Seis

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19 de Fevereiro, Segunda-feira

16h11 - Hoje na consulta com a Dra. Ana Carla, fiquei tentada a contar das coisas estranhas que vem acontecendo em casa. Mas fiquei com receio de ela dizer que isso era uma espécie de trauma por causa do acidente ou pior, que estou mesmo doida. Pensando nisso resolvi falar do Nando, só não sei se foi uma boa ideia.

Assim que comecei a falar dele e de como nos conhecemos e de tudo que aconteceu depois (omitindo os episódios do invasor invisível, claro), fui ficando animada e até sorri algumas vezes. E a Dra. Ana Carla percebeu tudo isso.

- E por que você o rejeitou da primeira vez? - perguntou e ficou me encarando com aqueles olhos castanhos enormes.

Demorei a responder, não porque não soubesse a resposta, isso estava mais do que óbvio para ambas, mesmo ela não falando sobre isso. Mas sim porque precisava de uma resposta que não confirmasse o que nós já sabíamos. Porém como sempre falhava em mentir para ela, acabei dizendo a verdade:

- Porque tenho medo de ele também ir embora.

Ela me olhou com compreensão. Era difícil falar do acidente e de todos os sentimentos que me causavam. O pior deles, sem dúvida, era a sensação de abandono.

- Mas o que te fez mudar de ideia?

- Ele me faz me sentir bem. Conversando com ele quase me esqueço das coisas ruins.

Depois disso não quis mais falar sobre esse assunto e voltei ao meu habitual silêncio até acabar a consulta.

21 de Fevereiro, Quarta-feira

05h30 - Estou ficando louca. Não tem outra explicação.

Mais uma vez tive aquele pesadelo, revivendo as cenas do acidente como se fossem reais. Mais uma vez acordei chorando, porque ainda podia sentir o gosto de sangue na boca e o desespero no peito.

Meu quarto estava muito escuro, então levantei para acender a luz. Quando alcancei o interruptor, senti algo gelado no meu braço. Acendi a lâmpada e por um momento o vi parado na minha frente. Estava com a mão apoiada no meu braço e sua boca se mexia sem emitir nenhum som, era como se quisesse me falar algo. Fechei os olhos com força e quando os reabri, ele havia sumido. Provavelmente eu ainda estava sonhando, mas ainda me sinto mal.

11h13 - Estava conversando com o Nando e me lembrei do sonho dessa madrugada. Por mais que tenha me sentido uma boba, resolvi perguntar se ele acreditava em coisas sobrenaturais. Claro que o que vi não era um fantasma, pois isso não existe, mas era um assunto interessante. Fiquei surpresa com a resposta dele.

[21/02 10:45] Nando: Claro que acredito. Já vi um.

[21/02 10:45] Pri: Sério? Como foi isso?

[21/02 10:45] Nando: Aconteceu quando eu era adolescente, tinha uns 15 anos acho. Tinha feito um mês que minha vó faleceu. E como era muito apegado à ela, sofri muito.

[21/02 10:46] Nando: Um dia estava no meu quarto, lendo um livro que ela me deu. De repente senti alguém me abraçar. Quando olhei para o lado, vi ela sorrindo. Por incrível que pareça, não senti medo. Porque sabia que ela estava ali para me confortar.

Confesso que ao mesmo tempo em que achei fofa sua história, também achei assustadora. Gosto de filmes de terror, porque sei que não é de verdade, são todos atores com maquiagens incríveis. Mas quando penso nisso no mundo real, quase morro do coração, mesmo dizendo a mim mesma que essas coisas não existem. Sou muito medrosa.

22 de Fevereiro, Quinta-feira

04h06 - Acordei de novo por causa do pesadelo. Mas dessa vez não o vi aqui no meu quarto, o que confirma que ontem estava apenas sonhando.

É estranho como os sonhos podem ser tão reais, ainda mais quando são ruins. Dessa vez quando o sonho começou, já estava no carro com ele. A chuva caia com força e quase não dava para ver a estrada. Lembro que estava chorando e ele tentava me consolar. Como sempre fazia. A pista estava escorregadia e em um descuido o carro derrapou e ele perdeu o controle. Capotamos até sair da estrada e o carro bateu em uma árvore...

Não consigo mais escrever sobre isso. Por mais que falem que desabafar pode ajudar, não consigo. Comecei a chorar de novo. Isso é muito doloroso de lembrar, porque ainda posso vê-lo, seus olhos vidrados e sem vida. Ainda posso escutar meus gritos.

18h23 - Minha mãe disse que vai ficar na casa da minha tia até sábado, porque minha tia ta doente e não tem com quem deixar minha prima de três anos. Ela me perguntou se eu ficaria bem e fiz minha melhor cara de "tudo sobre controle" e disse que sim.

Pelo menos não vou ficar sozinha, pois o Leo não é de sair muito. Assim não preciso me preocupar em ver ou ouvir coisas.

22h09 - Fiz aquilo de novo, após tanto tempo. Enquanto me arrumava para dormir sentei em frente ao espelho de corpo inteiro do meu guarda-roupa e fiquei me olhando, analisando. Me perguntei porquê senti tanto medo de ele me rejeitar a ponto de nunca falar nada sobre meus sentimentos.

Não me leve a mal, não sou linda como essas meninas que todos querem ser, mas sei que sou bonita apesar disso. Tenho a pele morena, olhos amendoados e castanhos escuros. Meu cabelo é preto e cai em ondas até um pouco abaixo dos ombros. Mas o que me deixa mais insegura, é meu corpo. Não passo nem perto de ter o corpo de uma modelo de capa de revista. Sou, como minha mãe chama, de cheinha (detesto essa expressão). Como disse não sou magra, mas também não sou excessivamente gorda, fico parada ali no meio termo, como quase tudo em minha vida.

A questão é que não me senti confiante o bastante para declarar meu amor antes daquela noite. E agora tenho medo de sentir algo por outra pessoa, porque parece que estou traindo meus sentimentos.

Gostaria de não ser tão confusa.

Diário de uma Virgem [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora