CAPÍTULO 15

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                       ALANA REIS

               ALGUNS DIAS DEPOIS

Minha cabeça está tão tumultuada esses dias. Hoje é sexta-feira, e durante todos esses malditos seis dias, enquanto estava indo para o ponto de ônibus às dez e meia da noite, Cláudio me abordava, sempre falando que o meu tempo estava vencendo. Eu já derramei produto de limpeza errado em uma pia de vidro, onde a bacia transparente ficou com uma mancha horrível. Chorei tanto, e as meninas me abraçaram e me acalmaram, enquanto Fê e Vânia limpavam a minha bagunça. Minhas mãos estão tremendo, a dor no peito é agonizante.

Como posso escolher entre deixar minha mãe saber que o marido dela é um monstro e destruir a família dela, desestabilizando sua saúde e paz, destruindo tudo que ela orgulhou ter por mais de vinte anos? Já pensei tantas vezes em revelar para ela o que acontece bem debaixo do nariz dela, por mais anos que eu possa contar, mas como faço isso? E se eu sair como vilã e for acusada de seduzir meu padrasto? Não resistiria, seria doloroso demais. E tem a opção de me entregar a Cláudio. Eu poderia me desligar e deixar que ele use meu corpo, mas isso seria uma violação. Sobreviveria a mais um trauma? A mais uma cicatriz em minha alma? Tenho minhas dúvidas, por isso muitas pessoas desistem de viver, por vezes eu pensei nisso, em dar cabo em tudo, em deixar de existir e assim parar de sofrer.

— Lana, eu já não suporto mais essa sua tristeza, essas lágrimas, essa dor. — fala Jessica, me abraçando, e eu deixo as lágrimas vir, estou tão quebrada...

— Eu me sinto derrotada, Jessica. Mãezinha vai me odiar, ela vai me culpar. Jorge fará a cabeça dela, dirá que eu o seduzi. E se não acontecer, eu seria a culpada por destruir uma família. Eu terei que viver com essa culpa para sempre. — eu desabafo. Estou sentada no chão do vestiário feminino. Eu estou uma bagunça de lágrimas e cabelos; meu rosto está inchado, os olhos também. Eu já chorei mais essa semana do que durante toda minha vida.

— Vou ser sincera com você, Alana; você já se sacrificou demais para sua família. Você deixa de se vestir para comprar comida para eles, para dar conforto que nem mesmo você usufrui. Toma uma atitude, mulher, saia daquela casa, deixe eles para trás, Lana. Vá viver sua vida. Se sua mãe confiar nas palavras de um monstro abusador de merda, você vai me desculpar, mas ela merece ele. — ela limpa minhas lágrimas e sorri para mim.

— Saia de lá, venha morar comigo e Fê. A gente aluga um apartamento maior ou nos esprememos em um quarto só. O que não vai faltar para você, Lana, é um lugar para morar e acolhimento. — eu fito Jessica com gratidão.

— Nós somos amigas há anos, Lana, e há anos eu assisto a essa sua luta sem fim, esse sofrimento. Você é forte para caramba, de uma maneira que eu jamais seria. Ninguém deve carregar tantos fardos como você, Lana. — eu abraço ela e deito minha cabeça em seu ombro, e ficamos ali, escondidas em nosso mundo. Se eu perder meu emprego, estou morta. 
— Tenho que ir, amiga. Meu intervalo acabou, e não se preocupe com nada, que Fê está te substituindo. E não se sacrifique mais, Lana. Dê um basta. Jogue a merda no ventilador. Liberte-se dessa sua carga. — Jéssica se levanta e vai me deixando em uma prisão, a prisão da minha mente. A pior delas. Fico ali encolhida durante todo o horário de expediente, vejo as meninas entrando e saindo; elas me olham com pena, dó, outras com estranheza, e por resto eu me desligo, pois as horas estão passando e meu pesadelo está chegando.

Meia-noite é hora de ir para casa; recolho minhas coisas o mais rápido possível. Não paro com ninguém, mas Jéssica e Fê vão atrás de mim, e quando estão próximas, falam.

— Vem embora conosco.

— Quem me dera se eu pudesse, Fernanda. — digo em um suspiro.

— Ele me deu até sábado; de qualquer forma, eu tenho essa noite para me decidir. — comento como se isso não doesse em minha alma.

— E o que decidiu? — questiona Jéssica.

— Por que você mesmo não conta para sua mãe? Para que esconder isso? — é a vez das perguntas de Fê encherem minha cabeça.

