quem eu era, nunca mentia, não tínhamos segredos. — Rapidamente paro, pois foi só Corrado chegar para ela mudar da água para o vinho, se esconder, se afastar e não ser mais a mesma, mas volto ao que estava dizendo.
— Eu era um moleque irresponsável, do tipo de nós dois dormirmos em uma barraca no quintal de casa e acordar com os capatazes rindo da nossa maluquice e minha mãe brigando comigo com medo de eu ter filho cedo. Fazia minhas molecagens e ríamos iguais dois idiotas. Eu me sentia livre, sem responsabilidades, sem pensar em nada além da nossa amizade e os sentimentos que tinha por ela, que era puro, calmo, tranquilo e certo, sem dúvidas. — Narro, tentando entender de uma vez por todas essa bagunça enorme.  
— Com Alana é o completo oposto. Não é tranquilo nem calmo. Com ela, tenho fome do seu corpo, do seu toque. Fico ansioso para ela chegar em casa, e quando a vejo sorrindo, fico louco para beijá-la. Desejo fazer tudo que está ao meu alcance para vê-la feliz. Sempre tento surpreendê-la, querendo de alguma forma que ela me veja como seu abrigo. Eu sou sério, quero protegê-la, tenho responsabilidades, me preocupo com seu bem-estar. Sou possessivo ao extremo. — Faço uma pausa e olho para frente, vendo Bianca dançando e me encarando. Desvio o olhar para não dar a ideia errada e tomo o resto da pinga, já pegando outro copo de bebida, mesmo sabendo que deveria parar.

— Sabe o que é pior nisso tudo, Caetano? Eu minto, escondo meus segredos, não falo sobre meus sentimentos. Sou uma farsa com Alana, Caetano. Ela literalmente não conhece meu verdadeiro eu. Ela se apaixonou por um Dario fraudulento. E isso está me consumindo, tenho medo cara, medo de perdê-la quando ela descobrir quem sou de verdade... — Sorrio em desespero, baixo meu copo e escuto o tilintar do gelo.

— Ela me amará quando conhecer meu verdadeiro eu? Ela ainda vai ficar do meu lado quando perceber que o Dario que eu mostro a ela não é real? Será mesmo que o amor dela é por mim? Ou pelo personagem que eu inventei? Vale a pena arriscar contar a ela minha pior versão e perder o temos? Esse medo de perdê-la é amor? — A última frase sai em um sussurro apenas para mim. As minhas perguntas são como uma torrente de águas agitadas, assim como o meu eu interior, feroz, conflituoso e confuso. Sou uma bagunça enorme, cheio de problemas que me amarram e me puxam para o fundo, mesmo quando luto para seguir na superfície. Luto contra meus demônios e escuridão o tempo todo e, mesmo assim, não parece ser suficiente.

— Você não é uma fraude, Dario. E você não é um personagem, a pessoa que você apresenta para ela é o mesmo Dario, só que o diferencial é que não mostra a ela suas dores, seus fantasmas, suas cicatrizes. Você só esconde a parte ruim, isso não quer dizer que seja um personagem, você só tem medo, receio de mostrar seus demônios e ela te abandonar. Medo de perder o amor dela, e isso é compreensível. — Caetano me explica ao segurar minha mão e apertá-la.

— Alana ficará quando descobrir o monstro que eu sou, Caetano? Alguém ficaria? Ela vai me deixar, Caetano... Você acha que ela vai me aceitar? Eu tenho alguma chance de ainda tê-la em minha vida? — Pergunto com a voz embargada, me sentindo vulnerável.

— Se ela realmente te amar, sim, ela aceitará você como é. Ela ficará, independente de qualquer situação. O amor é isso, cara, compreensão e cuidado. O amor não existe apenas em tempos bons. O verdadeiro amor resiste à tempestade, à escuridão, resiste a tudo. E se, caso não resistir, é porque nunca foi amor, e então não vale a pena. — Suas palavras alugam um tríplex em minha cabeça. Se ele estiver mesmo certo e não for uma conversa de bêbado, não será tão complicado como pensei, e talvez Alana me aceite com meus demônios e fantasmas. Ela aceitaria um homem quebrado? Será que ela aceitaria um assassino? Ou ela iria me repudiar? Tenho sangue em minhas mãos, eu... Eu não era assim dois anos atrás, antes de tudo aquilo. Antes da rejeição, antes da traição do meu irmão, antes de Belo Horizonte. Por que eu fui naquele lugar? Por que me deixei levar por pessoas podres? Por que fui conhecer Carina? Eu saio do meu inferno pessoal quando avisto uma ninfa andando até onde estou. Ela me encara com seus lábios cheios, com um batom na cor vinho, seu sorriso incerto, seu corpo esbelto e suculento do qual eu já provei cada curva. Seus cabelos volumosos estão molhados, mas os cachos que tanto amo estão definidos. Com seu rebolado hipnotizante, ela se aproxima. Quando está perto de mim, sorrio de lado para ela.

— Estou sonhando ou é você mesmo, gatinha? — Minha voz sai arrastada, mas meu sorriso safado sai involuntariamente. Dou uma piscadela e ela revira os olhos.

— Se for uma miragem, que fique, pois é a melhor visão da vida. — Comento sorrindo. Ela bufa.

— O quanto você bebeu, Dario? — Pergunta contrariada. Eu enlaço sua cintura macia e lisa em um vestido preto colado.

— Muito. — Respondo, sentindo minha visão ficar turva. E ouço ela gritando algo antes de apagar. 

        ⚠️NOTA DA AUTORA⚠️

Meninas, como vocês devem saber, o APP está passando por algumas mudanças. Eu não sei como ficarão minhas postagens ou se meus livros continuarão por aqui. Por isso, peço que, se gostarem dos meus livros, me sigam no Instagram para ficarem por dentro de tudo e não perdermos contato. Enfim, meu Instagram é: https://www.instagram.com/autorahannar.r

uma farsa com o milionário Onde histórias criam vida. Descubra agora