CAPÍTULO 59

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                       ALANA REIS
    
               ALGUNS DIAS DEPOIS

Termino de me arrumar para ir para o trabalho já passava das três da tarde; chegaria atrasada. Mãezinha está estranha, calada, distante. Sempre que me aproximo, ela me beija e me abraça forte. Ela queria me convencer a nos mudar de cidade, ir para longe, quando eu disse que briguei com Dario, mas deixei claro que já tínhamos nos resolvido na mesma hora. Mãezinha parece falar coisas desconexas. Jorge tem estado fora de casa o tempo todo, está nervoso e estranhamente calado. Estou saindo do meu quarto com minha bolsa em mãos quando sinto Jorge puxando meus cabelos com força, arrebentando alguns fios no processo.

— Precisamos conversar. — sua voz era estranhamente fria e controlada. Eu nunca vi ele agindo dessa forma, seus olhos estavam vermelhos. Ele parecia irritado, me puxou pelo braço e cabelo e me jogou sentada no sofá. Ele se agacha bem próximo a mim e eu me encolho.

— Está na hora de você conhecer quem é de verdade a sua mãezinha. — sua voz sai banhada de desprezo, e então vejo mãezinha saindo do quarto; seu rosto era uma mistura de terror e raiva.

— Deixe minha filha em paz, Jorge! — pede minha mãe e Jorge a encara com descaso.

— Você sempre teve medo de que sua inocente filha descobrisse sobre seu passado sujo, não é, Regina? — minha mãe arregala os olhos e fica assustada, colocando a mão no peito, e Jorge sorri.

— Sabe quem é a sua mãezinha, Alana? — começa Jorge, e mãezinha se aproxima dele.

— Por favor, não, Jorge. Nós vamos nos mudar, podemos recomeçar. Não precisamos falar do passado para isso — implora minha mãe, me deixando confusa.

— Mesmo que passássemos a vida fugindo, não resolveria se Alana não descobrir a prostituta que a mãe dela é. — mãezinha solta um soluço e eu fico confusa.

— Prostituta?

— Sim, Alana. Sua mãezinha, foi expulsa de casa quando tinha apenas dezesseis anos, muito pobre e sem ter onde cair morta, precisou procurar uma das casas de prostituição em que eu e meu meio irmão gerenciávamos. — sorriu mostrando seus dentes horríveis, me assustando ao ponto de me encolher ainda mais.

— Eu desejei ser o primeiro dela. Sabe como é, provar o produto. — eu faço cara de nojo e mãezinha me olha com pesar, eu não consigo olhar para cara de Jorge.

— Chega! — grita mãezinha.

— Agora é a melhor parte. Sua mãe estava decidida a se entregar para mim, mas meu meio irmão não permitiu e a tomou como puta exclusiva dele. E ela aceitou ser sua prostituta. Até que José Henrique se apaixonou pela ninfeta e se casou com ela. A fazendo sua mulher. — conta com desdém.

— Seu pai é um criminoso, Alana, ele é o maior bandido do Rio de Janeiro, ele matou muitas pessoas, e faz outras se endividarem até o pescoço em seus prostíbulos, onde sua ‘mãezinha’ se vendeu. Ela sabia disso tudo e ficou, ela o amava, dizia. Aceitava as mortes nas mãos manchadas de sangue do marido desde que ele desse a ela uma vida de rainha em uma mansão com roupas de grife, se tornando uma mulher arrogante e sem remorso. Eu ofereci a ela uma vida normal e tranquila, e ela rejeitou, estava acostumada com o luxo que a vida criminosa que o marido oferecia a ela. ESSA PUTA VAGABUNDA! — ele gritou descontrolado, e depois sorriu de forma depravada e assustadora. 