— Não sei, Fê, e não sei, Jéssica. Cláudio conhece todos os meus segredos, meninas. Eu pensei que ele fosse honesto, eu confiei nele, eu contei tudo. Vocês sabem que o buraco é mais embaixo; se ele resolver abrir a boca, não será apenas minha vida que será destruída. Serão quatro pessoas arruinadas. A pergunta é: eu tenho escolhas aqui? Porque para mim tá mais que na cara quem venceu. Eu não posso destruir todo mundo. — não posso. Viro as costas para elas e sigo para o ponto de ônibus; assim que ele chega, entro nele no automático, me perco em meus problemas, minhas aflições, as perturbações da minha mente. Decidi o que fazer, vou tentar um apelo emocional; se não funcionar, vou me quebrar para salvar quem eu amo.

Assim que o ônibus para, meu coração se comprime, tão dolorido. Respiro fundo e desço, seguro minha bolsa, apertando com os dedos. Então começo a andar rápido pelas calçadas da Vila São José, rápido, rápido. Até que sinto a presença e o perfume de Cláudio. E em seguida, sua voz que eu tanto desprezo.

— Alana... — ele chama meu nome, e eu estaco meus pés.

— Último dia, quero a resposta amanhã. — ele desfaz o coque que fiz em meus cabelos, soltando os fios.

— Não vejo a hora de realizar minha fantasia. — ele rodeia meu corpo, passando suas mãos por meu moletom; eu me encolho, e as lágrimas caem vivas por minha face. Respiro fundo e então encaro seus olhos, buscando alguma humanidade.

— Se... se eu aceitar... você me dá um prazo? — estou tão quebrada. Tão destruída.

— Tempo? — ele se aproxima com sua postura intimidante, e eu me afasto dele. E ele continua se aproximando.

— Você não vai me fazer de bobo mais, Alana. Foram onze meses, e eu não estou a fim de esperar mais nenhum dia. — ele chega seu corpo nojento perto do meu.

— Eu já reservei um fim de semana no melhor hotel da cidade. — ele tenta tocar meu rosto.

— Não se preocupe que será bom pra você.

— Como, Claudio? Se você está me forçando a ficar com você. Você quer ser como ele, não é? — ele então abre o nariz, seu rosto se transforma em uma figura assustadora.

— O que você pensa? Acha que vai fazer sexo comigo com meu consentimento? Pois não será, Claudio, se você me tocar, estará me violando. PORQUE EU NÃO QUERO VOCÊ! — eu grito; ele me observa com certo rancor, ódio e antipatia.

— O que você pensa da vida, Alana? Já olhou para você? Você acredita mesmo que vai encontrar um homem melhor que eu? — ele passa a mão pela barba, nervoso.

— Te enxergar, garota, é um favor; eu estava querendo você, era para se ajoelhar nos meus pés e agradecer. E fica aí se comportando como se estivesse indo para a forca. — ele bagunça o cabelo.
— Você quem sabe, Alana. Talvez você nem valha a pena, nem é bonita. Uma baranga que se acha a última bolacha do pacote, é triste. — ele me humilhava, me rebaixava, e eu já não suportava mais, todos os dias as mesmas palavras. Para piorar, chega Vivian, que parece estar saindo de casa agora.

— Cláudio, o que faz aqui? — ela se aproxima, rebolando em uma saia minúscula e com postura arrogante. Ela olha para meus olhos inchados e meu rosto todo molhado, erguendo uma sobrancelha; eu quase posso ver preocupação e compaixão.

— Por que Alana está chorando, Cláudio? — ela ignora minha presença.

— Eu disse a ela como ela vai morrer solteira se continuar escolhendo por aí. Que beleza ela não tem. É pobre, feia e ainda fica se fazendo. — ele fala para me humilhar.

— Já falei com você, Cláudio. Alana não gosta de homens. — comenta Vivian ácida.

— Devia deixá-la em paz; tem uma diversão bem aqui para você. — ela dá uma voltinha para ele.

— Eu quero ver quando eu me cansar de correr atrás de você, Alana. Você não vai ganhar nada me rejeitando; pelo contrário, você sabe que vou foder com sua vida de um jeito ou de outro. — os insultos continuam até que um carro para à nossa frente, e de dentro dele sai a pessoa que eu menos queria ver aqui nesse momento. Sua feição está carregada de raiva, ódio, e o olhar vazio e triste não me lembra nada do olhar por qual me apaixonei.

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