Vinte e sete

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18 de Abril, Quarta-feira

21h01 — Na hora do intervalo a Isa ficou na sala, porque estava fazendo prova e o professor deu esses minutos a mais para quem não tinha terminado na aula, então sentei perto da minha sala e comecei a ler Seis personagens à procura de um autor. Não tinha tirado o livro da minha bolsa e como não tinha nada para fazer, resolvi dar uma chance a essa peça.

Me surpreendi bastante, pois tem um humor diferente das outras peças que já vi ou li, quase beirando ao absurdo. Porém não consegui ler tudo, pois fui interrompida na metade.

— Tá gostando da leitura?

Olhei para cima e vi o professor. Como estava sentada no chão, ele ficou bem mais alto do que normalmente é.

— Sim.

Ele se sentou ao meu lado. Observei com atenção seu rosto.

— Gosto muito de teatro, mas faz tempo que não vejo uma peça.

— Também.

O professor ergueu as sobrancelhas.

— Quero dizer, faz tempo que não vejo, porque normalmente eu to no palco apresentando. — menti.

Ele sorriu. Acho que nunca vou me acostumar com o sorriso dele.

— Me chama para próxima apresentação.

— Claro.

Ficamos em silêncio. Estava desconfortável, pois não entendia o que estava acontecendo ali. Ele sempre pegou no meu pé nas aulas e até quando ia na lanchonete e agora estava até simpático.

— Professor. — chamei. — Tudo bem com o senhor?

O homem ao meu lado franziu a testa, provavelmente não entendendo meu interesse.

— Sim. Por quê?

Fiquei meio sem jeito, mas não sei qual o meu problema, minha boca parece ter vontade própria.

— O senhor tá sendo simpático. Certeza que não foi abduzido ou trocado? Normalmente pega no meu pé e fica com a cara assim... — fiz uma carranca.

Ele me olhou com atenção, sem falar nada, não parecia ser um bom sinal. Então se levantou e quando ia me dizer algo, a Isa apareceu no corredor me chamando. O professor se despediu e saiu. Minha amiga se apressou em minha direção.

— O que o seu professor queria?

Contei a ela a cena estranha. Isa começou a sorrir.

— Huuum. Será que o professor quer te dar aula particular? — ela me empurrou devagar com o ombro direito. — Talvez ele te dá aulas de anatomia.

Ri da cara dela.

— Não seja boba. Com certeza é comprometido e se não fosse, bom, é meu professor.

Não falei que não acreditava que um homem daqueles se interessaria por mim, porque sabia como ela ia reagir. Ia me dizer o quanto sou bonita e que preciso parar de me rebaixar, pois quem não visse o quanto sou incrível não me merece. Conhecia esse discurso de cor, pois era o mesmo do Geovanne.

— Qual o nome dele mesmo?

— Jonathan Amorim.

Isa pegou o celular e começou a procurar por ele nas redes sociais. Ela achou e me mostrou. Tinha algumas fotos bem bonitas dele se divertindo ou na casa dele. Isa foi logo para a seção “informações pessoais”.

— Solteiro. — ela gritou. — Ou seja, é só você jogar seu charme para ele.

Comecei a rir e olhei a hora. O intervalo havia acabado. Falei para ela esquecer esse assunto e fui para sala. Agora estou tentando esquecer essa informação, pois não me interessa em nada.

19 de Abril, Quinta-feira

20h17 — Não fui para a aula hoje, porque um pouco antes de sair do trabalho, minha mãe me ligou me informando que o Simbad foi atropelado. Então vim para casa direto.

Minha mãe o levou ao veterinário, na esperança de poder fazer algo. Porém meu gatinho estava muito machucado por dentro e não resistiu.

Fui para meu quarto e me tranquei ali. O Ge ficou me abraçando.

Odeio perder alguém que amo. Por que a morte foi inventada? É sempre pior para quem fica.

Ainda estou chorando, mas pedi um pouco de espaço para o Ge. Não gosto que ele me veja assim. Queria ser mais forte, mas não sou.

Se soubesse como superar essa dor, com certeza seria mais fácil.

Antes do falecimento do meu pai, nunca tinha lidado com o luto. Não sabia como isso é doloroso e persistente. Depois perdi o Ge e não suportei, não aguentava o vazio no peito e a falta de sentindo dessa vida idiota. Agora meu Simbad. Mesmo que ele não fosse uma pessoa, ainda dói da mesma forma.

O lado ruim do amor é quando se perde o ser amado. O vazio que essa ausência deixa nos acompanha para sempre.

20 de Abril, Sexta-feira

19h12 — Começo a suspeitar que meu professor não tem muito o que fazer quando não está lecionando. Porque quase sempre o vejo no shopping e, para meu desgosto, ele faz questão de passar no meu trabalho.

Hoje mesmo, estava com uma cara horrível, já que passei a noite chorando e com o humor pior ainda, quando o Ge cutucou minhas costelas e apontou para frente.

— Aquele cara de novo.

Revirei os olhos, porque não estava a fim de ter que lidar com a antipatia daquele homem.

— Boa tarde. — falei educada.

Ele me analisou. Será que algum dia esse professor vai me olhar como se eu não fosse um ET ou algo assim?

— Tudo bem? — perguntou.

— O que o senhor vai querer? — ignorei totalmente sua pergunta, pois se falasse o motivo de estar daquele jeito, ia chorar.

O homem desprezível fez o pedido, mas não saiu da frente do caixa. Continuou com sua atenção fixa em mim.

— Deseja mais alguma coisa?

— Você não tá bem. — afirmou.

Respirei fundo.

— Com todo o respeito que posso ter nesse momento, isso não é da sua conta.

Estava cada vez mais irritada, pois não estava conseguindo conter as lágrimas como gostaria. Uma delas escapou, molhando meu rosto. Limpei depressa.

— Ontem você não compareceu a aula. — falou de forma branda.

Nesse momento, a Sra Carneiro informou da cozinha que o pedido estava pronto. Fui até a janela de acesso e peguei. Voltei ao balcão e entreguei para o professor.

— Estou dentro do limite de faltas e não preciso informar sempre que falto. — suspirei. — Aqui está seu pedido. Tenha um bom dia.

Ele pegou o embrulho e me olhou mais uma vez. Dava para ver que queria dizer algo, mas deve ter pensado melhor (ainda bem). Acenou e se afastou.

Meu amigo me abraçou por trás e beijou o topo da minha cabeça. Tentando me acalmar. Funcionou.

21h43 — O Nando deve me achar com cara de trouxa. Não é possível.

Acabou de me mandar mensagem, perguntando como estou. Até parece que não foi ele quem decidiu não falar mais comigo.

Claro que não respondi, mesmo querendo muito. Percebi que não vale a pena perder meu tempo com esse tipo de cara. Não sou um estepe, que fica disponível para quando precisar. Se quisesse mesmo ser meu amigo ou qualquer outra coisa, não teria me tratado como idiota.

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Oi, meus amores.
Como estão?
A pri e a boca grande dela, né? Sempre dando bola fora.
E a cena do gatinho foi triste pra mim :/
Bjs até sexta

Diário de uma Virgem [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora