Jogada de Craque

6° Passe

O que vejo no espelho de manhã me deixa para baixo. Mas dessa vez não é o meu cabelo revoltado que embaraça no pente.

É a marca.

Ela está pior que ontem.

Pensei que fosse impossível, mas a prova de que nada é tão ruim que não possa piorar está bem visível.

Jogo o cabelo na frente do rosto para esconder, como tenho feito desde ontem.

Ao menos não preciso sair de casa hoje.

Me sento na bancada da cozinha com meu notebook e uma tigela de cereal com leite.

Samira não está em casa, isso não é novidade.

São raras as vezes em que nos vemos no apartamento. Eu nem sei o porquê de ela morar aqui se dorme fora quase todas as noites. Mesmo assim é bom ter alguém com quem conviver.

Enfio uma colherada na boca e abro o laptop. Primeiro dou uma olhada no Facebook.

A quantidade de notificações me surpreende. Quarenta e três solicitações de amizade? Do dia para a noite? Não conheço nenhum dos rostos, então não aceito nenhuma.

Algo no freed de notícias rouba a atenção dos meus olhos, que se arregalam.

São memes meus. Piadinhas sobre mim. Montagens de vídeos. Compartilhados pelos meus amigos.

Abro a boca incrédula. Minha cara amassada virou motivo de chacota.

Meus olhos vão para o canto inferior da tela automaticamente ao ouvir o som característico de mensagem recebida três vezes seguidas.

Lívia Ramires:

Becky, vi vc na TV. Tá famosa, hein?

Diego Souza:

Estou assistindo o canal SporTV agora e adivinha? Vc está nele, Beca! Sua cara está em todos os canais de esportes!!!!

Igor Rodrigues:

Becky, responde no WhatsApp, por favor. Eu não fiz de propósito ontem. Vou na sua casa mais tarde, tá?

Ignoro cada uma delas, especialmente a de Igor. É claro que estou chateada com ele. Não é a primeira vez que ele me dá bolo.

Levo o mouse no alto da tela para fechar o Facebook, mas me detenho quando uma quarta caixa de bate-papo se abre.

Zac Dilan:

Parece que vc tá famosa

Encaro a tela sem saber o que fazer exatamente. Devo responder? Ignorar? Mandar ele ir para um lugar não tão agradável?

Afinal, como ele me encontrou?

Clico no nome dele para dar uma olhada básica em seu perfil.

Na linha do tempo há um monte de postagens dos fãs dele, é claro. Elogios, críticas, declaração de amor e... a minha cara amassada em um post com piadinhas.

E ali está a minha marcação. Por isso ele me achou.

Respiro fundo buscando por calma.

Eu nem conto a data do meu aniversário para as pessoas porque detesto a ideia de ser o centro das atenções. Gosto de ser invisível. E agora o meu rosto está circulando na internet e na televisão, da pior forma possível, por culpa dele.

Clico na caixa de mensagens para responder.

Rebeca Lopes:

Se com famosa você quer dizer "a garota mais zoada do momento", sim, estou famosa!!!!!

Zac Dilan:

Não esquenta, vão esquecer logo

E como está a testa? Foi uma pancada feia

Rebeca Lopes:

É, foi sim, obrigada por ter deformado o meu rosto

Zac Dilan:

De nada. Agora vc tem a minha marca. Veja isso como um autógrafo

Pisco várias vezes sem acreditar.

Ele não disse isso. Disse?

A bolada que ele me deu poderia muito bem ter causado uma contusão e me matado.

Enfio uma grande colherada do meu cereal com leite na boca para angariar o máximo de energias e poder depositar toda a minha fúria nesse teclado.

Rebeca Lopes:

Autógrafos são para fãs e deixa eu destacar algo importante:

Eu não sou sua fã

Aliás, supondo que eu seja uma fã, coisa impossível de acontecer, é assim que vc trata os fãs? Dando-lhes uma bolada na cabeça e depois dizendo que o hematoma é um autógrafo?

Eu devia te processar!

Zac Dilan:

Não, não é assim que trato os meus fãs. Eu realmente lamento pelo que aconteceu. E peço desculpas mais uma vez, Rebeca

Se vc quiser me processar, tem toda razão para isso. Vou arcar com qualquer dano físico ou emocional que eu tenha te causado

Por um momento fico apenas encarando as mensagens.

Ele parece estar sendo sincero, o que não diminui minha aversão por ele, mas me faz refletir sobre sua parcela de culpa.

Claro que ele não chutou a bola para fora de propósito, muito menos teve a intenção de me acertar.

Também teve o fato de ele ter abandonado o campo e entrado no meio arquibancada para me ajudar. Isso realmente foi surpreendente.

Um jogador, principalmente um camisa dez idolatrado como ele, jamais entraria no meio da torcida apenas para verificar se a garota que ele quase arrancou a cabeça estava viva.

Endireito-me na cadeira, pensando no que escrever. Antes de tocar o teclado, no entanto, o som de notificação do meu celular me interrompe.

Pego o aparelho e vejo uma nova mensagem de e-mail. Enfio outra colherada na boca e abro.

Meus olhos quase pulam para fora quando vejo o conteúdo do e-mail: A Prisma, maior agência de publicidade do estado, quer fazer uma entrevista comigo hoje às dez da manhã!

Eles estão interessados em mim!

Sabia que a minha sorte estava prestes a mudar.

Olho para o alto da tela em busca das horas e sinto o cereal descer errado pela garganta, pois a entrevista está marcada para daqui a treze minutos.

Fico de pé em um pulo, tossindo loucamente.

— Bex?

Ouço a voz de Samira, mas não consigo me virar para olhar, pois estou tentando me recuperar da tosse de engasgamento.

— Ah, meu Deus. Bex, não morra! — Sami grita apavorada e começa a me dar tapas nas costas.

Não são tapinhas. Samira está me espancando.

— Estou bem... — tento dizer entre tosses, mas ela já está em modo de resgate.

— Não se preocupe, vou te salvar! — A intensidade e força dos tapas dela fazem eu me questionar se ela anda praticando luta livre.

A tosse para, mas Samira não.

— Sami, calma! — tento falar, mas é inútil.

Ela não percebe que já estou bem e continua com a pancadaria.

— Fica calma, Bex! — E então ela me dá o golpe final que joga meu corpo para frente.

Tropeço e caio sobre a bancada, derrubando meu cereal. Sinto a blusa ficar úmida e me levanto depressa.

Ouço sons de estalos e vejo o laptop coberto de cereal e leite soltando faíscas elétricas. Uma fumacinha sobe e, por fim, a tela fica preta.

Agora mais do que nunca eu preciso dessa vaga de estágio.