20° Passe

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A segunda-feira começou e pela primeira vez em dias tive a sensação de que minha vida aos poucos está voltando ao normal.

No café da manhã, vi que a loira misteriosa dominou as notícias, apesar de ainda haver manchetes sobre meu "estado depressivo".

No estágio, meus colegas conversaram sobre coisas normais de trabalho comigo e não tocaram mais no assunto "garota boleada".

A sensação de normalidade foi tamanha que até fui à praça do cupido alimentar os cachorrinhos, que me receberam com pulos e rabos abanando. Os paparazzi já tinham me fotografado com eles, por isso precisei parar de ir, mas hoje não resisti.

Também fui ao sebo e comprei três livros "novos".

Poder fazer coisas que eu costumava fazer sem a mídia me perseguindo é um alívio indescritível.

Eu poderia dizer que estou ansiosa para a minha vida voltar a ser anônima, mas...

Isso implicaria me afastar de Zac? Afinal, tudo o que acontece em torno dele vira notícia.

Tive paz e privacidade morando no apartamento dele. Mas o objetivo de ter vindo para cá era esperar os paparazzi me deixarem em paz. Quando isso acontecer, não poderei arriscar que voltem com força total para a minha porta.

No entanto, não estou pronta para me afastar de Zac.

Não posso negar que sinto atração física por ele; já aceitei que isso é normal. Só que... não é só isso.

Adoro a companhia dele. Sua presença me traz conforto. Gosto da sua amizade. Não quero perder isso.

A certeza de que nossa dinâmica mudará quando eu partir me assusta.

Com esses pensamentos tumultuados em mente, as palavras do livro "O Conto da Aia" — uma distopia onde mulheres são tratadas como propriedade e servem apenas para repovoar um mundo devastado por uma crise de infertilidade — se perdem com a minha dificuldade de concentração.

Quando finalmente consigo ler uma página inteira sem me distrair, o objeto da minha distração surge na porta da sala.

Ele me vê sentada no sofá e seu sorriso iluminado é apenas um reflexo do meu próprio sorriso escancarado.

— Querida, cheguei — ele anuncia brincalhão, em referência a nossa conversa sobre eu ser esposa troféu.

— Oi, querido, como foi o trabalho? — devolvo a brincadeira.

Zac vem até o sofá e se senta, apoiando um braço no encosto, seu corpo parcialmente voltado para mim.

— Cansativo. Mas nada como chegar em casa e encontrar o jantar pronto, casa arrumada e as crianças limpinhas. Minha esposa é uma verdadeira heroína do lar!

Meu sorriso some, se transformando em uma revirada de olhos profunda.

— Cretino machista.

Zac sorri satisfeito, como se esperasse justamente por essa reação minha. Esse cretino sente prazer em me provocar.

— O que você está lendo? — ele tenta ver a capa do meu livro.

— Crepúsculo, é claro — minto.

Zac faz uma careta engraçada.

— Só por essa sua cara de desdém, vamos assistir Crepúsculo hoje — determino.

— Ah, não. Nem vem — ele se levanta do sofá.

Me levanto e o sigo até a cozinha.

— Vai, Zac, por favor — insisto enquanto ele pega um copo de vidro e o enche no dispenser de água na porta da geladeira. — Você escolheu o filme ontem.

Jogada de CraqueOnde histórias criam vida. Descubra agora