— Eu me vinguei. Eu destruí os dois, EU! — ele bate no peito, se vangloriando, e direciona seu olhar amargo para mãezinha.
— Você se lembra, Regina, como eu quebrei José? O grande agiota, o assassino Rico, perdido e louco ao ver a puta da mulher dele na cama com seu meio irmão, nua, esparramada, acordando sem entender nada, os tiros, os gritos. Eu amei ver ele quebrando você. — ele descreve, e mãezinha direciona a ele um olhar mortal.
— Você me enganou, Delfino. Me levou para ver José na Casa Rico com uma prostituta em seu colo. Eu pensei que você era meu amigo, você armou para mim! Você me drogou e me despiu, você fez Rico me odiar, ele me trair, me bater, me ofender. VOCÊ ME QUEBROU! — grita descontrolada de uma forma que nunca vi antes. E Jorge, ou Delfino, já não estou entendendo mais nada, gargalha. Vivian aparece do nada e se senta perto de mim, procurando minha mão. Assustada, aperto a dela.
— A culpa foi inteiramente sua que me rejeitou. Eu te amava, sua vagabunda. Por amor, eu te salvei dele. Eu não permiti que ele a matasse ou que ele a fizesse ter um aborto. Seu marido amado estava querendo matar sua querida Alana, ele gritou para todos ouvirem como tinha nojo de vocês e as queriam mortas. — debocha, e mãezinha nega com a cabeça.
— Ele pensava que o filho era seu! Ele achava que eu dormi com você. Só por isso ele rejeitou nossa filha. Ele não me deixava explicar, não confiava em mim, ele se perdeu, ficou louco, queria vingança. — justifica aos prantos.
— Não justifica. Ele ia matar seu bebê e você correu para que eu a salvasse. Se humilhou aos meus pés, implorou por dias para que eu a ajudasse a fugir de Rico, prometeu me dar o que eu sempre desejei. — vangloria, e mãezinha chora.
— Eu fiz tudo que me pediu, Delfino. Eu fui a sua esposa submissa, eu fui tudo que me pediu, eu respeitei você, cuidei da sua casa, cuidei de você. — ela chora, triste.
— Mas nunca foi capaz de dar o que eu sempre invejei de Rico. Você nunca foi capaz de me amar como amava José, Regina. Você nunca me olhou como olhava para ele. Você só está comigo por medo, por não ter para onde ir, porque sabe que tenho coragem de contar à polícia sobre seu passado sujo e, o pior, contar a José onde está. Você sabe que não teria a menor chance. — declara amargo.
— Como amar alguém que me traiu? Com todas as prostitutas da região? Que me fazia trabalhar dia e noite para sustentar a casa enquanto você dormia nos bares? — reclama mãezinha, triste.
— Eu tentei ser um bom marido, tentei cuidar de Alana como minha filha. Mas sempre pegava você chorando por José. Eu abri mão de tudo por amar você, Regina. Eu era tratado como rei, tinha quantas putas eu quisesse para chupar meu pau. E quando fugimos, você nem olhava em minha cara, não me deixava tocar em seu corpo, dizia que era por estar grávida. Você continuou me rejeitando e amando Rico. Eu quis te punir, quis destruir você, como me destruiu, por isso fiz tudo que fiz, por odiar amar você. E mesmo assim não me respeitou, porra! — ele estava ficando agitado, e eu estava assustada.  
— Eu criei sua filha como minha, Delfino. Eu nunca tratei Vivian mal, nunca abusei dela, nunca houve distinção, mesmo com todas suas traições bem debaixo do meu nariz! — A revelação da minha mãe me deixa impactada.
— A Vivian... — Não consigo terminar de falar.
— Ela é filha de uma prostituta com quem transei quando chegamos aqui há pouco. Sua mãe aceitou cuidar dela quando a mãe não quis. Uma prostituta não sabe ser mãe, eu obriguei Regina a ser mãe de Vivian. — Ele fala com tanto descaso e eu vejo Vivian chorando e a abraço apertado, e ela retribui. Mãezinha se aproxima de Vivian e a abraça forte.
— Você será minha filha para sempre, querida. Nós a registramos como nossa, isso nunca vai mudar. — Vivian confirma com a cabeça, e eu encaro todos eles, assustada e confusa.
— Por que estão tendo essa conversa? O que está acontecendo? Por que agora? — Indago desconfiada.
— Porque precisamos ir embora, José me mandou um recado, o desgraçado nos descobriu e se ele nos pegar, ele vai nos matar sem misericórdia. — Explica Jorge, me encarando.
— Vá arrumar sua mala, partiremos em três horas. — Ordena Jorge, e eu nego com a cabeça.
— Eu não vou! — Falo convicta.
— Não vou sair da minha casa, não vou abandonar meu emprego e nem vou deixar Dario. — Sou firme em minhas palavras, e mãezinha se aproxima de mim e pega minhas mãos.
— Precisamos ir, filha. Eu fugi de seu pai, com Delfino eu tive que ajudar a colocar fogo em uma das casas de prostituição de Rico, eu roubei muito dinheiro dele para falsificar nossos documentos, pois eu sabia que se ele pusesse as mãos em mim eu seria morta, Rico não perdoa, filha, se ele descobriu onde estamos, ele virá nos matar, eu não posso deixar isso acontecer. — Ela chora e tenta me abraçar, e eu me afasto dela não por repelir seu toque, mas por não aceitar essa loucura.
— Não, mãezinha, a senhora vai me perdoar, mas não vou fugir. Não com Jorge conosco. Se formos sozinhas, eu vou, mas com Jorge não. — Sou resoluta em minha resposta, e mãezinha me encara sem entender nada.
