Dia 21

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Ananda

Eu estava exausta depois de um dia cheio no trabalho, e a Thaís, mesmo com seu jeito alegre, dava sinais de cansaço no banco de trás. Quando parei o carro em frente à nossa casa, suspirei, pronta para entrar e finalmente relaxar um pouco. Mas assim que abri a porta e entrei com a Thaís, algo me surpreendeu.

A casa estava impecável. Cada canto parecia ter sido meticulosamente arrumado, o cheiro suave de flores no ar, e a iluminação aconchegante das lâmpadas deixava o ambiente acolhedor. Thaís, como sempre curiosa, foi a primeira a correr para a sala, olhando ao redor com os olhos brilhando.

  – Mamãe, tá tudo limpinho! — ela comentou com um sorriso.

Antes que eu pudesse responder, ouvi passos leves vindo da escada. Virei a cabeça e vi Richard descendo, já pronto, usando uma camisa impecável e calça social, o sorriso despreocupado no rosto. Ele olhou para nós duas e abriu os braços como se estivesse pronto para a nossa reação.

  – Finalmente chegaram! — ele disse, ainda com aquele sorriso satisfeito. — Eu estava esperando vocês. Agora só faltam se arrumarem, porque... — ele fez uma pausa dramática, como se estivesse prestes a revelar um grande segredo — nós três vamos jantar fora hoje.

  – Jantar fora? — perguntei, surpresa, tentando esconder a desconfiança.

  – Isso mesmo! — ele confirmou, indo até a Thaís e levantando-a no colo, rodopiando com ela, o que a fez soltar uma risada gostosa. — Descobri que abriu um restaurante infantil novo aqui perto, e pensei que seria perfeito para uma noite em família. O que vocês acham?

Eu estava meio atônita. Não era comum Richard preparar surpresas assim. Havia sempre aquele lado de Richard que gostava de controlar as coisas, mas dessa vez parecia diferente. Ele estava genuinamente animado, e eu... bem, ainda tentava entender.

  – Eu... não sabia que íamos sair hoje — comentei, tentando manter o tom leve, mas me perguntando o que havia por trás dessa súbita gentileza.

  – Eu sei, quis fazer uma surpresa — ele respondeu, colocando Thaís de volta no chão. — Vai, se arruma. Prometo que vocês vão gostar.

Olhei para a Thaís, que já estava radiante de empolgação só de pensar em sair para um lugar novo. Era difícil dizer não com aqueles olhinhos brilhando para mim. Por mais que eu estivesse cheia de coisas na cabeça — o trabalho, o peso do nosso relacionamento — Richard estava fazendo um esforço. Talvez eu devesse aproveitar o momento.

  – Tudo bem, vou me arrumar — acabei cedendo, com um meio sorriso.

  – Isso, amor! — ele respondeu, parecendo aliviado. — Vou esperar vocês aqui embaixo.

Subi as escadas com a Thaís e, enquanto escolhia uma roupa para ela e para mim, minha mente corria. Ele realmente estava tentando. Mas e eu? Estava pronta para aceitar esse Richard cheio de surpresas? E o que ele realmente queria com tudo isso?

Depois de nos arrumarmos, desci com a Thaís no colo, já pronta para a noite que nos esperava. Richard estava na sala, mexendo no celular, mas assim que nos viu, levantou-se com um sorriso.

  – Estão lindas — ele comentou, os olhos brilhando, como se admirasse o que via. — Vamos?

Eu apenas assenti, com a pequena Thaís já empolgada para a aventura da noite. Enquanto caminhávamos para o carro, eu me perguntava até onde essa nova fase do Richard iria. Estava claro que ele queria nos reconquistar, mas ainda havia muito a ser resolvido entre nós.

Essa noite seria um passo. Um entre muitos outros que ainda precisávamos dar.
 

Richard

Eu observava Thaís de longe, sentada no restaurante enquanto brincava animada na parte infantil. Seus risos enchiam o ambiente, mas algo dentro de mim ainda estava inquieto. Ela parecia tão feliz, tão despreocupada... mas eu sabia que por trás desse sorriso inocente, havia uma tensão que só eu sentia.

