A cada abrir de olhos pela manhã, uma página em branco é colocada diante de nós.
São 86.400 segundos, 1.440 minutos, 24 horas: um dia inteiro que nos é oferecido para ser usado com sabedoria.
Poderia ser gasto em coisas pequenas, mas que te fazem feliz, como ouvir dez vezes seguidas a sua música favorita (mas com anúncios porque você não renovou a assinatura do Spotify), comer aquele bolinho de creme que você viu na padaria (mas não comprou porque o limite do cartão não deu), ou até mesmo aprender uma palavra nova de um dicionário Sueco (que você comprou a caminho de uma entrevista de estágio para parecer intelectual).
Enfim, há uma infinidade de formas de aproveitar um dia de, por exemplo, domingo.
E aqui estou eu, sentada em uma arquibancada inalando o cheiro de suor masculino no ar, em plena tarde de domingo, assistindo a uma odiosa partida de futebol.
Noventa minutos testemunhando um bando de homem correndo atrás de uma bola: um mega-giga desperdício dos meus preciosos 1.440 minutos do dia.
Não estou de fato assistindo. Estou tentando focar a atenção em um livro, mesmo que seja um livro de técnicas de origami, qualquer coisa é menos chata que esse jogo, além do mais, todo conhecimento é bem-vindo.
— GOOOL! — Igor grita ao meu lado, me fazendo saltar de susto.
Todos na arquibancada começam a gritar comemorando mais um gol do Cruzeiro.
Cubro meus pobres ouvidos com as mãos para tentar salvar o resto da minha audição.
Igor me arrasta para essas partidas sempre que não consigo encontrar uma desculpa boa o suficiente. E como estamos de férias da faculdade, não posso mais inventar seminários e provas fictícias.
Não sei se ficou claro, mas eu odeio futebol.
E por ironia do destino, meu "namorado" é fanático por futebol e sempre quer me trazer para essas partidas.
A palavra 'namoro' não é a mais adequada para nossa situação. Igor e eu nos conhecemos na faculdade, fomos amigos por um tempo e de repente estávamos nos beijando. Nunca houve um pedido de namoro. Esperei por um até perceber que não teria. E também não pedi, então ficou por isso mesmo.
O que eu queria mesmo era que o placar não estivesse de 2 a 0, garantindo a iminente vitória que levará o Cruzeiro para a semifinal. Bem que podia ser o inverso, eu não me incomodaria.
Para completar meu desgosto, tem um cara do meu outro lado que não para de berrar perto do meu ouvido. Desempregado espalhafatoso.
Não que eu esteja fazendo bullying com o fato desse arara louca por acaso ser um desempregado, porque aí seria autobullying.
Quando finalmente a agitação do recente terceiro gol ameniza, seguro o braço de Igor para chamar sua atenção.
— Igor, estou com dor de cabeça. Acho melhor eu ir para casa.
A dor de cabeça é resultado do meu esforço para manter a concentração no livro que eu inventei de trazer. Não foi muito inteligente da minha parte, admito.
Igor está olhando fixamente para frente, com os olhos vidrados.
— Eu sei, eu sei. O jogo já está acabando, daqui a pouco a gente...
Ele deixa a frase no ar como se tivesse terminado de falar, mas a realidade é que ele nem mesmo sabe que está falando comigo, sua atenção está totalmente no campo lá embaixo.
Solto um suspiro de frustração.
Não sei por que ainda estou aqui.
Enfio o livro na bolsa e me levanto para sair, esperando que Igor ao menos me peça para ficar, mas ele não está mesmo prestando atenção em mim.
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Jogada de Craque
RomanceAs probabilidades não poderiam estar mais enganadas ao afirmar que as chances de Zac Dilan - o grande camisa dez do Cruzeiro - chutar a bola na direção da arquibancada e acertar em cheio a cabeça de Rebeca - a odiadora número um do esporte - eram ze...