42° Passe

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A paisagem passa por nós em borrões de verde e azul, mas minha mente está longe, presa às sensações da manhã no apartamento.

Acordei envolta em lençóis macios, os travesseiros com aroma suave de amaciante, diferente do cheiro de mofo do hostel, onde cada noite é uma luta para dormir com o nariz entupido.

Tomar banho sem passos impacientes do lado de fora da porta foi um alívio indescritível. A água quente escorrendo pela minha pele trouxe um breve momento de paz, algo que me parecia impossível desde que me hospedei naquele lugar.

Por algumas horas, pude fingir que tudo estava bem, que ainda éramos apenas Zac e eu, antes de toda essa confusão.

O café da manhã juntos, com poucas palavras, foi tranquilo. Um momento simples, mas crucial, como se a calmaria antes da tempestade nos preparasse para o que está por vir.

Perguntei se essa viagem no meio da semana não atrapalharia sua rotina e ele disse que não, mas sei que Zac é ocupado e certamente abriu mão de compromissos para me dar suporte emocional.

Ao meu lado, ele dirige em silêncio, o olhar fixo na estrada à frente.

Temo pelo que nos aguarda na casa da minha mãe. Temo que, ao encontrar a peça que falta nessa história, recebamos a confirmação de que somos irmãos.

São quase dez da manhã, mas sei que minha mãe estará em casa. Conheço sua rotina de cor: caminhada antes de o sol nascer, cuidar no jardim, preparar as atividades para seus alunos, ir para a escolinha infantil à tarde onde é professora no primário, voltar para casa, assistir novela, pegar no sono lendo um livro.

Quando finalmente chegamos, meu coração se aperta. Zac para o carro e eu olho para ele.

— Zac, você não precisa lidar com isso. Pode esperar no carro, se quiser — digo em uma tentativa de protegê-lo do que está por vir.

— Estamos juntos nessa, Becky — ele diz com firmeza, transmitindo segurança com o olhar. — Independente do que acontecer, lidaremos com isso juntos

Suas palavras me dão a força que preciso. Respiro fundo e desafivelo o cinto. Saímos do carro.

Quando alcançamos a varanda, minha mãe surge na porta.

Ela cobre a boca com a mão, os olhos se enchendo d'água, e dá um passo à frente com os braços estendidos para me abraçar.

Instintivamente, recuo.

Os olhos dela se apagam, tristes.

Dói recusar um abraço da minha mãe, mas neste momento, não consigo agir de outra forma.

— Precisamos conversar — minha voz sai mais dura do que eu pretendia.

Ela olha de mim para Zac, depois para mim de novo.

— Entrem, por favor.

Três presenças não são suficientes para ocupar todo o espaço desta sala, mas a quarta presença é opressora e preenche cada canto: a tensão sufocante.

A familiaridade do ambiente me abraça e quase me amolece. O sofá onde eu costumava deitar a cabeça no colo da minha mãe para assistirmos novela juntas, parece ao mesmo tempo acolhedor e distante.

Pelo arco que separa a sala da cozinha, avisto um pedaço esvoaçante da toalha branca da mesa onde ela me ajudava com as lições escolares.

Meus olhos se dirigem para a porta do meu quarto, onde se vê a letra 'R' desenhada com pedras de strass cor de rosa, que nós duas colamos uma por uma quando eu tinha nove anos.

Jogada de CraqueOnde histórias criam vida. Descubra agora