— Por que não, filha? Ele é o único que poderá nos defender. Eu dependo dele para sobreviver, filha, sem ele eu estou sentenciada à morte, eu não posso deixá-lo. — Grita chorando e cobrindo o rosto.
— Depende do quê, mãe? Ele não coloca nada em casa para comermos, ele não paga uma conta, vive bêbado pelas ruas e tentando de alguma forma arrombar a porta do meu quarto! — Me descontrolo, respondendo sarcasticamente, irritada por minha mãe não perceber o monstro que o marido dela é.
— Ele sabe nos esconder do Rico, ele pensa como Rico. Tem contatos que nos dizem se ele está à nossa procura ou não. — Jorge sorri diabolicamente.
— Vocês não durariam um dia sem mim. Você sabe, Regina, eu sou o único que pode mantê-las longe do passado, sem mim vão morrer. — Sentencia sorrindo como louco. E mãezinha fica me implorando de joelhos para segui-los, e eu me recuso a ir embora, me recuso a fugir com um monstro.
— Não, eu não vou a lugar algum. Eu não saio daqui! — Deixo claro, e Jorge se aproxima de mim, furioso, e mãezinha se coloca no meio de nós.
— Você não vai encostar um dedo em minha filha! — Desafia Jorge, abrindo os braços.
— Eu suportei tudo, Delfino, para manter minha filha a salvo, não vou aceitar que encoste a mão nela. Está me ouvindo? — O sorriso perverso que Jorge dá me causa nojo, repulsa. Ele olha para minha mãe e ela entende, naquele momento ela entendeu o que ele sempre fez comigo e ela cai de joelhos no chão e o grito dela é tão amargo e destruído como os que eu soltava quando estava sozinha.
— Você não fez isso, Jorge! — Sua voz arranha ao gritar com ódio.
— Eu sempre quis quebrar sua amada filhinha, a filha do meu meio irmão, o desgraçado que sempre teve o que era meu por direito. Aquele por quem eu carrego um rancor há anos, eu queria feri-lo. Eu quis me vingar de vocês, eu amei cada vez que vi o olhar perdido de sua filha, ou quando ela chorava ou ficava paralisada, eu amei as lutas dela para não me deixar tocá-la. Você deveria ver como ela ficava encolhida, Regina. — Ele se gaba e minha alma se parte.  
— Eu te odeio tanto seu maldito, você é um vagabundo Jorge, você me fazia assistir você nu se tocando seu porco imundo, você me traumatizou, eu era uma pré-adolescente, você é um monstro! — mãezinha está em negação.
— Não é verdade, isso é mentira, tem que ser mentira, eu lutei tanto para proteger minha filha, eu fiz tudo certo, eu não posso ter falhado, não posso... — brada aos soluços altos inconformada e eu sinto a necessidade de colocar para fora tudo o que eu passei.
— A senhora quer fugir com esse monstro mãe? Ainda duvida que ele me tocava todas as noites? Que ele jogava as porqueiras dele nos meus seios ou no meio das minhas pernas, era horrível acordar com ele apertando meus seios ao nível de dor, ou enfiando a mão no meio das minhas pernas, cobrindo minha boca para não gritar, ele gozava em cima de mim, eu tinha nojo e asco, me sentia imunda. — eu grito como louca.
— Ele sempre fazia isso e depois me ameaçava para não dizer nada, me oprimia, fazia com que eu tivesse medo da senhora não acreditar em mim e eu me calava, eu ficava ressentida, triste, eu me sentia suja, eu me sentia usada, molestada. — eu me perco nas lembranças do passado, no sofrimento, na dor que eu sentia a cada toque, a cada nojeira que ele jogava em mim, me arrancando a minha inocência. Eu não vejo que chegaram pessoas, eu só coloco para fora o que minha mãe nunca soube sobre o homem que ela defendia com tanto afinco.
— A senhora sempre defendeu o monstro, o abusador, o cara que a nove anos me molestava, que invadia meu quarto, que sempre, às sextas e sábados, quando chegava exausta do trabalho, me imprensava contra a parede e passava suas mãos imundas por meu corpo. ESSE MONSTRO IMUNDO! — grito até arranhar minha garganta, cega de ódio e dor, um sofrimento tão gigante que corrompe minha alma.
— Eu me entreguei a um bêbado e foi traumatizante, pensando que assim estaria livre dos seus abusos, por causa dele repelia a toques masculinos, e por culpa dele Vivian é o que é. — explano e ele sorri, e eu fico indignada, quebrada por ele sorrir ao me ver partir ao meio, ele sorri ao ver que conseguiu o que queria, ele me destruiu.
— Eu prefiro ser morta pelas mãos do meu pai a conviver mais um minuto com esse monstro que sempre me causou asco e repulsa, eu prefiro a morte mãe! — sentencio fora de mim e eu me enrolo em uma bolha perdida, choro destruída por lembrar das vezes em que ele me fazia assistir se tocar, ou que me tocava, ou quando sentia aquela gosma nojenta em meus seios ou o aperto da sua mão em minha pele, ou quantas vezes ele me jogou na parede, quantas vezes eu lutei contra ele. A dor me rasga e eu vejo como sou quebrada, tão corrompida, só agora tenho dimensão do quão danificada eu sou, de como eu sempre lutei contra esse pesadelo, tentando fantasiar uma vida melhor, um futuro melhor sem monstros, sem toques repulsivos, sem pesadelos, eu me perco dentro de mim, não ouço quando a porta é estourada, nem quando entram vários homens rendendo nossa família fortemente armados aos gritos, eu não me importo de ser morta por meu pai se isso me livrar de mais outros anos vivendo com o monstro do Jorge.

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