Olhei para Ananda ao meu lado. Ela estava concentrada no menu, ou pelo menos fingindo estar. Seus olhos não paravam em uma linha por muito tempo, como se sua mente estivesse a mil. Tentei aproveitar o momento, o jantar em família que eu tanto queria, mas esse incômodo entre eu e minha filha, e entre eu e Ananda, era impossível de ignorar.

Respirei fundo, tomando coragem para falar o que estava na minha cabeça.

  – Thaís parece feliz, né? — comentei, tentando soar casual, mas Ananda percebeu de imediato que havia algo por trás da minha voz.

Ela levantou os olhos lentamente, me encarando, e eu continuei.

  – Mas... eu sinto que tem algo errado. Nos últimos dias, ela anda mais distante, e eu não consigo entender se é culpa minha ou se... — eu pausei, procurando as palavras certas — se a situação entre a gente tá afetando ela mais do que eu imaginei.

O silêncio de Ananda foi ensurdecedor por alguns segundos. Ela abaixou o menu devagar, cruzando os braços sobre a mesa e me olhando com aquele olhar firme, o tipo de olhar que eu já conhecia bem, que indicava que vinha coisa pesada.

  – É claro que está afetando — ela disse, a voz baixa, mas carregada de ironia. — Você acha que uma criança de três anos não percebe o que está acontecendo?

Aquilo me acertou como um soco, mas tentei me defender.

  – Eu sei que não tem sido fácil... mas estou tentando. Tô aqui agora, tentando fazer as coisas darem certo, ser mais presente. Thaís precisa de mim.

  – Precisa — ela concordou, o olhar frio. — Mas espero que essa felicidade com o pai não seja uma felicidade temporária. Porque a última coisa que eu quero é ver ela se apegando de novo, só para você sumir ou decepcionar ela mais uma vez.

Aquela frase cortou como uma lâmina. Eu sentia o calor subindo pelo meu corpo, a frustração crescendo. Ananda sabia onde me atingir, sempre soube. Mas eu sabia que ela não estava errada. Eu tinha feito isso antes, eu tinha falhado.

  – Eu não vou fazer isso com ela — rebati, me inclinando um pouco para frente, o tom mais defensivo do que eu queria. — Eu não vou sumir de novo, não vou decepcionar a Thaís.

Ela riu, mas foi um riso sem humor, apenas um som amargo.

  – Ah, Richard... você sempre fala isso. Mas falar é fácil. O problema é que você fala muito e faz pouco. Quantas vezes você prometeu que ia mudar? Quantas vezes eu acreditei que as coisas iam ser diferentes?

Eu queria discutir, queria provar que eu estava diferente dessa vez, mas as palavras dela me acertaram de novo. Eu sabia que Ananda já tinha ouvido todas essas promessas antes. E eu sabia que, no fundo, parte de mim ainda estava tentando me convencer de que era capaz de ser o pai e o marido que elas mereciam.

  – Eu tô tentando, Nanda. Eu juro que tô — murmurei, a voz um pouco mais fraca agora.

Ela olhou para mim, os olhos duros, mas havia um cansaço por trás deles. Um cansaço que eu sabia que eu tinha ajudado a criar.

  – Então prova, Richard — ela respondeu, cortante. — Porque palavras não vão consertar o que você fez. E se você falhar de novo... bem, você vai ter que lidar com as consequências. E não vai ser só comigo dessa vez.

Ela pegou a taça de vinho e deu um longo gole, me deixando ali, sentado com minhas próprias frustrações. Eu queria gritar, queria prometer de novo que tudo seria diferente, mas sabia que não adiantaria. Eu tinha que provar, e pela primeira vez na vida, estava começando a perceber o quão difícil seria reconquistar a confiança dela e o amor de Thaís.

Enquanto Thaís continuava brincando, sem saber do peso que aquela conversa carregava, eu fiquei sentado, olhando para Ananda, sentindo o peso da responsabilidade que eu tinha nas minhas mãos. Eu sabia que essa poderia ser minha última chance de fazer as coisas darem certo. E eu não podia falhar de novo.

Como Perder A Sua Mulher Em 80 dias | Richard RíosOnde histórias criam vida. Descubra agora