53° Passe

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O garçom me conduz até a mesa, e assim que chego, Ricardo se levanta, um gesto rígido que reflete sua seriedade habitual.

Sento-me depressa para escapar de um cumprimento que poderia ser forçado e embaraçoso. O garçom nos entrega os cardápios; abro rapidamente, olhando para as palavras sem realmente as enxergar.

Ricardo, por outro lado, permanece imóvel, uma estátua de contenção. Faço meu pedido sem levantar os olhos, e ele faz o mesmo, sempre polido.

Quando o garçom se afasta, o silêncio se prolonga por um momento. O som ambiente do restaurante se mistura com o leve tilintar de talheres e conversas baixas ao redor, criando uma camada tênue que amplifica meu estado de tensão.

— Uma coisa muito estranha aconteceu há uma semana — a voz de Ricardo rompe a calmaria, baixa, grave, como quem medita sobre as palavras antes de pronunciá-las.

Relutante, levanto o olhar e encontro os seus olhos acinzentados carregados de algo que não consigo interpretar.

— Meu filho me contou que vai se casar — ele faz uma pausa, o olhar inabalável, quase desafiador — com a minha filha.

Meu corpo tensiona instantaneamente.

— Se você vai começar com isso, eu vou embora — digo com firmeza, já tomando impulso para me levantar.

Ricardo estende a mão, um gesto calmo, quase suplicante.

— Espere, por favor. Deixe-me concluir.

Seu tom é sério, mas há um apelo que me faz parar por um instante. Hesitante, me sento novamente, mas pronta para me levantar ao menor sinal de julgamento.

Ele retoma após alguns segundos:

— Relutar em concordar com vocês juntos diz respeito à minha dificuldade em separar a imagem que tenho dos dois — Ricardo franze a testa, suas palavras saem pesadas, cada sílaba como se estivesse sendo forçada para fora. — É difícil para mim conceber a ideia de que meus filhos estão em um relacionamento amoroso.

— Não se trata de como você se sente — minha voz sai mais fria do que eu pretendia.

— Exato — ele responde com uma leveza que não esperava. — E finalmente compreendi isso. Eu posso não concordar totalmente, mas reconheço que vocês não são irmãos. Nunca foram. Já sofreram o bastante quando pensaram que eram. Não é justo que eu os faça reviver isso. Vocês são adultos e capazes de tomar essa decisão sozinhos. Como pai, tudo o que posso fazer, e que devo fazer, mesmo quando discordo, é apoiá-los.

Sua sinceridade me desarma um pouco. Minhas mãos repousam inquietas no colo. Reconheço que, apesar de tudo, ele está tentando.

— Se isso facilitar, você pode me considerar apenas como sua nora — digo, tentando oferecer uma saída para o impasse.

Ele franze as sobrancelhas com afinco, como se minha sugestão o ofendesse profundamente.

— De forma alguma. Eu quero ser seu pai, Rebeca — ele declara, firme, sem espaço para negociação.

Algo mexe dentro de mim, uma confusão de emoções que não sei nomear.

— Por que você faz tanta questão de ser meu pai? Eu sou fruto de uma noite inconsequente. Você nunca soube da minha existência. Poderia agir como se eu não fosse nada sua, como muitos outros homens fariam. Por que você se importa?

Ricardo respira fundo. Há uma pausa longa, durante a qual ele parece buscar as palavras certas, o rosto fechado, mas algo em seu olhar começa a se abrir.

— Um dia, quando você tiver filhos, vai compreender. Não importa o tempo ou as circunstâncias, a partir do momento em que você sabe que tem um filho, não é possível ignorar. Um filho é uma parte de si. E tudo o que você quer é fazer parte da vida dele.

Jogada de CraqueOnde histórias criam vida. Descubra agora