se reconciliar com o passado

1 0 0
                                    

A noite caía densa e implacável. A chuva golpeava o vidro das janelas como se estivesse tentando invadir aquele quarto sombrio, onde o peso do silêncio era tão palpável quanto o ar úmido. Jihoon estava sentado à beira da cama, o rosto iluminado pela luz fraca que vinha do poste na rua. O cansaço afundava seus ombros, mas ele sabia que não conseguiria dormir. Não naquela noite. Não depois de tudo o que acontecera.

Junkyu dormia profundamente, o corpo imóvel, exceto pelas leves subidas e descidas do peito, enquanto Jihoon lutava contra seus próprios pensamentos. A respiração de Junkyu era superficial, como se até o simples ato de existir fosse um esforço. Jihoon olhou para ele, sentindo uma tristeza que quase o afogava, uma sensação de impotência que o corroía de dentro para fora. As sombras nas paredes pareciam dançar ao ritmo das gotas de chuva, criando uma atmosfera quase surreal, onde o tempo e a realidade se fundiam de forma indistinta.

Foi então que Jihoon ouviu o som. Um leve farfalhar, o som inconfundível de alguém entrando pela janela. Ele não reagiu, apenas deixou seu olhar vaguear na direção da porta. Sabia quem era, antes mesmo de ver a figura encapuzada que deslizou silenciosamente para dentro do quarto.

O homem encapuzado não era um estranho. Jihoon o conhecia bem demais. Conhecia o monstro que ele se tornara, a sombra que pairava sobre suas vidas. Ele não se levantou, não se deu ao trabalho de reagir. Seus olhos apenas se encheram de lágrimas silenciosas, enquanto observava a figura se aproximar, seus passos quase inaudíveis sobre o chão de madeira.

"Você cansou de esperar?" Jihoon sussurrou, sua voz entrecortada, quebrada pelo peso das emoções. "Veio finalizar o que começou?" Ele não sabia se a pergunta era uma acusação ou um pedido.

A figura parou diante dele, e então, lentamente, ergueu as mãos para abaixar o capuz. Sob a luz fraca, o rosto de Haruto foi revelado. Não havia nada de monstruoso naquele momento. Seus olhos, escurecidos pelo arrependimento, estavam fixos em Jihoon com uma tristeza imensurável.

Jihoon não sabia se estava olhando para o Haruto que conhecera, ou para o monstro que havia destruído suas vidas. A incerteza o sufocava. Havia uma distância entre eles que parecia impossível de transpor, uma lacuna criada por todas as decisões erradas, por todas as promessas quebradas.

"Eu... sinto muito," Haruto murmurou, sua voz tão baixa quanto a chuva que caía do lado de fora, mas cheia de uma sinceridade que Jihoon não esperava. "Por tudo."

Ele se aproximou mais, hesitante, como se tivesse medo de tocar aquele espaço entre eles. Haruto sentou-se ao lado de Jihoon, seus olhos fixos no chão, como se a culpa que carregava fosse um peso insuportável.

Jihoon permaneceu em silêncio, tentando absorver aquelas palavras, tentando processar o que aquilo significava. Sua mente estava uma confusão de memórias, lembranças de quem Haruto fora e de quem ele havia se tornado. Ele queria gritar, queria chorar, queria sentir qualquer coisa que fosse além daquele vazio profundo que o preenchia, mas nada vinha. Ele estava exausto de lutar, de resistir.

Haruto continuou: "Eu lembro... da sensação do abraço gelado da morte. E o vazio... o vazio que veio depois, quando voltei à vida." Sua voz tremia com uma dor não apenas física, mas existencial. "Nunca quis que nada disso acontecesse. Não foi minha escolha, Jihoon."

"Mas foi sua escolha o que aconteceu depois," Jihoon finalmente respondeu, sua voz carregada de um amargor que ele não conseguia mais conter. "Você teve escolhas. E você destruiu tudo."

Haruto assentiu, os olhos vidrados, sem olhar diretamente para Jihoon. Ele não podia negar. Não podia mais fugir da verdade que o havia perseguido até ali, como um espectro do que um dia foi. "Eu sei," ele murmurou. "E eu... vou entender se você nunca me perdoar. Se não quiser mais olhar pra mim."

survivorsOnde histórias criam vida. Descubra agora