O destino às vezes pode ser bem cruel.
Eu o conheci por puro acaso, me apaixonei de uma forma que nunca imaginei possível, e agora... não posso tê-lo.
A pior parte é que sequer posso me permitir sentir a dor do fim e a angústia da saudade sem ser consumida por uma culpa avassaladora. Me sinto errada. Culpada. Como se lamentar nosso fim fosse um pecado imperdoável.
Nem mesmo tenho o direito de sofrer pela perda.
Hoje é sábado, quase duas semanas depois de ser atropelada por uma verdade insuportável, e a minha vida ainda está revirada.
Estou hospedada em um hostel simples, dividindo um quarto apertado com duas garotas colombianas que mal conheço. Entreguei o apartamento onde morava com Samira e mandei as coisas dela para um depósito.
O hostel é bem mais barato, ainda assim pagar pelo mês me deixou quase sem dinheiro para comer. Não me importo em comer mal. Talvez seja uma forma de autopunição.
Enquanto caminho pelas ruas noturnas da minha nova residência, me pergunto se um dia voltarei a me sentir normal.
Ao pisar no primeiro degrau da entrada do hostel, sinto alguém se aproximando por trás e me viro depressa.
Meu coração dispara ao ver quem é.
— Como você descobriu onde eu moro? — interrogo, tentando esconder minha surpresa com um tom de indiferença.
— Estava passando por uma praça e vi você alimentando cachorros de rua. Aí... meio que te segui.
— Meio? — arqueio uma sobrancelha.
— Tá, eu totalmente te segui. Mas precisava falar com você.
Desvio o olhar. Não estou pronta para essa conversa. Ou conversa alguma.
— O que você quer, Henrique?
— Ué, você é minha irmã. Não dá pra ignorar isso — ele solta a frase como se fosse uma verdade inquestionável, como se a relação de sangue fosse um laço que não pode ser desfeito.
As palavras de Henrique ecoam em minha mente. Irmã. Isso invalida as tentativas de consolo de Samira quando afirma que consanguinidade não quer dizer muita coisa. Todas as vezes que conversamos sobre isso ao telefone, me sinto à beira de uma berlinda, pois quando ela diz "isso não é ilegal", e eu rebato dizendo que é imoral, sinto que ela está prestes a dizer que deveríamos ignorar o senso de moralidade, internalizar que DNA não nos torna irmãos e ficar juntos.
Agora Henrique está aqui, provando que laço sanguíneo é sim suficiente para considerar alguém como irmão.
Cruzo os braços e mantenho os olhos distantes, sem nada dizer.
Henrique toma meu silêncio como incentivo e dá um passo à frente.
— Imagino que você esteja magoada com todos os envolvidos — ele diz, a voz suave, porém firme. — Mas eu não sou um deles. Acho que tenho o direito de conhecer melhor a minha irmã. Vai me negar isso?
Sinto um aperto no peito. Ele está certo. Henrique não tem culpa e, por mais que eu venha tentando afastá-lo, ignorando suas mensagens, não consigo negar a verdade em suas palavras.
— Você tem razão. Me desculpe, Rick — murmuro, descruzando os braços.
Ele esboça um sorriso leve.
— O que acha de um sorvete? Por minha conta — ele sugere casualmente, como se fôssemos dois irmãos comuns tentando se reconectar.
A proposta simples e despretensiosa toca algo em mim. Estou ávida por um pouco de normalidade.
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Jogada de Craque
RomanceAs probabilidades não poderiam estar mais enganadas ao afirmar que as chances de Zac Dilan - o grande camisa dez do Cruzeiro - chutar a bola na direção da arquibancada e acertar em cheio a cabeça de Rebeca - a odiadora número um do esporte - eram ze...