37º Passe

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A segunda-feira começa de um jeito nada ideal: com uma ligação de Samira às cinco da manhã. Ela sempre esquece que estamos em fusos horários diferentes.

Ainda meio adormecida, me apresso em sair do quarto com o celular para evitar acordar minhas colegas de hostel. Me refugio no banheiro e atendo.

— Sami, são cinco da madrugada — reclamo com a voz rouca de sono.

— Sério? Ah, desculpa, Bex. Fiz as contas erradas. Mas também não vou ter tempo hoje, nem agora, na verdade. Consegui escapar da histeria da Alessandra por cinco minutos pra saber como você está. Como foi o jantar?

A voz dela vem rápida, atropelando as palavras, com sons de fundo em francês que me dizem que ela ainda está na França, no meio do caos habitual.

Me recosto na porta do banheiro e fecho os olhos, tentando afastar a angústia que o simples pensamento na noite anterior me traz.

Uma noite de sono não foi o suficiente para digerir o jantar de ontem. E nem estou falando da comida, já que vomitei toda.

— Foi... difícil — respondo com um suspiro profundo.

— Ele estava lá, né? — ela pergunta, sem rodeios.

— Sim...

— E como foi vê-lo depois de tanto tempo?

Engulo em seco.

— Só me fez ter certeza de que não posso ficar perto dele. Ele me tocou e eu senti... — deixo a frase no ar, incapaz de terminar.

— O quê? Bex, pode falar — ela insiste. — Estou aqui para te ouvir, jamais vou te julgar.

Dou outra respiração profunda.

— Eu senti saudades dele — admito com o rosto queimando de vergonha.

Samira fica em silêncio por um instante, provavelmente escolhendo as palavras com cuidado.

— Bex... não é justo você se martirizar com essa culpa. Você o ama. Amar não é pecado.

— Mas eu não posso amá-lo! Isso é doentio!

— Seria doentio se vocês tivessem crescido como irmãos de verdade. Vocês não foram criados juntos. Você nem mesmo considera o pai dele como seu pai. Sinceramente, acho que você não deveria deixar uma convenção social deturpar algo que é tão puro e tão verdadeiro entre vocês...

As palavras dela provocam algo desconhecido em mim. Meu coração acelera de um jeito estranho.

— Samira, você não está insinuando que...

— Ah, quer saber? Estou sim. Vocês se amam, estão sofrendo com a separação e deviam ficar juntos. Que se dane os tabus sociais! Vocês não estão prejudicando ninguém!

Arregalo os olhos. Meu rosto arde e meu coração dispara.

— Você ficou louca?! Nós temos o mesmo sangue!

Samira suspira, e posso até imaginar o olhar impaciente dela do outro lado.

— Vou te fazer uma pergunta e quero que me responda com sinceridade — ela faz uma pausa de dois segundos, mas parecem duas horas. — Se vocês nunca tivessem descoberto isso, seria errado ficarem juntos?

A pergunta me pega desprevenida.

Paraliso, em silêncio.

A resposta não vem imediatamente. Como poderia vir? Não tenho resposta para isso.

Quero dizer, há condenação para quem age na ignorância?

Não parecia errado quando não sabíamos. Ainda assim, era errado?

Jogada de CraqueOnde histórias criam vida. Descubra agora