9 anos depois
— Freddy!
Saí do quarto e fui para o corredor do apartamento.
— Freddy!
Entrei na sala, estava praticamente pronto. Só faltava...
— Ah, aí está você. — Sussurrei, me aproximando devagar. — Ei, amigão, solta isso.
Sobre meu sofá, estava um pastor alemão carregando na boca um sombreiro preto com bordados, seguindo o padrão da calça e do colete que eu usava. Ao me ver, ele abanou o rabo e começou a balançar a cabeça de um lado a outro sem soltar o chapéu. Dei um pequeno salto e alcancei o meu sombreiro, tirei-o da boca de Freddy que tentou pegar de volta, achando que tudo não passava de um jogo.
— Você é mesmo meu pesadelo. — Falei ajeitando o resto da minha fantasia de super mariachi, algo que inventei de última hora. Era simplesmente uma capa preta e uma máscara da mesma cor junto com roupa de mariachi.
Freddy se levantou sobre as duas patas traseiras e apoiou as dianteiras sobre meu peitoral nu, já que estava apenas com o colete na parte de cima.
— Desculpe, menino. Mas você vai ficar sozinho um pouco.
Ele choramingou.
Fiz carinho em seu pescoço. Freddy colocou a língua para fora numa expressão que me lembrou um sorriso.
— Tente não destruir o apartamento dessa vez. — falei, lembrando de quando ele era filhote.
Essa bola de pelos chegou para mim há três anos. Um colega de trabalho comentara que sua cachorra dera cria e que não sabia o que fazer com os filhotes, respondi brincando que ele podia me trazer um. Para minha surpresa, no dia seguinte, ele me pedira para esperá-lo antes de ir embora e quando o encontrei no estacionamento, havia em suas mãos uma caixa de papelão com alguns furos no topo.
O homem levara a sério meu comentário e me trouxera um filhote. Mas não qualquer um, não. Ele me dera o mais endiabrado da ninhada, àquele que ninguém mais quis.
Resolvi aceitar e trouxe a bolinha de pelos, que tremia e gania o caminho todo, para minha casa. Não estava nos meus planos ter um animal de estimação, na verdade nunca tive um. Não sabia nem que nome deveria pôr. Até, é claro, a nossa primeira noite juntos.
O pestinha de quatro patas destruiu minha lavandeira, onde o havia deixado para passar a noite. Além dos uivos, choramingos e latidos, ele mal me deixara dormir com arranhões na porta.
Quando finalmente acordei, vi a bagunça que ele fizera. A porta de compensado de madeira estava destruída na parte de baixo e o chão inundado de xixi. Isso sem contar as coisas que, sabe-se lá como, ele conseguira derrubar da prateleira perto do tanque.
Fiquei bravo e já estava decidido a devolvê-lo na manhã seguinte. Mas depois de limpar tudo, ao menos o máximo que pude naquela hora da noite, e de limpá-lo com uma toalha úmida, resolvi me deitar, e a pequena criatura me seguiu e se aconchegou do meu lado, me olhando como se eu fosse o ser mais importante pra ele. Simplesmente percebi que valeria a pena e decidi dar um nome à altura. Freddy. Em homenagem ao meu filme preferido. A Hora do Pesadelo.
— O que acha, garoto? Tô bonitão? — perguntei segurando o colarinho do colete que usava.
Ele deu um latido e eu interpretei como uma aprovação. Como eu também havia gostado da fantasia, tirei uma selfie e coloquei como foto de perfil no aplicativo de mensagem instantânea.
— Cuida bem da casa — falei, fazendo carinho no topo da sua cabeça e saí do apartamento, trancando a porta em seguida.Cheguei no local marcado, a praça Tomi Nakagawa, quinze minutos antes. Não gostava muito de esperar, mas não tinha escolha.
Íamos na festa de carnaval da cidade vizinha, Ibiporã. Apesar de não ser longe de Londrina, onde morava há nove anos, nunca fui para lá. Tudo que eu precisava tinha aqui.
Porém, meus amigos queriam se divertir e fazia algum tempo que eu apenas trabalhava e estudava. Primeiro para passar no concurso da UEL e me tornar professor universitário, o qual consegui esse ano, e depois queria fazer um doutorado.
Avistei um grupo animado se aproximando. Mesmo com as fantasias reconheci Ronaldo, Tiago e Maicon. Conheci os três quando mudei para Londrina. Ronaldo e Tiago faziam educação física na UEL na mesma época em que estudei lá, nos conhecemos no ônibus e acabamos virando amigos. Já Maicon conheci no meu antigo emprego, quando eu dava aula para o Ensino médio, nós dois éramos professores de português. Ele ainda continuava no colégio, eu saí no fim do ano passado, quando fui chamado para lecionar esse ano na UEL.
Os três finalmente avistaram meu carro. Eu estava do lado de fora, apoiado na lataria, aguardando-os.
— Que fantasia é essa, Jonathan? — Perguntou Ronaldo, vestido de super-homem.
— Acho que ele só queria mostrar o tanquinho, pras mulheres verem que ele malha. — Provocou Tiago vestido de homem das cavernas.
— Haha, vocês são uns idiotas.
Os três riram. Maicon, o mais quieto de nós, estava vestido de cupido. Comecei a rir quando reparei melhor nele.
— Vocês falam da minha fantasia, mas deviam falar disso... — apontei Maicon.
Ele me deu um soco no ombro e riu.
— Cala a boca. Eles já fizeram isso o caminho inteiro. Vocês avisaram de última hora sobre as fantasias, tive que improvisar.
— E não podia improvisar outra fantasia? — Tiago falou e tentou segurar o riso, mas falhou e acabou soltando um ronco pelo nariz antes de cair na gargalhada.
Contagiados pelo clima que prometia diversão, todos rimos e entramos no carro. O caminho até o centro de Ibiporã foi recheado de risadas e provocações. Havia sentido falta disso, fazia tempo que eu não me permitia apenas relaxar e curtir um pouco.
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Diário de uma Virgem [Concluído]
RomanceQuando Priscilla inicia seu diário, a pedido de sua psicóloga, tudo que ela pensa é que seria um desperdício de papel registrar seus dias monótonos e seus traumas. Mas sua vida vira do avesso quando seu passado volta para assombrá-la na figura arrep...